LIVRO: “2013 – Revolta dos Governados – ou para quem esteve presente – Revolta do Vinagre” (Agradecimentos, apresentação e advertência)

2013

REVOLTA DOS GOVERNADOS

(ou para quem esteve presente)

REVOLTA DO VINAGRE

WALLACE DE MORAES

 

 Para todos os insurgentes que foram às ruas nos protestos em 2013/14 e que se deram ao luxo de sonhar em construir um mundo melhor.

“Poder! poder! poder para o povo! e o poder do povo vai fazer um mundo novo!” (letra da música cantada pelos Black Blocs nas passeatas)

 

AGRADECIMENTOS E BASTIDORES:

O livro que o leitor tem em mãos é um verdadeiro filho, um filho rebelde. A começar pelo seu tempo de gestação: 5 anos. Desde os primeiros protestos, percebi que estava vivendo um momento histórico. Então, todas as noites, quando chegava em casa, escrevia sobre os acontecimentos que havia presenciado. Acompanhei cada passo das manifestações, cada notícia, cada comentário, cada detalhe. Tudo me interessava. Tal como nossos filhos, que nos dão muito trabalho e nos imputam uma mudança de rotina extraordinária, mas, independente disso, os amamos incondicionalmente, o mesmo aconteceu com 2013, e, talvez, este seja o melhor significado para mim. Várias horas de lazer perdidas, inclusive, com horas de sono interrompidas para escrevê-lo. Mas nunca perdi o amor por esse objeto de pesquisa. Ao contrário, cada parágrafo me dava um regozijo. Ele saiu do fundo do coração com o cuidado de quem cuida de um bebê. Não obstante, tal como um filho, ele nunca é gestado sozinho, pois foi fruto de muitas conversas, debates, na maioria das vezes acalorados, e de contato com companheiros e até desconhecidos. Cada passo foi discutido em diversas ocasiões desde de julho de 2013 em diferentes palestras, seminários, alguns artigos e capítulos de livro. Assim, ele foi crescendo e ganhando corpo. Os meus alunos, durante esses cinco anos, ouviram-me dizer que o estava preparando. Não foi uma preparação ininterrupta, pois muitas outras atividades o atravessaram. Fiz outras pesquisas. Publiquei outro livro nesse caminho com mais de 450 páginas. Nesse ínterim, saí do Brasil para realizar meu pós-doutorado com outra investigação. Mas nunca esquecia dessa pesquisa, cuja importância e singularidade reservava um lugar especial em meu íntimo, pois faz parte de um acerto e um compromisso com a História desse país. Quando sabia de análises que absurdamente desmereciam os protestos, os manifestantes, todos que lutaram e sonharam naqueles dias, distorcendo fatos, ficava indignado e urgia em mim a necessidade de terminá-lo, publicá-lo, divulgá-lo. Eu pensava em cada um que, entre junho de 2013 e junho de 2014, lutou contra tudo e contra todas as governanças institucionais e sociais, tentando reacender a centelha da chama popular em uma aurora inesquecivelmente revolucionária, mas que ficava cada vez mais perigosa, pois a repressão só aumentava.

Por tudo isso, esse livro é uma homenagem aos 23 condenados políticos no Rio de Janeiro, é para Rafael Braga, é para as centenas de processados, detidos, machucados de todo o Brasil que sonharam em verdadeiras mudanças, alterações profundas, nesse sistema de exploração e discriminação.

Como disse, uma obra dessa magnitude não seria possível escrevê-la sozinho, nem teria graça. Assim, agradeço aos meus orientandos e pesquisadores do OTAL/UFRJ que discutiram e colaboraram direta ou indiretamente para as teses que apresento aqui, em especial a Juan Magalhães, que leu o trabalho com bastante afinco e ao Flávio Moraes que me acompanha há mais tempo nessa discussão. Luciana Simas corrigiu, sugeriu, leu todo o livro e ainda escreveu um dos capítulos sobre a criminalização dos movimentos sociais que o compõem. Não poderia ter feito mais. Esse é o nosso terceiro filho. Muitíssimo obrigado! Antonia Pires e Cris Oliveira tiveram um papel fundamental na finalização da obra. Eles são os chargistas que contribuíram para a melhor exposição das ideias do livro. Na maior parte das vezes, uma imagem tem um significado mais claro do que mil palavras. Eles foram maravilhosos nesse quesito. Além do mais, pensar nessas charges materializou-se em belo trabalho coletivo. Quando um de nós tínhamos uma ideia, algumas vezes a partir da leitura do próprio livro, sugeríamos uma charge que logo recebia a contribuição dos demais e, depois do fraterno debate, chegávamos na conclusão da figura, realizada inteiramente por eles, é claro, pois não sei nem desenhar as letras de meu nome. Foi um prazer trabalhar com vocês e tenham aqui meus sinceros agradecimentos. Por fim, agradeço aos fotógrafos Rafael Daguerre, Ruy Barros, Cristina Froment, Ellan Lustosa e ao Jornal A Nova Democracia pelas fotos fundamentais sobre 2013. Agradeço à FAPERJ que financiou essa investigação.

Ademais, o propósito desse livro é deixar para as futuras gerações uma interpretação sobre a maior Revolta Popular da História brasileira, mantendo viva sua memória, para que sirva de exemplo no futuro para outras rebeldias que virão e poderão se transformar em Revolução Social que traga, amor, felicidade, igualdade e liberdade para todxs, acabando com as explorações e os preconceitos.

Por fim, como todo filho, ele chegará à adolescência e seguirá um rumo próprio. Esse será o momento da sua publicação e o seu significado será interpretado pelos leitores que o classificarão como “comportadinho” ou “rebelde”, lindo ou feio, de acordo com seus gostos. Todavia, diferente de pais convencionais, espero ter criado um filho revolucionário, que não se enquadra em camisas de força que busque justificar o Estado, o capitalismo e todas suas opressões. Espero que ele seja bem assustador para os opressores e esperançoso para os governados. Boa leitura!

Rio, 12 de agosto de 2018 (dia dos pais)

Wallace de Moraes 

ADVERTÊNCIA

 

Carolina Maria de Jesus (2014: 102) no seu livro: Quarto de despejo – diário de uma favelada, escreveu o seguinte:

“Encontrei com a Dona Lelê (…). Disse-lhe que ando muito nervosa e tem hora que penso em suicidar. Ela disse-me para eu acalmar. Eu disse-lhe que tem dia que eu não tenho nada para os meus comer.”

No Brasil, em 2016, 52,7 milhões de pessoas, correspondente a 25% da população nacional, viviam em situação de pobreza.[1] Destes, 14,8 milhões viviam em plena miséria.[2] Em 2018, aproximadamente 27,7 milhões de brasileiros estavam desempregados,[3] sem contar os subempregados, com trabalho precário e sofrendo todo tipo de assédio. Muitos destes, além do preconceito de classe social, sofriam nas mãos de racistas, machistas, homofóbicos e opressores em geral, tal como Maria de Jesus. Simultaneamente, os governantes políticos e econômicos, principalmente banqueiros, enriqueciam às custas da miséria supracitada.

Se você acha isso tudo normal e não se indigna com todo esse cenário, tampouco se sensibiliza, esse livro não lhe diz respeito. Se você acredita que a desigualdade é fruto inevitável do desenvolvimento da sociedade e a defende como benéfica ao progresso, essa leitura não lhe fará bem. Se você prefere gastar energias vitais com campanhas eleitorais, acreditando em soluções pelo alto, ao invés da luta popular, essa pesquisa não contribuirá para as suas convicções. Se você acha absurdo que as pessoas protestem nas ruas contra todos as hierarquias e os autoritarismos do capitalismo e do Estado, e contra o sistema que possibilita o suicídio de uma mãe pobre, negra e favelada, que não tem o que dar ao seu filho, esse livro lhe fará mal; não continue a leitura.

Portanto, essa obra deve interessar primeiramente a quem é guiado pelo amor ao próximo, aquele que está preocupado com a miséria alheia e de toda uma sociedade cega. Esse livro diz respeito a quem defende a luta popular, a ação direta e não colabora para a manutenção desse regime absolutamente falido. Pode ser útil se você sonha com a construção de uma sociedade livre de explorações, opressões, desigualdades e defende a mais ampla liberdade. Por isso, deve lhe interessar o resgate da história da maior revolta popular brasileira a partir de uma perspectiva revolucionária, descrevendo suas contribuições. Sabemos que livros assim incomodam e por consequência sofrem algum tipo de censura – ainda que moral ou acadêmica, por parte dos intelectuais estadolátricos que acreditam e defendem a dicotomia entre governantes e governados, desdenhando da capacidade do povo de se autogovernar.

Definitivamente, saiba que esta obra não seguirá qualquer linha de imparcialidade, simplesmente, porque, enquanto houver desigualdades, a suposta neutralidade acadêmica só colaborará para a manutenção delas. Se você se enquadra nesse escopo, seja bem-vindo ao cenário de insurgência, que muitos “doutos”, a serviço de todos os governantes, tentam apagar ou desvirtuar, ignorando e combatendo seus signos.

Noam Chomsky (2017), de forma astuta, descreve os dois papéis que intelectuais[4] podem cumprir na sociedade: 1) bajulador do sistema, dos governos e dos donos do poder, justificando suas ações e seus crimes; 2) crítico independente das posturas governamentais e defensor da justiça. Os primeiros, nos diz Chomsky, são respeitados e idolatrados na sociedade pelos mesmos governos e seus seguidores, enquanto os críticos e independentes são desvalorizados e taxados como orientados por valores e/ou por ideologia. Estes são os dissidentes.

“O padrão remonta aos mais antigos registros existentes. Foi o homem acusado de corromper os jovens de Atenas com sua filosofia quem bebeu a cicuta, assim como os dreyfusianos foram acusados de ‘corromper almas e, no devido tempo, a sociedade como um todo’, e sobre os intelectuais orientados por valores da década de 1960 recaiu a pecha de interferência e ‘doutrinação dos jovens’. Nas escrituras hebraicas há inúmeras figuras que nos padrões modernos são intelectuais dissidentes, chamados ‘prophetas’ (profetas). Eles enfureceram violentamente o establishment com suas críticas análises geopolíticas, suas condenações dos crimes dos poderosos, suas reivindicações de justiça e sua preocupação com os pobres e sofridos. (…) Os profetas eram tratados com severidade, ao contrário dos bajuladores da corte, que mais tarde seriam condenados como falsos profetas. O padrão é compreensível. Seria surpreendente se fosse de outra forma.”

Assumimos com orgulho o predicado de compor um campo de intelectuais dissidentes e sabemos que seremos atacados por todos os seguidores de governantes e discriminadores em geral, mas teremos que ter coragem para seguir em defesa das mães pretas que não têm o que dar aos seus filhos. Esse é o nosso combustível, mesmo que nos obriguem a beber a cicuta.

 

APRESENTAÇÃO

 

Ao ver no Largo de São Francisco uma vendedora de tapioca com um carrinho velho, muito diferente do que usara nas semanas anteriores, todo enfeitado e arrumadinho, fiquei intrigado e puxei uma conversa para saber o que aconteceu. Ela me contou que a guarda municipal havia levado o seu carrinho e que agora só conseguia manter seu sustento em função da solidariedade de um amigo que lhe emprestou outra “carroça”. Ela disse ainda que detestava todos os governos e que preferiria não ser governada por ninguém. Parecia estar com razão, mas não tinha voz na sociedade. Poderíamos aqui tratar de diversos outros casos. Como dos caixas de supermercados, dos motoristas de ônibus, dos faxineiros dos shoppings, das camareiras, terceirizados em geral etc. Normalmente, trabalham seis dias na semana e recebem salários aviltantes. Pessoas que moram na cidade maravilhosa, mas não têm nem tempo nem dinheiro para curtir uma praia. A partir de 2013, nem mais ir ao estádio de futebol torcer pelo seu time podiam, pois os preços ficaram proibitivos, para garantir lucros de empreiteiras que enriqueceram com falcatruas com o dinheiro público como a Odebrecht e cia. Dinheiro público que é formado com a colaboração de milhares de vendedores de tapioca.

Nunca vi uma reportagem em um meio de comunicação de massa que tratasse de episódios como estes, que não são fortuitos. Antes de 2013, também assisti a diversas famílias serem removidas de suas casas por tropas militares. Vi crianças chorando, soube que outras foram assassinadas por “balas perdidas”, quando a polícia fez incursões em favelas e periferias, colocando evidentemente a vida dessas pessoas em risco. Soube ainda que outras sofreram a amargura do desemprego, desestruturando famílias inteiras. Tudo isso aconteceu em meio à inflação crescente, diretamente ligada à especulação imobiliária gritante que dificultava o pagamento de aluguel ou a compra da casa própria. Os alvos principais dessas opressões foram pobres, negros, indígenas e mulheres. Em suma, o Brasil continuava como um dos campeões de desigualdades do mundo, com forte preconceito social, de raça, gênero, renda.

Esses assuntos foram recorrentes no Rio de Janeiro e produziram em muitas pessoas o sentimento de repulsa às autoridades. Todavia, segundo os dados oficiais, parecia que o país vivia em um paraíso. Simultaneamente, os governantes foram vistos em festas desperdiçando rios de dinheiro. Todos tinham a sensação de que a corrupção era extremamente forte no interior do Estado. O então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, junto com o prefeito da capital, Eduardo Paes, apareceram em meio a bebedeiras, humilhando governados e esbanjando soberba com o dinheiro público e/ou da corrupção.[5] O filho do então homem mais rico do país, Eike Batista, atropelou e matou, mas foi absolvido pelos governantes jurídicos (Justiça).[6] Essa era a lógica, sem qualquer constrangimento público. Talvez, por isso, um dos símbolos mais populares dos protestos foi a máscara do V de Vingança[7], simbolizando a luta anarquista contra o Estado e as opressões.[8]

O aumento do valor das passagens dos transportes públicos, considerada uma das mais caras do mundo, foi só o estopim em meio a outros problemas igualmente sérios. Todos percebiam que esses preços exorbitantes eram fruto de uma articulação entre governantes políticos (governadores, prefeitos, deputados e vereadores) e governantes econômicos (empresários), com base em trocas de favores no famoso “toma-lá-dá-cá”. Esses acordos garantiram monopólios privados de reis dos transportes, os quais, em contrapartida, eram os principais financiadores das campanhas eleitorais dos candidatos vencedores. A sensação entre os governados era de indignação e impotência.

O petismo – que, na década de 1980, ajudou a impulsionar a luta popular -, detinha a governança política federal e era aliado de Cabral, Paes, Eike, Paulo Maluf, Collor de Mello, Jader Barbalho, Renan Calheiros, Michel Temer… a lista é imensa. Em conversas com os governados, percebíamos que sua ampla maioria tinha nojo/repulsa do Congresso Nacional, dos governadores, prefeitos e políticos em geral. De maneira alguma, se sentiam representados. Era o sinal mais evidente da plutocracia vigente, chamada erroneamente por democracia.[9] Diante desse quadro, a pergunta que deve ser feita não é: por que aconteceu 2013? Mas, por que demorou tanto para acontecer 2013?

Todos os governantes (políticos, econômicos, jurídicos, penais e socioculturais) e seus partidos políticos em conjunto, inclusive, com a maioria dos militantes da esquerda oficial, criticam 2013. Não gostaram dos protestos. Apresentaremos uma interpretação absolutamente diferente da convencional, amparada em conceitos como o de Ação Direta, Ajuda Mútua e Propaganda pelo fato. Assim, o livro que o leitor tem em mãos tratará da maior revolta popular da história brasileira a partir da perspectiva daquela vendedora de tapioca, dos camelôs, dos combatentes, enfim, dos que lutaram.

Nossa análise focará nos acontecimentos no Rio de Janeiro, pois a maior parte da literatura aborda somente São Paulo e fazem generalizações que não possuem sentido para os protestos na capital fluminense. Estas análises incorrem em um erro ao dizer que tudo começou em SP, quando os primeiros atos com a demanda dos transportes aconteceram em Salvador, em 2003; e em Florianópolis e Vitória, 2004, com triunfo significativo. Mesmo em 2013, eles começaram em Porto Alegre. Indubitavelmente, São Paulo teve um papel fundamental na divulgação das manifestações para todo Brasil, especialmente porque lá vários jornalistas que cobriam a passeata foram atacados brutalmente pela Polícia Militar (PM), fazendo com que os oligopólios de comunicação de massa veiculassem a violência policial com indignação (baseada meramente num corporativismo de classe). Não obstante, o lugar onde os protestos foram proporcionalmente maiores e mais duradouros foi o Rio Janeiro. Só no dia 20 de junho, mais de 1,5 milhão de pessoas estavam concentradas no Centro da cidade exigindo direitos, em meio a uma população total do município de 6,4 milhões, sendo 13 milhões, aproximadamente, para a região metropolitana. Não é pouco significativo. É impressionante como diversos teóricos, ao abordarem as manifestações, esqueceram solenemente da antiga capital do país. Pretendemos preencher essa lacuna.

O livro está organizado da seguinte maneira. Primeiro, a introdução quando apresentamos dados que mostram a pauta do movimento a partir da ação direta, da ajuda mútua e da propaganda pelo fato, dentre eles os gráficos que comprovam como 2013 se tornou o ano de maior quantidade de greves, desde quando elas são mensuradas. Também discutimos porque adotamos o título Revolta do Vinagre nesse livro.

No capítulo 1, apresentamos a metodologia adotada, bem como os conceitos criados e/ou utilizados para análise da revolta. A importância desse capítulo reside na exigência teórico-metodológica de utilização de categorias apropriadas e que permitam decifrar os signos de 2013, pois se for descuidado, não será possível colaborar para uma interpretação autêntica.

No capítulo 2, fazemos uma discussão bibliográfica sobre o assunto. Identificamos diferentes autores que escreveram sobre 2013 e, a partir das suas semelhanças metodológicas e teóricas, os agrupamos em cinco escolas interpretativas, quando três delas as denominamos por Plutocráticas Neoliberais, sendo uma, Dissimulada, outra Desavergonhada, e, por último, a Conservadora Agressiva. Também identificamos as interpretações da Esquerda Oficial e, por fim, a dos setores Revolucionários.

No capítulo 3 apresentamos alguns indícios que desmontam a tese da espontaneidade pura e simples das manifestações de 2013. Mostramos que a revolta vinha sendo gestada e almejada há muito por setores revolucionários. Não obstante, muitos acontecimentos tinham sido casuais. Aqui também perscrutamos como 2013 estava conectado a um novo ciclo de lutas mundiais, mais horizontal e contestador da ordem.

Depois de apresentarmos nossos métodos, conceitos, um debate bibliográfico sobre o assunto e antecedentes da revolta bem como sua relação com outras lutas internacionais, partimos no capítulo 4 para a descrição do dia-a-dia dos protestos. Esse é o nosso capítulo histórico e empírico, baseado fundamentalmente nas seguintes fontes: nossa observação participante, midiativismo, comentários de participantes dos protestos, assembleias, fóruns de discussão, debates e notícias dos oligopólios de comunicação de massa.[10] Assim, procuramos descrever as principais manifestações ocorridas entre junho de 2013 e julho de 2014, focando na cidade do Rio de Janeiro.

No capítulo 5, tratamos das semelhanças entre a Ditadura Militar-Plutocrática Desavergonhada (1964-1985) e a Ditadura Plutocrática-Militar Dissimulada (1986-2018). A principal constatação desse capítulo é que as referidas ditaduras não são para todos, mas tão somente para as ovelhas desgarradas do sistema, isto é, os setores revolucionários e contestadores, além dos jovens negros pobres, favelados e periféricos.

No capítulo 6, escrito junto com Luciana Simas, focalizamos nas formas jurídicas de criminalização dos movimentos sociais no Brasil, em especial os mais combativos em 2013/14. Debatemos a proibição do uso de máscaras, bem como o processo de criminalização e aprisionamento de diversos militantes da Revolta dos Governados.

No capítulo 7, apresentamos algumas teses sobre os motivos que fizeram com que o movimento acabasse. Destacamos assim a ampla violência física e psicológica realizadas pelos governantes penais, jurídicos e socioculturais, bem como o papel exercido por think tanks que conseguiram hegemonia nas redes sociais através de robôs e líderes de segmentos conservadores, divulgando mentiras (fake News e fake History). Assim, estupraram a história recente brasileira e disseminaram ódio, raiva, meias verdades e pânico para que as pessoas seguissem suas pautas retrógradas, conservadores e preconceituosas, negando peremptoriamente os signos de 2013.

Em seguida, apresentamos nossa conclusão, retomando alguns resultados apresentados na pesquisa, principalmente alguns legados dos protestos.

Por fim, seguem dois apêndices. O primeiro com um poema para tratar da relação do governo Dilma com os protestos; o segundo com uma entrevista que concebemos ainda em 2014 para a Revista Habitus da UFRJ sobre 2013. Achamos importante divulgá-la, pois foi realizada ainda no calor dos acontecimentos e muitas das teses apresentadas naquela oportunidade foram ampliadas e concretizadas nesse livro.

Esperamos que o livro colabore para a perspectiva crítica e o resgate da história do maior movimento popular e insurgente brasileiro, sob uma perspectiva teórica-metodológica revolucionária. Bom proveito! 

 

 


[1] De acordo com o critério adotado pelo Banco Mundial, que considera pobre quem ganha menos do que US$ 5,5 por dia nos países em desenvolvimento. Esse valor equivale a uma renda domiciliar per capita de mais ou menos R$ 350,00 por mês, ao considerar a conversão pela paridade de poder de compra em agosto de 2018. Fonte: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18825-um-quarto-da-populacao-vive-com-menos-de-r-387-por-mes.html acessado em 29 de agosto de 2018.

[4] Chomsky (2017) mostra que o termo foi criado com o “Manifesto dos Intelectuais”, em 1898, para criticar uma ação arbitrária e injusta do governo francês. Portanto, o conceito de intelectual tem uma origem crítica às posturas oficiais.

[5] Um dos exemplos foi uma comemoração em Paris, que ficou conhecida como a “farra dos guardanapos”, na qual Cabral e alguns de seus secretários junto com representantes de empreiteiras aparentemente comemoravam a escolha do Rio de Janeiro para sede das Olimpíadas e as obras que seriam feitas com dinheiro público. Hoje, praticamente todos estão presos ou sendo investigados por prática de corrupção. Em maio de 2013, o prefeito Eduardo Paes se envolveu em briga em um restaurante, quando foi xingado por um cantor e reagiu socando-o com a ajuda de seus seguranças. Fonte: https://odia.ig.com.br/_conteudo/noticia/rio-de-janeiro/2013-05-27/xingado-em-restaurante-eduardo-paes-parte-para-a-briga.html

[8] A história em quadrinhos do V de Vingança foi relançada no Brasil em edição especial em 2012.

[9] Sobre o conceito de plutocracia, ver De Moraes (2018).

[10] É importante alertar para o perigo de se utilizar apenas as fontes dos oligopólios de comunicação de massa para referendar uma pesquisa, pois elas tendem a passar uma informação conservadora e em contrário aos interesses dos manifestantes. Portanto, é necessário tomar muito cuidado com esse tipo de fonte e sempre que possível cotejá-la com outras.

[11] Em diversas partidas, os jogadores da elite do futebol brasileiro fizeram protestos simbólicos antes, durante e depois das partidas de futebol, cruzando os braços, sentando em campo, ou mesmo jogando sem propósitos durante um determinado tempo no início da partida. Suas reivindicações foram principalmente por um calendário com menos jogos.

[12] Dados in “Artigo 19” (2013).

[13]  Em Belo Horizonte, no dia 22, ocorreu a maior manifestação da história de Minas Gerais, contando com a presença de mais de duzentas mil pessoas. A polícia reprimiu fortemente o ato e os manifestantes responderam quebrando os radares, as concessionárias de automóveis, bancos e grandes empresas que estavam no caminho.

[14] A importância do nome que se dá à Revolta é de suma importância no cenário da disputa ideológica que se trava em torno da interpretação da mesma. Graeber (2015), por exemplo, descreve como Alexander Hamilton denominou uma das revoltas populares em favor da expropriação de grandes especuladores logo após a Guerra pela independência dos EUA como a Rebelião do Uísque, para que os rebeldes parecessem caipiras bêbados “em vez de, como Terry Bouton demonstrou, cidadãos pedindo maior controle democrático” (Graeber, 2015: 168.).

[17] A luta contra o uso indiscriminado do gás lacrimogênio contra manifestantes tem sido uma luta mundial marcada pela troca de informações sobre como resistir ao uso dessa arma química. Uma boa referencia sobre o assunto é o livro de Anna Feigenbaum (2017) disponível em https://www.versobooks.com/books/2109-tear-gas. O site Outras Palavras traz uma boa prévia sobre o assunto. Ver: https://outraspalavras.net/uncategorized/a-batalha-mundial-contra-o-gas-lacrimogenio/

[18] Tem uma sátira com o comercial da Fiat realizada por manifestantes de Campinas que usaram o vinagre como símbolo. Vale ver: https://www.youtube.com/embed/iGai5q27pUg Fonte Ferreira (2015).

[19] O caso mais conhecido foi o de um jornalista da revista Carta Capital em junho de 2013, em São Paulo.

[20] Decreto nº 44.305, de 24 de julho de 2013. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro de 25/07/2013. Governador do Estado. Rio de Janeiro.

[21] Algo muito semelhante aconteceu na Europa e na América do Norte. Ver dois excelentes registros históricos: Ludd (2002) e Duppuis-Déri (2014).

[22] Em junho de 2018, Rafael Braga estava em prisão domiciliar para tratamento de tuberculose que contraiu no sistema prisional.

[23] Foram formados diversos coletivos midiativistas: O Mídia Ninja, o Mariachi, O Badernista, Coletivo Carranca, Mídia 1508 foram alguns deles.

[24] Os hackers, por exemplo, em uma das atitudes mais ousadas divulgaram os endereços de todos os policiais do estado do Rio de Janeiro.

[25] Em São Paulo, Locatelli (2013) diz que o motor dos protestos foi a “Fanfarra do Mal”.

[26] O coletivo Projetação foi um deles.

[27] Ao menos quatro manifestações em apoio aos protestos realizados no Brasil, contra o aumento da passagem de ônibus, foram organizadas por meio do Facebook em cidades europeias: Paris (França), Berlim (Alemanha), Coimbra (Portugal) e Dublin (Irlanda). http://noticias.r7.com/…/manifestacoes-na-franca-e-na-alema…

[28] Ficou comprovado no processo judicial que, toda vez que o valor da passagem de ônibus no Rio de Janeiro sofria aumento, o governador Sérgio Cabral recebia propina.

[29] Ver Chesnais (2005).

[30] Fonte: O Globo de 01 de julho de 2018, pag. 27 e newsletter do jornal do dia anterior.

[32] Vejam a horrorosa cobertura da Globo sobre a prisão de um professor, sempre justificando as atitudes policiais e tentando induzir ao expectador que ele poderia ser uma pessoa perigosa. Uma cobertura da pior qualidade. É esse o papel dos oligopólios de comunicação de massa no Brasil.

http://g1.globo.com/globo-news/jornal-globo-news/videos/t/todos-os-videos/v/policia-faz-detencoes-em-manifestacao-no-centro-do-rio/3412291/

[33] A Rede Globo é a maior empresa de comunicação de massa do país e tem marcado em sua história o apoio incondicional ao regime militar, instalado no Brasil em 1964.

[34] O império X de Eike Batista ruiu exatamente no ano de 2013. Ver: http://g1.globo.com/economia/ascensao-e-queda-de-eike-batista/platb/

[35] Amarildo de Souza era ajudante de pedreiro e morador da Rocinha, maior favela da América Latina. Ele foi sequestrado, torturado e assassinado por policiais dentro de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na referida comunidade. A busca por saber “Onde estava Amarildo?” ganhou contornos gigantescos nas manifestações.

[36] Os dados oficiais do Instituto de Segurança Pública (ISP/SSP-RJ) revelam que, entre 2001 e 2011, mais de 10 mil pessoas foram mortas em confronto com a polícia no Estado do Rio de Janeiro em casos registrados como ‘autos de resistência’.

[37]“Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2010, 37 milhões de brasileiros não têm dinheiro para pagar a passagem de ônibus regularmente” (Locatelli, 2013).

 

[38] No caso do Maracanã, a concessão foi para a Odebrecht, uma das empresas amplamente denunciadas em casos de corrupção com governantes políticos.

[39] Somente os ricos, com condições financeiras para pagar o caríssimo ingresso, comemoraram no estádio do Maracanã.

[40] Amarildo e Douglas Silva, DG, eram moradores de favela no Rio de Janeiro. O primeiro, como mencionado acima, era ajudante de pedreiro; o segundo, era participante de um programa de auditório na Rede Globo de televisão. Ambos foram assassinados por policiais.

[42] Foi em 2013 que o movimento #PrimeiroAssédio começou e ganhou força, antes mesmo do #METOO dos EUA. Aqui a ONG Olga criou uma campanha contra os assédios às mulheres logo após uma menina de 12 anos ter sido alvo de comentários de cunho sexual depois de apresentar-se em um programa de culinária. Ver: https://thinkolga.com/2018/01/31/primeiro-assedio/. Em 2015, as mulheres desencadearam uma enorme campanha vitoriosa pela saída do deputado Eduardo Cunha que dificultava o aborto após um estupro. Em 2018, uma anarquista baiana criou o movimento #ELENÃO contra a campanha do Bolsonaro à presidência da República e foi um sucesso em todo o país. As mulheres têm assumido o protagonismo na política e 2013 também foi um marco importante para tal empreitada.

 

[43] Ele foi publicado no dia 7 de março de 2014. Fonte: http://oposicaopelabase.blogspot.com

 

[44] Sobre a greve do COMPERJ vale ver site do FOB com muitas informações a respeito: http://oposicaopelabase.blogspot.com

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