O MUNDO NOVO CONTRA OS INSTITUTOS DO SÉCULO XX
Wallace Moraes – coordenador do OTAL
Vivemos atualmente um momento de acirramento da luta popular no mundo inteiro. O centro perde poder e os extremos ganham força. De um lado a extrema direita, com claras posições fascistas e do outro o ressurgimento do anarquismo. Os primeiros são hierarquizados, verticais, preconceituosos com relação a raça, opção sexual, religiosa, etc, com claras ligações com grupos militares e com voz ativa nos oligopólios de comunicação de massa no Brasil e no mundo. Os valores do anarquismo são exatamente o oposto daqueles defendidos pelos fascistas. A falência do centro está diretamente ligada ao fato de nas duas últimas décadas praticamente todos os partidos de esquerda e de direita chegaram ao poder na Europa, na América Latina e em alguns países da África. Todavia, em nenhum desses países, resultou em emancipação dos trabalhadores. Em rápido resumo, pela via eleitoral, nenhum país suplantou o capitalismo, caracterizado por sua explícita exploração do trabalho dos não proprietários. Com efeito, grande parcela da população deixou de acreditar na via eleitoral como forma de alteração do quadro de poder. Ganham força, por consequência, diversos coletivos não institucionais e revolucionários, mesmo que o sentido de revolução não seja o clássico de tomada do poder, característico dos séculos XIX e XX, mas de luta contra o próprio poder, ou pelo poder popular, horizontal e não hierárquico. Assim, surgiram a Ação Global dos Povos (1998-2001), as rebeliões das periferias em Paris (2005-2007) os movimentos de Occupy (2011-12), a Primavera Árabe, a Revolta dos indignados na Espanha, Chiapas, Oaxaca e Guerrero no México, Revolta do Vinagre no Brasil, Panelaço na Argentina, e grande luta popular na Colômbia, na Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua e em outros lugares. A revolta mais recente aconteceu no centro financeiro mundial– EUA. Em Nova York e em outras partes do país, negros saíram às ruas para protestar contra a arbitrariedade da polícia que mata mais negros e pobres. A polícia lá como aqui passa por um descrédito popular pelos assassínios dos Amarildos. Neste último mês greves gerais são preparadas na Itália e na Bélgica em defesa dos direitos dos trabalhadores.
Por outro lado, a reação dos conservadores é também emblemática. Anarquistas são presos na Espanha; 43 estudantes são assassinados no México e 23 lutadores populares são julgados no Brasil com fortes indícios de que serão condenados. Ao mesmo tempo, os agentes estatais são absolvidos lá e cá. A grande diferença é que os policiais mataram pessoas e os estudantes e professores condenados não atentaram contra a vida de ninguém. A direita ocupa espaços institucionais, mas absolutamente deslegitimados. Nossos pesquisadores abordarão esses assuntos nas matérias abaixo.
Nosso Boletim começa com uma excelente análise das eleições no Brasil realizada por Flávio Moraes, seguida pelos comentários de Rodrigo Agueda sobre a ocupação do MTST no Rio de Janeiro e da difícil luta pela terra no Brasil. Depois, discutimos o México, onde a luta tem assumido contornos pré-revolucionários. Anízio Lobo faz importante análise da situação atual do México, esclarecendo o assassinato dos 43 estudantes no estado de Guerrero. Aimée Weiss completa a análise. Lucas Bártolo faz um balanço das últimas lutas na Colômbia e traz um dado muito importante: mais de 60% da população se absteve no processo eleitoral, mostrando que o povo está mais preocupado com a luta popular na rua do que com esperanças eleitorais. Matheus Pellegrini disserta sobre a greve geral e luta popular na Argentina como uma insatisfação generalizada contra o governo de Cristina Kirchner. A pesquisadora Bárbara Dantas relata a luta dos Mapuches no Chile. Last, but not least, a pesquisadora Aurea Ferreira descreve a reeleição de Evo Morales na Bolívia.
Em resumo, com esse boletim, podemos identificar uma clara tendência de luta popular por transformações radicais por um mundo sem hierarquias, discriminações, explorações e mais amável, solidário e com o repartir do pão. Uma tendência que nega a institucionalidade viciada. Ao mesmo tempo, ganha espaço as forças fascistas no interior da sociedade que querem barrar a gestação do mundo novo, por meio de arbitrariedade, assassínios, covardias e condenações. As disputas não param. O centro reformista, institucional, como uma instituição típica do século XX, junto com os fascistas, tentam barrar a criação do novo mundo da ação direta e da auto-gestão. Terminamos com uma citação do subcomandante insurgente Marcos do EZLN, quando perguntado se teria medo do avanço das ideias fascistas: “Não tenho medo. Tenho certeza que se todas as ideias tiverem espaço para circularem livremente, as mais amáveis, as mais solidárias, as mais preocupadas com o bem-estar de todos, serão as vitoriosas!”
Leia o boletim, critique, divulgue. Desejamos a todos um 2015 repleto de lutas, amor, solidariedade, carinho e de muita anarquia!!
Brasil
2013 e 1968, a luta contra a ilusão democrática
Pesquisador responsável: Flávio Moraes
No Brasil em 2013, novas formas de organização dos movimentos sociais eclodiram nas ruas, uma revolta generalizada das periferias e dos grandes centros urbanos. Movimento este muito caracterizado por sua horizontalidade, ódio a grande mídia em geral, e negação do sistema representativo. Foi recorrente no levante repórteres dos grandes oligopólios midiáticos serem expulsos das manifestações, carros das emissoras depredados, ataques a bancos e agências do governo. Embora a revolta tenha sido totalmente inesperada, sintomas da crise da representatividade já apareciam no país. Em 2013 o governo foi pego de surpresa com a revolta popular no Brasil. Chegou a apresentar reformas políticas, diminuição da tarifa de transporte público (estopim da revolta) e entre outros engodos. Mas a marca de sua administração como todo Estado é a guerra, o investimento no mês do levante em segurança pública foi massivo.
Dados do Transparência Brasil sobre junho e os investimentos em ‘’Defesa Nacional’’, apontam um crescimento gigantesco na verba destinada ao setor no mês de junho em comparação aos demais meses e aos gastos de 2012. Junho de 2013 representando um gasto de 41.952.580,10 de reais de um todo de R$112.531.112,81.
Gráfico de gastos em ‘’Defesa Nacional’’ em 2012:
Iniciou-se assim uma perseguição implacável a toda forma de luta que fugisse do padrão burocrático Estatal, uma cruzada em que o Estado, a mídia, e a própria esquerda institucional deslegitimaram o levante popular de 2013. O trabalho apresentará a enorme contradição de ser contra o capitalismo e a favor do cumprimento das leis do modelo Estatal liberal, e como as formas de lutas atuais (Black Blocs) e passadas (Maio de 68) propõem transformações políticas radicais.
Slavoj Zizek (2012) aponta para uma característica dos movimentos sociais e a esquerda em geral: todos estão contra o capitalismo e reconhecem suas contradições. Testemunhamos uma grande ‘’oferta’’ de críticas ao capitalismo, trabalho escravo infantil, crise ambiental, banqueiros e políticos corruptos. Entretanto uma regra não é questionada: o Estado democrático de direito. Todos os movimentos já superaram o valor do capitalismo em seu discurso, porém em sua ação muitas vezes lutam para simplesmente ‘’democratizar’’ o sistema, ‘’estender o controle democrático para economia por meio da pressão da mídia, inquéritos parlamentares, leis mais severas, investigações policiais honestas’’ (Zizek, 2012: 22), caindo assim em uma armadilha, defendendo a legalidade e a legitimidade do Estado.
O capitalismo é reconhecido pela sua capacidade de se apropriar das culturas de resistência, assim como o fez com o Rap. Este estilo musical originário das periferias e bastante caracterizado pela incitação a luta de classes, foi apropriado por gravadoras milionárias e tornou-se um gênero musical marcado pelo culto ao consumo capitalista e a objetificação da mulher. O capitalismo torna a sua própria crise um produto a ser consumido, vide o mercado de produtos ‘’ecologicamente corretos’’ que faturam bilhões de dólares todos os anos com a promessa de serem sustentáveis, mesmo não diminuindo o consumo. Os socialistas que participam da disputa pelo controle Estatal, defendem um socialismo de hiper-mercado, assim como o Rap de culto ao consumo e a bolsa de compras ecológica, este socialismo se adapta ao jogo capitalista, tornando-se na realidade social-democrata ou Liberal. O Estado camaleônico (Moraes, 2013) ou a gestão social-democrata do capitalismo de Estado tem como principal aspecto a capacidade de adaptar-se a conjunturas adversas a própria existência do capitalismo, tem sua forma moldada pelo objetivo de abrandar as revoltas, controlando os sindicatos e fazendo uma conciliação entre o patrão e o trabalhador, assim como o movimento do Boxe denominado de clinch onde quando o boxeador que esta apanhando abraça o oponente para se defender, o Estado se aproxima da população para não ser destruído.
Zizek expõe que a questão da liberdade não pode ser localizada em motes como: Eleições livres, liberdade de impressa e direitos humanos, valores estes que estão fundados na matriz liberal de pensamento.
A questão da liberdade deve ser posta em áreas que o Estado e a mídia apresentam como apolíticos, a problemática é: não elegemos ter patrões, não escolhemos nossas estruturas de produção e de que maneira iremos trabalhar. Do mercado à estrutura familiar, a política do dia-a-dia deve ser transformada, uma mudança radical que foge as vias legalistas de transformação, nenhuma reforma política traria mudanças deste tipo.
A democracia e as leis postas de maneira sagrada, atualmente representam o mais difícil inimigo político a ser desconstruído: a ilusão democrática, esta impossibilita uma transformação radical da estrutura capitalista.
Movimentos que propuseram a transformação radical da sociedade não podem ter suas conseqüências medidas pelo termômetro das eleições Estatais, suas grandes mudanças estão localizadas na política presente no dia-a-dia, na disputa dos discursos políticos e nas novas formas de se organizar. No livro Maio de 68, os anarquistas e a revolta da Juventude (2008), os autores relatam a experiência da ação radical dos estudantes, operários e camponeses que negando a estrutura política representativa organizaram uma greve de dez milhões de indivíduos, ‘’É a vontade de modificar a vida cotidiana que se afirma como objetivo político; transformar as relações de poder’’ e foi exatamente esta negação ao processo político institucional e o foco na ação direta que tornou o movimento tão perigoso ao Estado. A posição da juventude de maio de 68 tomando a palavra para si, pixando muros, construindo rádios auto-gestionadas e articulações políticas autônomas ameaçou o discurso de defesa do Estado entoado pela grande mídia. A ação direta da juventude de 68 se aproxima da ação da juventude de 2013.
Os Black Blocs, em junho de 2013 no Brasil, negando a institucionalidade, o sistema representativo e a hierarquização dificultaram o controle do Estado sobre as manifestações, assim como na França em 1968. A tática do anonimato por meio de mascaras por parte dos manifestantes dificulta a identificação, tendo um histórico de países em que cobrir o rosto tornou-se proibido, como na Alemanha, França e Brasil. A tática designa uma forma expressiva de ação coletiva que consiste em formar blocos em movimento no qual as pessoas preservam sua identidade. Seu objetivo é utilizar o simbolismo performático para propagandear suas ideias políticas.
Uma das grandes mudanças de 2013 no Brasil foi a organização de meios de mídia alternativos e independentes, além da produção de diferentes tipos de mídia, da pixação ao cinema. A tática Black Bloc está permeada de princípios anarquistas como o da ‘’Ação pela propaganda’’. Esta propaganda se aproveita do espetáculo midiático, atraindo a atenção dos meios de comunicação de massa através da ação direta, e assim, possibilitando que milhões de pessoas possam ter conhecimento de suas ações políticas, mesmo que de forma deturpada. A utilização da força pelo bloco negro contra símbolos do consumo capitalista e o Estado, disseminam a posição de que a propriedade privada, as leis do Estado e o próprio Estado em si podem ser negados de forma prática, recusando sua sacralidade, como aponta Kropotkin: ‘’Enquanto durar o Estado, enquanto a lei permanecer sagrada aos olhos dos povos, enquanto as revoluções futuras trabalharem pela manutenção e pela ampliação das funções do Estado e da lei, os burgueses conservarão o poder e dominarão as massas.’’ (Kropotkin, 2007: 100). O movimento assim como Maio de 68 superou a ‘’ilusão democratica’’, optando por uma posição radical.
Apesar do levante popular de 2013 ser considerado uma ‘’surpresa’’, a crise da representatividade já estava presente no mundo inteiro e aqui também. Os novos modelos de luta política ainda não estavam no Brasil, porém a descrença da representatividade crescia cada vez mais. Em 2012, após 11 anos de um governo da esquerda institucional, o governo do PT (Partido dos Trabalhadores) esgotava a esperança da população em modificar a realidade social do país através de eleições, nenhum direito trabalhista garantido em 11 anos. No ano anterior ao levante de 2013, o número de greves já demonstrava um considerável aumento, tendo 873 greves em 2012, o maior número desde 1996.
Assim como Partido Comunista Francês no episodio de 68, os partidos da esquerda estatista brasileiros deslegitimaram o levante, declarando que não tinham pautas e nem reivindicações claras, um simples impulso irracional destruidor da juventude e não um processo histórico longo que ‘’explodiu’’ em 2013. A esquerda deste modo declara: – Fale nos meus termos ou se cale. Processos políticos não burocratizados são reconhecidos como desorganizados. Se auto-organizar é apresentado como um crime. Para esta esquerda é necessário apelar e negociar com as autoridades ‘’competentes’’, como Gulherme I, rei da Prússia e do Império Alemão afirmava: ‘’Apelai para mim. Mas se sairdes para a rua, se quiserdes reclamar, pelos meios preconisais, aquilo o vosso desejo mais intenso, haveis de conhecer imediatamente a dureza do aço, das baionetas e das espadas dos meus soldados!’’ (Kropotkin, 2007:81)
Eis que essa esquerda tem ‘’Uma adoração comum, um culto comum une todos os burgueses, todos os exploradores. O líder do poder e o líder da oposição legal, o papa e o ateu burguês adoram igualmente um mesmo deus, e esse deus de autoridade reside até nos recantos mais ocultos de seus cérebros. Eis porque eles permanecem unidos apesar de suas divisões.’’ (Kropotkin, 2007: 104-05)
Assim como os chefes de Estado, policiais e denominada direita reacionária, a esquerda oficial ou esquerda institucional condenam os atos de ação direta, em muitos casos não reconhecendo um sentido político racional. Em (Dupuis-Déri-2014), o autor menciona o caso do site de um partido de centro-esquerda canadense que pediu a prisão dos membros do Black Bloc. O representante mais expressivo da esquerda institucional do Rio de Janeiro, Brasil, membro do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Marcelo Freixo declarou em uma nota de esclarecimento após acusações de envolvimento com a tática Black Bloc: “Sou totalmente contra a violência, como método e como princípio. É fundamental para a democracia o fim da escalada de violência, do lado dos manifestantes e da polícia. (…) Reitero meu repúdio à violência de parte dos manifestantes e do estado. A democracia não ganha com isso”
O Black Bloc por ter uma posição radical, negando a representatividade, hierarquização, o Estado e suas leis, não é surpreendente que o governo reconheça essa tática como perigosa por motivos práticos. A impossibilidade de definir o trajeto das manifestações, a incapacidade de fazer pressão ou acordo com lideres do movimento tornam o Black Bloc difícil de ser controlado, logo perigoso para ordem estabelecida. Os meios de comunicação de massa que cumprem o claro papel de manter a ordem e a propriedade, resguardando os privilégios de quem os financiam, atacam indiscriminadamente toda e qualquer iniciativa popular que não passe pelo seu crivo autoritário. A esquerda estatista, por sua vez, dissocia-se dos Black Blocs, denominando-se como os verdadeiros manifestantes, reconhecendo o Estado e as leis como regulamentos que devem ser seguidos, reafirmando a dicotomia midiática entre vândalos infiltrados e manifestantes inofensivos. A maioria dos discursos dos movimentos sociais já superou o valor ‘’Capitalismo’’, o passo mais importante a ser dado é aproximar o discurso à ação. Uma critica ao capitalismo deve englobar uma critica ao Estado democrático de direito que é essencialmente liberal e capitalista. Formas de luta como as de Maio de 68 na França e a tática Black Bloc no Brasil propõem a politização dos meios cotidianos e a auto-organização, sendo como Bakunin propôs: uma revolução social, uma mudança na maneira de se organizar o mundo e não uma troca de patrões.
Bibliografia:
Maio de 68, Os Anarquistas e a Revolta da Juventude – 2008 – Maurice Joyeux, Hugues Lenoir, Hélène Hernandez, Jean-Pierre Dutevil
MORAES, Wallace dos Santos (2013). “O Estado mínimo contra a fase histórica camaleônica do Estado capitalista: um estudo da teoria neoliberal de Robert Nozick in PIRES, Lier. Clássicos do pensamento político moderno e contemporâneo. Rio de Janeiro: Campus, Elsevier.
ZIZEK, Slavoj (2012) “O silêncio de um novo começo” in HARVEY, D. Occupy. São Paulo: Boitempo.
O Estado e seu papel histórico – 2007 – Kropotkin
Brasil
Primeira ocupação do MTST no Rio desafia o massacre imobiliário
Pesquisador responsável: Rodrigo Cerqueira Agueda
A contínua e crescente mercadificação do espaço urbano vêm causando muitas revoltas no Rio de Janeiro. Depois da ocupação da Telerj e em meio a continuação do projeto de gentrificação da metrópole carioca, com o despejo de milhares de famílias moradoras de favelas em prol da especulação imobiliária, surge em São Gonçalo a Ocupação Zumbi dos Palmares. A primeira ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) no estado do Rio de Janeiro, cujo nome homenageia um grande líder do movimento negro, foi implantada na região do Jardim Catarina, um dos maiores e mais precários bairros de São Gonçalo, cidade onde mais de 10% da população não tem acesso a moradia. A área ocupada tem cerca de 60 mil m² e está abandonado há décadas, servindo apenas para depósito de entulho.
No Dia da Consciência Negra (20/11), as famílias ocupantes realizaram um ato no Rio de Janeiro, em um local perfeito para ocasião. Os quase que exclusivamente brancos e ricos moradores da orla da Zona Sul, que aproveitavam o dia de sol na praia, assustaram-se com a chegadas das famílias que exigiam mais moradia e menos ódio aos negros e pobres. As duas principais pautas expuseram as gigantescas contradições. Na mesma rua onde brancos aproveitavam a praia, negros passavam pela vistoria policial violenta de costume. Na mesma rua onde famílias pediam moradia, estava sendo posto a venda um apartamento pelo valor de 70 milhões de reais.
A luta por moradia se faz cada vez mais necessária no país. Enquanto empresários compram a aplicação dos seus interesses através de doações milionárias às campanhas políticas, a luta popular representa o outro lado da balança, brigando por suas demandas . Na área urbana, a prevalência dos interesses privados faz com que os pobres sejam expulsos de áreas centrais ou valorizadas, para dar lugar ao lucro de empresários. É por isso que a luta segue, porque enquanto morar for um privilégio, ocupar é um dever!
Leia mais:
http://mtst.org/index.php/noticias-do-site/1237-mtst-realiza-ocupacao-vitoriosa-em-sao-goncalo
Veja também:
“Ocupação do Zumbi dos Palmares resiste”
https://www.youtube.com/watch?v=dvsMQH2Zz1s
“Ocupação Zumbi dos Palmares vai a prefeitura”
https://www.youtube.com/watch?v=AKLjwMqpla4
“Zumbi Vive: primeira ocupação do MTST no Rio é batizada”
https://www.youtube.com/watch?v=9riVafUGkuk
A violência continua na luta por terras
Pesquisador responsável: Rodrigo Cerqueira Agueda
Os últimos meses têm sido de tensão nas regiões rurais do Brasil. Providências não tem sido tomadas e o crescimento dos latifúndios tem levado pânico a quem tenta sobreviver da terra. A cada dia mais áreas são tomadas por grileiros, deixando índios, quilombolas e os trabalhadores rurais em geral com menos terras para sustentar uma vida digna, não conseguindo nem atender suas necessidades básicas e seus costumes.
No final de Outubro, Cleomar Rodrígues de Almeida, um dos líderes da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) do norte de Minas e sul da Bahia, foi fuzilado no local onde trabalhava e vivia desde 2008 com outras 35 famílias. Cabe ressaltar que ele vinha sofrendo ameaças de morte, tanto por pistoleiros conhecidos como por policiais. A morte foi a resposta por lutar por uma vida digna. Diversos protestos e homenagens ao falecido companheiro vêm sendo feitas, enquanto o poder público fecha os olhos e não cogita tomar providências.
Não muito longe dalí, outro massacre ocorre. Na região centro-oeste, diversas tribos indígenas sofrem com a violência dos latifundiários. A luta por terra para os índios, vale lembrar, tem um carácter simbólico a mais, por toda questão religiosa e cultural envolvida. A terra para eles não é apenas um espaço físico, substituível, mas um lugar sagrado. A importância de viver no lugar onde estão enterrados seus antepassados ultrapassa a questão do desejo de permanecer pois muitos preferem morrer ao viver longe de sua terra. Essa questão tem sido muito forte em relação aos índios da tribo Guarani-Kaiowá. Há um bom tempo que eles vem sofrendo ameaças, estupros e assassinatos, além de serem expulsos de terras que sempre foram deles. A luta desses índios é diária e, em Novembro, montaram uma comitiva para ir até Brasília manifestar seu repúdio a mais uma anulação de um processo de demarcação de suas terras. A resposta veio 15 dias depois com o assassinato de uma das lideranças Kaiowá que integrou a comitiva, com 35 facadas.
A situação é crítica, e os Guarani-Kaiowá ameaçam um suicídio coletivo caso as coisas não mudem. A vida dos índios no Brasil perdeu sua essência, seu sentido, mesmo sendo eles os primeiros a viver aqui. A esperança de melhora se esvai, cada vez que se é lembrado e reafirmado a força que a bancada ruralista tem diante do governo. Isso mostra que a mudança não virá de nenhum gabinete, e sim da luta popular.
Leia mais:
http://resistenciacamponesa.com/noticias/703-lideranca-kaiowa-foi-assassinada-com-35-facadas
http://resistenciacamponesa.com/noticias/704-o-companheiro-cleomar-vive-morte-ao-latifundio
MÉXICO
Pesquisador responsável: Anizio Lobo
¡Queremos vivos a los 43 estudiantes!
“Uma primeira questão, sei disso, se apresenta. ‘O que eu me tornarei?’ você se perguntou muitas vezes. Com efeito, quando se é jovem, compreende-se que, após ter estudado uma profissão ou uma Ciência durante vários anos — à custa da sociedade, observe bem —, não é para fazer dela um instrumento de exploração, e seria preciso ser bem depravado, bem carcomido pelo vício, para nunca ter sonhado, um dia, aplicar sua inteligência, sua capacidade, seu saber, para ajudar a libertação daqueles que pululam hoje na miséria e na ignorância”.
Piotr Kropotkin. “Aos Jovens”. 1890.
No boletim anterior relatamos o seqüestro, tortura e assassinato de 43 estudantes ocorridos na madrugada do dia 26 de setembro, no município de Iguala, estado mexicano de Guerrero. No decorrer das investigações do caso, que se conduzem em meio a uma intensa pressão popular, foi constatada a forte atuação de agentes do Estado junto a grupos criminosos locais. A consequência mais imediata da investigação foi a prisão de algumas dezenas de policiais municipais, além de quatro membros da organização criminosa Guerreros Unidos. Desses quatro criminosos presos surgiram as confissões e os indícios de que haveria o amplo envolvimento de autoridades municipais na Chacina de Ayotzinapa. Tanto havia essa participação que após permanecerem foragidos por um período aproximado de um mês, exatamente no dia 4 de novembro, o prefeito e a primeira dama de Iguala foram presos pela polícia, acusados de terem agido como autores intelectuais do sequestro seguido de morte dos 43 estudantes. Antes disso, no dia 6 de outubro, a polícia encontrou uma vala comum com aproximadamente 30 corpos na localidade de Cerro Viejo. Exames de DNA comprovaram que os corpos encontrados não pertenciam aos normalistas desaparecidos.
A falta de avanços substanciais nas investigações, no sentido de descobrir o paradeiro dos estudantes, fez surgir das ruas o grito de “¡Queremos vivos a los 43 estudiantes!”. Pois como podemos observar em diversos momentos da história recente do México, diante da característica omissão dos governantes, o povo tem mostrado protagonismo na luta pela justiça e autodeterminação. O lento reagir do judiciário mexicano pouco ou nada condiz com a urgência por justiça daqueles que entre os 43 estudantes desaparecidos têm algum ente querido. Essa urgência levou os familiares dos desaparecidos a se organizarem em um mutirão de buscas pelos estudantes.
Jornada de manifestações pelos 43 de Ayotzinapa
A segunda semana de novembro foi marcada por radicais mobilizações de apoio aos familiares dos normalistas assassinados. Na segunda-feira dessa semana, dia 11, um grupo de manifestantes (formado por professores e familiares das vítimas) ocupou por aproximadamente 5 horas o aeroporto da cidade turística de Acapulco. No dia 12, cerca de 500 manifestantes atearam fogo na sede do Partido Revolucionário Institucional (PRI) – legenda do então presidente Enrique Penã Nieto –, após percorrerem as ruas centrais da cidade de Chilpancingo, a capital do Estado de Guerrero. Devemos ressaltar que durante o mês de outubro a luta popular radicalizada já era visível quando, por exemplo, a sede da Prefeitura de Iguala foi incendiada depois de uma manifestação popular que tomou as ruas da cidade. Em outra ocasião, em exigência à demissão do governador guerrerense, Ángel Aguirre, escritórios do Partido Revolução Democrática (PRD) – legenda do então governador – foram incendiados por centenas de manifestantes organizados. Dias depois o povo conseguiu depor Ángel Aguirre do cargo, quando este renunciou em meio às fortes pressões populares. Ainda no dia 11 de novembro, as sedes locais das legendas de direita Nova Aliança e Partido Ação Nacional (PAN) foram atacadas no Estado de Michoacán.
Ainda foi nessa histórica quarta-feira, dia 12 de novembro, que um grupo de aproximadamente mil professores, membros da Coordenação Estadual dos Trabalhadores da Educação de Guerrero (Ceteg), tomou as ruas de Chilpancingo e incendiou diversos carros que se encontravam estacionados próximos ao prédio do poder legislativo estadual. Não satisfeitos, os docentes invadiram o Congresso do Estado de Guerrero e atearam fogo no salão plenário da casa. Não muito distante do congresso guerrerense, outro grupo de manifestantes bloqueou algumas das principais estradas do estado. Os bloqueios ocorreram próximos aos postos de pedágio – assim, os manifestantes impediram a cobrança do pedágio, convertendo os valores pagos voluntariamente pelos motoristas em contribuições para as famílias dos estudantes mortos em Iguala.
Nessa mesma quarta-feira, a guerrilha denominada Milicias Populares ¡Basta Ya! realizou um ataque a bomba contra as instalações da empresa mexicana de e-commerce Soriana, localizadas em Valle de Aragón, no município de Ecatepec. Segundo nota pública divulgada pelo grupo, a ação direta contra tais instalações se deve ao fato dessa empresa figurar entre as principais doadoras de dinheiro para campanhas eleitorais, o que a caracterizaria como financiadora do terrorismo do Estado Mexicano. Na mesma nota o grupo guerrilheiro ainda exige a imediata libertação de todos os presos políticos feitos durante as manifestações de apoio aos 43 normalistas. Além do evidente prejuízo material causado à empresa, não houve registro de mortos ou feridos no ataque.
Em protestos do dia 20 de novembro, dia em que se comemora a Revolução Mexicana, as massas tomaram as ruas em memória dos revolucionários do início do século XX e também em memória dos insurrectos normalistas de setembro de 2014. No dia 1 de dezembro ocorreram manifestações em mais de 60 cidades mexicanas, apoiadas por cidades de todo o mundo – desde metrópoles latino-americanas à capitais do oriente médio. A repressão contra os manifestantes tem sido bárbara ao longo da jornada de manifestações, resultando em dezenas de detenções por cada protesto, além de diversas denúncias de violência policial. Estima-se que a repressão política do Estado tenha feito dezenas de presos em todo o território mexicano. Alguns dos presos políticos, estudantes universitários, foram encaminhados para presídios de segurança máxima.
A intensa repercussão nacional do assassinato dos normalistas também serviu para trazer à tona a denúncia de que há tempos haveria um lobby de deputados estaduais guerrerenses junto ao legislativo federal para acabar com a rede de Escolas Normais Rurais. O argumento utilizado pelos deputados guerrerenses é de que essas unidades escolares, ao longo da história, sofreram “um grave desvio de finalidade”, a partir do momento em que deixaram de formar educadores para passar a formar agitadores políticos responsáveis por causar mal-estar à governança das localidades onde se encontram. No decorrer dos meses de outubro e novembro, em meio a forte comoção nacional e internacional causada pelo caso, tal iniciativa parece ter saído provisoriamente da pauta dos deputados.
Dilema de Peña Nieto
Tal como observamos no Brasil, o narcotráfico é identificado como um dos principais inimigo a ser combatido pelo poder estatal. Isso, ao menos em tese, é o que justifica um maior volume de políticas repressivas do Estado. Um dos problemas dessa equação é que a mão repressiva despendida pelo Estado para combater o narcotráfico pesa mais, ou apenas, sobre a cabeça do povo pobre. Dentro dessa lógica de guerra contra as drogas, onde um sujeito pobre é cooptado pelo Estado para combater outros sujeitos pobres, nós observaremos a formação de um sistema corrupto em que ambos os lados se fortalecem: o narcotráfico, que diante da passividade e da cooperação do Estado corrompido consegue expandir seu poder, e o Estado, que vê no fortalecimento do tráfico a justificativa ideal para o fortalecimento também das suas ações repressivas contra o povo.
Porém, atualmente o governo mexicano esbarra num dilema produzido pela repercussão popular dos constantes escândalos envolvendo a corrupção e a violência policial. Segundo dados do Barômetro Global da Corrupção, pesquisa que teve sua última edição realizada em 2013, pela organização Transparência Internacional, mais de 90% dos mexicanos atribuem à polícia o título de instituição mais corrupta do seu país. Naquela ocasião, em 2013, grande parte da população ainda acreditava que as medidas adotadas pelo governo eram satisfatórias no combate à corrupção e violência policiais. Hoje, porém, Enrique Peña Nieto vive sua pior crise de popularidade e independente de qualquer pesquisa, as reais dimensões da insatisfação popular podem ser vistas nas ruas. Até ousaria dizer, baseando-me nas críticas à institucionalidade que podem ser ouvidas nas ruas de várias cidades do México – as ruas gritam “¡Fue el Estado!” – que nesse momento deixa de existir no imaginário de grande parte do povo mexicano a concepção de um antagonismo entre o Estado e a criminalidade. Nesse contexto, a ideia de que o fortalecimento da polícia serviria como solução para a diminuição da crise passa a sofrer uma forte recusa.
Diante de tal dilema, a alternativa encontrada pelo governo foi propor o fim das polícias municipais, incorporando seus efetivos às polícias estaduais. A justificativa para a proposta de “mini-reforma” constitucional é que a eliminação das polícias municipais reduziria o poder dos grupos políticos locais – muitas vezes associados ao narcotráfico – sobre o aparato estatal repressivo que é a polícia. O caráter demagógico da proposta fica evidente quando observamos experiências como a da realidade brasileira. No Brasil, a atribuição constitucional da gestão dos corpos policiais é da esfera estadual e isso não impede que as polícias brasileiras conservem as mais violentas formas de exploração e repressão contra o povo. Ou seja, as polícias regulares, mesmo sobre atribuição de governos estaduais, também são corporações corruptas que, mobilizadas pelo Estado e pelo Capital, exercem uma violenta opressão contra a população pobre.
A auto-organização e a resistência dos povos mexicanos
As questões levantadas nesse caso rapidamente nos permitem recordar do debate que fizemos aqui no Boletim, ao longo do ano de 2013 e início de 2014, sobre as intensas mobilizações populares de comunidades indígenas e rurais mexicanas, na luta pela auto-organização como forma de garantia de direitos. Logo, nos lembraremos das polícias comunitárias e das milícias de autodefesa que formadas por centenas de homens e mulheres conseguiram fazer o que o Estado jamais fez em dezenas de cidades mexicanas: acabar com a opressão do narcotráfico sobre a população local. Para além da questão do narcotráfico, os abusos sofridos por essas comunidades também são cometidos, em grande medida, pelo latifúndio e até mesmo pelo Capital multinacional. Quando não explorados pelas oligarquias locais, eles foram violentados pelas ações do narcotráfico. Ao longo de décadas essa foi a realidade silenciada desses povos. Até que no ano de 2013 esses povos intensificam suas lutas por meio das armas. No último balanço que realizei as iniciativas populares de autodefesa superavam 40 municípios, distribuídos em 13 unidades federativas. Determinadas comunidades registraram uma queda drástica nos índices de violência exercida por grupos criminosos.
Por último vale ressaltar que a demanda por segurança apresentada por esses povos não deve ser confundida com uma demanda reacionária de defesa da propriedade privada e de uma ordem capitalista. Tanto as comunidades que se organizam em torno de uma forte militância formada nas Escolas Rurais, quanto às comunidades declaradas autônomas que se mobilizam em prol das causas indígenas, ambas lutam pelo extremo oposto das demandas institucionalistas e reacionárias. Além do direito a vida, a luta desses povos é pela não privatização das suas terras – seja pelo grande capital ou pelo narcotráfico. A luta desses povos é pela manutenção das condições de uso comunal daquelas terras e de seus recursos. É contra a pretensa normalidade da lógica capitalista que tende a subordinar a força de trabalho de um homem a outro. Essa luta também é pelo empoderamento das mulheres contra toda forma de violência do patriarcado então encarnado nas mãos do narcotráfico e do “mal gobierno”. Uma luta popular que parece ter atravessado um século sintetizada nos gritos de ¡Tierra y Libertad o muerte!
Leia mais em:
http://www.midiaindependente.org/pt/red/2005/04/314203.shtml
https://gcmx.wordpress.com/2014/11/08/mexico-la-movilizacion-popular-desafia-al-regimen-politico/
https://gcmx.wordpress.com/2014/11/14/la-guerrilla-ataca-a-soriana-en-ecatepec/
https://gcmx.wordpress.com/2014/10/20/diputados-piden-desaparecer-normal-de-ayotzinapa/
https://gcmx.wordpress.com/2014/11/10/fuera-pena-y-despues-que/
http://www.kaosenlared.net/america-latina-sp-1870577476/al2/mexico/100304-fin-al-narcoestado
https://gcmx.wordpress.com/2014/12/03/ayotzinapa-escuela-con-tradicion-de-guerrilleros/
https://gcmx.wordpress.com/2014/10/25/mexico-se-subleva-contra-la-masacre/
México
Novembro de 2014: o entrecruzar de lutas
Pesquisadora responsável: Aimée Weiss Fernandes
No mês de Novembro continuam fortes e resistentes os movimentos de luta por justiça e representação aos estudantes da Escola Normal Rural de Ayotzinapa, torturados e assassinados no dia 27 de Setembro desse ano, numa ação que envolveu a polícia municipal e o grupo Guerreros Unidos. Um dos manifestos ocorreu no município de Panotla, mais especificamente no local conhecido como “los cuatro caminos”. Estiveram presente comunidades de estudantes, membros da “Coordinadora Nacional de Trabajadores de La Educación” (CNTE) e do “Centro de Derechos Humanos Fray Julián Garcés”, além de amigos e familiares das vítimas. Estes continuam lutando pelo avanço das investigações e não perdem as esperanças quanto à sobrevivência dos estudantes. O ataque aos jovens teria sido para evitar que os mesmos atrapalhassem o lançamento da candidatura de Maria de los Ángeles Pineda como a próxima prefeita da cidade de Iguala, localizada no sudoeste mexicano. O atual ocupante do cargo é seu marido, Jose Luis Abarca. A dupla, acusada como mandante dessa ação criminosa, teria recorrido à polícia municipal, que, em seguida, entregara os reféns a membros de um grupo criminoso chamado Guerreros Unidos. O casal articulador do ataque já havia sido alvo de protesto dos estudantes em 2013 após a morte de um líder sindical local. A conjuntura mexicana, além das reivindicações de justiça pela tragédia ocorrida com os jovens estudantes em setembro de 2014, também é marcada pela 10ª Caravana das Mães Centroamericanas. De 20 de Novembro a 7 de Dezembro, diversas mães, oriundas de países como Guatemala, Nicarágua e El Salvador, atravessam a fronteira mexicana à procura de seus filhos e parentes que, fugindo da violência e opressão dos regimes ditatoriais de suas respectivas localidades, direcionaram-se ao México atrás de melhores condições de vida. O movimento organizado pelas mães centroamericanas visa descobrir o paradeiro de seus filhos, com os quais há muito não se tem contato. Nessa busca, a organização em questão rastreia diversos estabelecimentos – hospitais, albergues e até mesmo as próprias estradas utilizadas pelos imigrantes – com o objetivo de encontrar pistas que levem a maiores informações sobre seus entes. Segundo as estimativas feitas, o número de mortos e/ou desaparecidos no México está entre 70.000 e 150.000, o que incentiva a caravana a questionar as autoridades nacionais sobre o paradeiro de seus familiares. Em um mês marcado por protestos e lutas sociais no território mexicano, inúmeras famílias e amigos, apesar de tomados pelas sensações de indignação e impunidade, jamais serão ofuscados pelo medo e pelo silêncio. Neles, a chama da esperança jamais será apagada.
Fontes:
http://subversiones.org/archivos/109456
http://subversiones.org/archivos/109616
http://movimientomigrantemesoamericano.org/2014/11/19/ya-viene-la-decima-caravana-de-madres/
Colômbia
Pesquisador Responsável: Lucas Bártolo
Las mesas comunales, perspectivas de uma Colômbia mais autônoma e popular.
Com o encerramento do ano, é inevitável que olhemos por de trás dos ombros, recuperando os acontecimentos de 2014 que parecem jogar importante luz sobre o atual período. Nesse exercício, tratando-se do contexto de lutas do povo colombiano, a revisão deve alcançar 2013 e as importantes jornadas de mobilização popular, ocorridas ao longo de todo aquele ano. Na passagem para o ano eleitoral de 2014, esperava-se uma organização popular ainda mais consistente entre os trabalhadores colombianos, principalmente campesinos. Ideia que se fez confirmada e evidenciou-se, sobretudo, no primeiro semestre deste ano, quando foram realizadas novas paralisações nacionais. Nos pleitos legislativos e executivos as abstenções foram majoritárias, alcançando números em torno dos 60% de eleitores. Oficialmente, Juan Santos reelegeu-se. Resultado dado pela polarização entre os candidatos sobre a relação com os guerrilheiros das FARC e ELN, uma vez que as cartilhas eleitorais não divergiam em outros aspectos. Santos mantém um instável diálogo de paz com a guerrilha, que pretende, entre outros pontos, uma reinserção no cenário político eleitoral. Zuluaga, candidato derrotado e pupilo do ex-presidente Uribe, trouxe como principal bandeira a cessão dos diálogos e a retomada do confronto bélico. Todavia, sendo a abstenção a verdadeira vencedora do pleito, evidencia-se a rejeição popular ao sistema representativo partidário que se sustenta para perpetuar a relação entre governantes e governados.
Por mais que as projeções também sejam característica destes períodos de passagem anual, nos restringiremos aqui apenas à apresentação de um caso que traz uma boa ilustração sobre o atual momento do país e sugere os futuros ares colombianos. Trata-se das Mesas Comunales por la Vida Digna da Zona de Reserva Campesina do Vale do Río Cimitarra. As condições de vida destes trabalhadores da região de Magdalena Medio não destoam das demais regiões rurais do país. Além da carência generalizada por serviços básicos, há ainda a questão do acesso às terras numa região marcada historicamente pelo conflito social e político armado com o protagonismo dos grupos paramilitares. A presença do Estado na região é apenas verificável em sua face militar e repressiva. À omissão estatal, latifundiários e paramilitares somam-se os interesses mineiro-energéticos, sustentados pelas medidas econômicas e políticas do governo. Compõe-se, assim, um cenário que exibe diariamente violações aos direitos humanos, dos quais um defensor foi assassinado a cada seis dias no primeiro semestre de 20141.
Organizada em 2006, Las mesas comunales possuem origens na Asociación Campesina del Valle del Río Cimitarra (ACVC), criada uma década antes e que estabeleceu acordos para garantia dos direitos humanos e desenvolvimento da região. Como de costume, o governo não cumpriu o acordado. Reconhecendo a fantasiosa democracia oferecida pelo Estado, las mesas são compostas por juntas comunitárias dos diferentes municípios que compõem a região de Magdalena Medio. Uma vez organizado, o campesinato se impõe como sujeito político e assume o protagonismo de legislar e exigir as políticas necessárias ao seu território. Nota-se que não há, de fato, o rompimento com a figura representativa do estado, mas sua atuação é restringida, ao menos no que propõe os campesinos de Magdalena Medio, à execução das medidas legitimadas pelas mesas em todos os âmbitos: social, político, econômico, ambiental e cultural. Além da garantia dos direitos humanos exigida pela interlocução com órgãos oficiais competentes.
O que Las Mesas Comunales por la Vida Digna sugerem se traduz nos resultados eleitorais referidos acima. Enquanto há um decréscimo da frequência dos colombianos aos pleitos oficiais, ganha força as iniciativas populares de participação. Um movimento de deslocamento da esfera representativa eleitoral para a organização e mobilização autônoma e popular. Não se trata, enfim, da extinção da relação entre governantes e governados, ao menos até este final de 2014. Mas uma possível reconfiguração de poder nessa relação. Por ora, guardemos as projeções. Todo apoio à luta dxs companheirxs colombianxs.
Fonte:
http://www.prensarural.org/spip/spip.php?article15521
ARGENTINA
Greve geral e luta popular: Insatisfação generalizada contra Cristina Kirchner
Pesquisador responsável: Matheus Pellegrini
Durante o final de Agosto desse ano, no dia 28, uma nova greve geral contra a política econômica da presidenta Cristina Kirchner se instaurou na Argentina. A paralisação, convocada pelas centrais sindicais do país, CGT (Confederação Geral do Trabalho) e CTA (Central dos Trabalhadores da Argentina), reivindica o aumento da faixa de isenção salarial para o imposto de renda, aposentadorias e reajustes salariais. Os trabalhadores argentinos têm convivido com uma inflação de 40% ao ano combinada a uma recessão que destrói postos de trabalho, com reajustes abaixo da inflação e a ameaça constante do desemprego. Os sindicatos registram 85% de adesão, o governo 25%, contudo, o que se viu nas ruas foi um esvaziamento massivo, cancelamento de voos e bloqueio de vias de acesso à Buenos Aires, o que provocou o enfrentamento entre os agentes de repressão do Estado e manifestantes. Após a greve geral, o governo argentino anunciou no dia 2 de Setembro o reajuste do salário mínimo em 31%.
No dia 13 de Novembro, uma nova manifestação convocada pelas redes sociais tomou conta das ruas de Buenos Aires contra o governo de Cristina Kirchner. Estima-se que milhares de pessoas compareceram à Plaza de Mayo em protesto contra a inflação, corrupção, a reeleição da presidenta, entre outras multifacetadas reivindicações. O clima de insatisfação com o governo é generalizado e também provocou protestos em outras partes do país ao longo do mês.
No dia 20 de Novembro, dia em que se comemora a Revolução Mexicana, protestos em apoio às manifestações mexicanas acerca do desaparecimento dos 43 estudantes de Ayotzinapa foram realizados ao redor do mundo inteiro, e Buenos Aires também foi palco da empatia argentina com o caso. Os manifestantes se reuniram na Embaixada do México e atearam fogo a um boneco do presidente mexicano Enrique Peña Neto.
Com esse breve balanço dos últimos meses de insatisfação popular com o governo Kirchner, podemos perceber como a sociedade argentina vai reacendendo a chama do
movimento social apesar de um governo cuja característica marcante foi suprimir a efervescência de manifestações com políticas assistencialistas de fomento ao emprego precário, sem reverter de fato as mazelas neoliberais no país. Contudo, com uma situação econômica alarmante, o povo retorna às ruas pelas questões trabalhistas e se reorganiza para a ação em diversos setores, pois a maquiagem política do assistencialismo já vai perdendo seus contornos. “Que se vayan todos!”
FONTES:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/08/140828_greve_argentina_pai_mc
Chile
Pesquisadora responsável: Bárbara Dantas
> Mapuches
A população indígena em território chileno segue travando embates históricos com o Estado, reivindicando as terras ancestralmente ocupadas pelos Mapuches e agora dominadas por latifúndios, sobretudo para exploração da indústria florestal. No último mês de outubro mais uma morte se somou a contabilidade dos inúmeros casos de violência, tortura e extermínio da população. A grande imprensa chilena noticiou o assassinato do werken Víctor Mendoza Collío, da comunidade Requen Pillan, como mais um caso de disputa entre comunidades Mapuches. A família de Víctor bem como outros membros da comunidade alegou que não há conflitos locais e que o mesmo fora assassinado por desconhecidos há poucos metros de casa, desmentindo a versão da mídia. Víctor era primo de outro Mapuche assassinado em 2009, Jaime Mendoza Collío, durante processo de recuperação de terras. A comunidade de Víctor, Requen Pillan, está atualmente em disputa com latifundiários para recuperação de sua região.
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> Greves, paralisações e mobilizações
Funcionários terceirizados da empresa C&G GEO BARRA iniciaram paralisação e organizaram barricadas na estrada local para impedir o acesso de pessoal enviado pela empresa na tentativa de desmobilizar os trabalhadores. A polícia avançou violentamente, disparando balas de borracha e gás lacrimogêneo contra os manifestantes.
No dia 04 de novembro, aniversário da implantação do atual sistema de aposentadoria, trabalhadores acompanhados por estudantes universitários e secundaristas marcharam em Concepción contra essa herança da ditadura militar no país, da qual não participam as Forças Armadas e Carabineros de Chile, que possuem um sistema próprio de aposentadoria. Os ideólogos do dito sistema defenderam que haveria um retorno de 70% do salário, enquanto na verdade, com esforço os aposentados recebem hoje 40%. Diante dos protestos e paralisações, o governo de Michelle Bachelet introduziu modificações no sistema afim da criação de uma AFP estatal. Segundo os trabalhadores organizados, essa medida precariza ainda mais suas condições ao passo que não implica em mudanças substanciais, tampouco atende as reivindicações já que a solução trazida com essa alteração é a elevação da idade mínima bem como aumento dos valores pagos pelos futuros beneficiários.
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> Educação
A comunidade de estudantes, funcionários e professores da Universidad ARCIS – universidade privada de Artes e Ciências Sociais organizou nova marcha em direção ao
Ministério da Educação por conta da crise institucional. A ARCIS, bem como outras unidades da educação privada do Chile enfrentam graves problemas estruturais, administrativos bem como irregularidades na gestão e repasse dos recursos internos e externos, resultando, sobretudo no atraso e falta de pagamento dos salários de professores e funcionários. Os estudantes seguem organizados e combativos, cobrando posições do Governo diante da crise. Durante a marcha do dia 12 de novembro, manifestantes foram reprimidos nas ruas de Santiago com violentos jatos d’água da polícia chilena enquanto um grupo representativo da comunidade dialogava com membros do Ministério. Foi a primeira vez que conseguiram diálogo direto com o Governo, que assumiu que o problema da ARCIS não pode ser resumido a crise de uma unidade privada, uma vez que afeta diversas outras instituições educacionais.
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Bolívia
Pesquisadora responsável: Aurea Thatyanne Ferreira
A reeleição de Evo Morales
Ocorrida em outubro/2014, a última eleição presidencial boliviana resultou na reeleição de Evo Morales, pelo MAS (Movimiento Al Socialismo). A terceira vitória consecutiva do presidente se deu com notável aprovação dos governados: venceu em 8 dos 9 departamentos da Bolívia, com 61% dos votos e uma vantagem de 35% ao segundo candidato na disputa, Samuel Doria Medina, neoliberal e grande industrial boliviano.
Ao governo de Evo não faltam elogios. Com um histórico presidencial instável, a Bolívia tem pela primeira vez um presidente por tanto tempo à frente do cargo (8 anos em 2014). Além disso, desde a década de 80 não havia um governo de esquerda no país, que, por sinal, trouxe naquela época uma hiperinflação.
Dentre seus importantes feitos, está a aprovação de uma nova constituição em 2009, na qual são reconhecidos e reiterados os direitos de mais de 40 etnias indígenas, uma ação inédita para a população indígena, majoritária no país. Alguns autores indicam ainda a integração dos movimentos sociais no governo Morales, que antes protagonizavam inúmeros embates ao governo boliviano.
Evo teve êxito na agregação de diversos setores ao bloco nacional popular que está à frente. Durante os últimos 5 anos esse foi um dos focos de ação de seu partido, e hoje a região conhecida como “media luna” (meia lua), onde estavam a maior parte de oligarcas não indígenas opostos ao governo, se mostra bem mais favorável, processo explicitado pelo aumento de votos ao candidato do MAS (3% em 2002 contra mais de 50% nesta última eleição). Em referência a esse processo, Evo declarou “já não há meia lua, mas uma lua inteira”.
No âmbito econômico a Bolívia teve inúmeros ganhos, com alguns caracterizando os últimos 10 anos como a “década ganha” do país. O crescimento médio anual é de 5,5%, com o PIB e o PIB per capta em crescimento constante. Isso exaltaria o fato de que o país não apenas enriqueceu, mas distribuiu essa riqueza; a pobreza extrema caiu de 39%, em 2005, para 18% em 2013. Esse fato se daria em grande parte à nacionalização dos Hidrocarbonetos.
É preciso assinalar que as mudanças não ocorreram somente em plano nacional, mas a política externa boliviana também apresenta novas configurações. Evo tem declarado apoio efetivo à defesa do meio ambiente, mas, principalmente, sua política reformista tem se posicionado anti imperialista – como mostrou o episódio de 2013 em que Evo expulsou da Bolívia a agência americana USAID, junto com o embaixador americano no país. A política de Evo é classificada como “uma combinação entre nacionalismo e indigenismo”, que teve sucesso em substituir a velha elite oligárquica branca que governava a Bolívia.
– Planos e objetivos na nova conjuntura
Embora as melhorias sociais, econômicas e políticas sejam inegáveis, novos problemas se configuram na Bolívia após 8 anos de governo Morales. À medida que o país se transforma em uma sociedade urbana com maiores exigências sociais, determinados conflitos crescem e devem receber a atenção do presidente nos próximos anos de seu mandato.
Diversos especialistas afirmam que o desenvolvimento do projeto de Evo tem uma data de validade dentro do capitalismo. Até agora o governo do MAS conseguiu conciliar necessidades populares com privilégios das classes altas, quadro que se torna cada vez mais conflitante já que a população boliviana não deixou de reagir, indo às ruas cada vez que o governo tomou uma medida favorável aos grupo de poder –
vide o protesto “Gasolinazo” em dez/2010 quando houve alta nos preços dos combustíveis, e as marchas contra a construção de uma estrada que atravessava terras indígenas (TIPNIS).
Embora o governo tenha buscado resolver as tensões em mesas de negociação, a tendência é que esses conflitos cresçam, pois o sistema capitalista impede a satisfação de determinadas demandas sociais e reduz as possibilidades de conciliar interesses opostos. Se até agora Evo contornou esses problemas, nos próximos anos já não será mais possível evita-los.
Não se pode afirmar como se dará a resistência popular nos próximos anos, mas alguns intelectuais afirmam que a situação atual demonstra que os últimos 10 anos na Bolívia foram essenciais para “a criação de um piso de crenças ideológicas que elevaram o nível de consciência popular”, fornecendo assim uma base importante para debates estratégicos da esquerda no país.
FONTES:
http://www.kaosenlared.net/america-latina-sp-1870577476/al/bolivia/101172-la-sorpresa-de-bolivia