SIGNIFICADO DE ANARQUISMO

SIGNIFICADO DE ANARQUISMO

(Este texto é em homenagem aos alunos do CEVI – Colégio Estadual de Visconde de Itaboraí)

Wallace de Moraes[1]

          Anarquia é um vocábulo formado por duas palavras gregas: an – que significa não, e arkhé, que significa autoridade. Neste sentido, anarquia expressa negação de toda e qualquer tipo de autoridade. Por extensão, no sentido político, negação de todo governo, negação do Estado; no sentido econômico, negação de toda hierarquia no local de trabalho, de todo patrão, de todo chefe.

O anarquismo também significa afirmação de alguns princípios. Seus dois principais são o da igualdade e o da liberdade. A defesa da igualdade entre os homens só pode ser plena conjuntamente com a liberdade. Por isso, os anarquistas também são conhecidos como libertários. Se existe alguma pessoa ou instituição imbuída de um poder maior que o de outras, logo existirão uns subordinados a outros e, portanto, não haverá igualdade entre as pessoas, nem liberdade para os subordinados. Normalmente as chamadas autoridades têm mais vantagens e poder que o restante da coletividade. Assim, os libertários não são contra as pessoas que exercem a autoridade, mas contra a existência da própria autoridade, contra o cargo que normalmente é exercido no Estado, no poder público, e é ocupado pelos chamados governantes e seus agentes, secretários, juízes, policiais e outros. Fora do Estado também existem outras autoridades. Por exemplo, nas fábricas, ou nas empresas, os patrões ou seus representantes denominados chefes impõem suas regras e vontades sobre os trabalhadores. No comércio, são os donos das lojas que determinam o que os vendedores farão. Nos campos, os fazendeiros impõem suas normas sobre vários agricultores. Estas diferenças, entre patrões e empregados, chefes e comandados, GOVERNANTES E GOVERNADOS que só favorecem aos primeiros, são alvo daquilo que os anarquistas combatem.

Diferente do marxismo que tem os escritos de Karl Marx como guia supremo, o anarquismo não tem um teórico ou guia que encarne uma autoridade científica. Alguns concebem que as ideias libertárias começaram com as ações de Jesus Cristo por defender o repartir do pão e o amor ao próximo. Outros afirmam que a perspectiva libertária só pode ser pensada a partir de P. Proudhon no século XIX, na defesa do mutualismo. Outros ainda defendem o início do anarquismo somente com M. Bakunin e o coletivismo. Não obstante, de maneira sistemática, diferentes militantes contribuíram para as linhas gerais do pensamento anarquista, como por exemplo, P. Kropotkin e E. Malatesta na defesa do comunismo-anarquista ou anarco-comunismo. Além destes, diversos outros teóricos e militantes conhecidos e anônimos deram suas vidas em nome da verdadeira liberdade. A teoria anarquista, portanto, não é uma ciência acabada, ela está sempre em construção e depende profundamente do contexto na qual é aplicada, mas duas questões compõem a sua marca indelével: a defesa da plena igualdade (econômica, social e política) e da liberdade.

Assim, o anarquismo defende a criação de uma sociedade entre iguais, sem patrões e empregados, sem discriminações, sem governantes e governados, portanto sem Estado e sem propriedade privada das terras, das empresas etc. Só assim, será possível, defendem os anarquistas, a construção de uma sociedade fraterna, na qual todos possam trabalhar e receber de acordo com as suas necessidades, com livre associação entre as pessoas sem coação estatal ou patronal. Todo o produto desta sociedade deve servir a mesma, sem a necessidade de trabalhar para enriquecer os patrões. Desta maneira, espera-se que as máquinas, computadores etc sirvam a todos, diminuindo a jornada de trabalho das pessoas para poderem usufruir das horas de lazer junto aos familiares, amigos, dedicar-se ao aprendizado etc.

Enquanto sob o capitalismo, a descoberta de uma máquina significa desemprego para os trabalhadores e aumento de lucros dos patrões, sob o anarquismo deve significar aumento da produção e das horas de lazer do trabalhador.

Ao mesmo tempo, os anarquistas acreditam no auto-governo, também conhecido por auto-gestão. O que isso significa? Comecemos a resposta com uma pergunta: por que devemos ser governados? Se partimos do princípio de que você deve ser governado, logo entendemos que você não tem capacidade de auto-governar-se. Com esta assertiva, está todo o princípio da autoridade e da tutela contra a qual os anarquistas lutam. Toda forma de governo será sempre uma imposição de uns sobre outros, atentando contra liberdade dos governados. Mesmo que o governo tenha boas intenções, ele partirá do princípio de que os governados são incapazes de auto-governar-se. No sentido oposto, os anarquistas defendem a livre associação entre os indivíduos para gerirem o produto de seu trabalho e todas as demais questões da sociedade, sem patrão, nem Estado, mas com a organização de comunas livres. As comunas devem constituir-se pela livre associação entre os indivíduos. Ou seja, as pessoas escolhem aquelas com as quais querem associar-se e criar ou manter algum tipo de produção para a sociedade. A junção de diversas comunas comporá a federação. Com efeito, o anarquismo defende o princípio do federalismo como forma de organização social.

Como o anarquismo constitui-se em uma linha verdadeiramente revolucionária que quer mudar completamente a sociedade e suas relações de autoridade e exploração, seus defensores não participam, nem reforçam, as instituições do Estado burguês. Neste sentido, os anarquistas negam-se a ocupar os cargos do Estado e também não votam ou no máximo anulam o voto, pois não acreditam na luta parlamentar para melhorar a vida dos trabalhadores.

A única via possível para melhorar realmente a vida dos trabalhadores é acabar com o sistema capitalista, baseado na exploração do homem pelo homem, na propriedade privada e no autoritarismo do Estado e dos patrões. Os libertários defendem a ação direta como meio de melhorar as condições de trabalho da humanidade, isto é, a auto-organização dos trabalhadores, homens e mulheres (camelôs, operários, camponeses, desempregados e outros) que juntos devem lutar pela libertação total e pela construção de um mundo novo, a verdadeira emancipação, sem que se fique dependendo de outros, dos representantes políticos, por exemplo. Aliás, a História mostra o quanto os anarquistas têm razão, pois todas as vezes que se tomou o Estado (revolução política) os ditos representantes dos trabalhadores instauraram ditaduras contra os próprios trabalhadores. Faça o teste você mesmo. Talvez conheça um ou muitos candidatos que na época da campanha eleitoral prometem várias coisas maravilhosas, mas, quando eleitos, não são cumpridas e quando fazem alguma coisa é exatamente na véspera de outras eleições, isto sem contar na grande corrupção e nas negociatas do poder político.

O exposto acima compõe as linhas gerais das diferentes linhas teóricas do anarquismo.      Agora, perguntamos, quando as ideias anarquistas foram postas em prática? Ricardo Flores Magón, um anarquista nascido no México no final do século XIX, dizia o seguinte: a maioria do povo mexicano não precisa aprender o que é o socialismo libertário (ou anarquismo), pois ele já o pratica há muitos séculos. Ele estava se referindo às organizações indígenas antes da chegada dos europeus. Além delas, a comuna de Paris em 1871, a Revolução Mexicana de 1910-17, a Revolução Espanhola de 1936-39, no seio da Revolução Russa em 1917, Kronstadt e a experiência da Ucrânia com os Makhnovistas, tiveram grande influência do anarquismo, quando não impulsionadas fortemente por este. Atualmente, as principais lutas contra o capitalismo e o autoritarismo dos Estados têm grande participação anarquista. Assim aconteceu na França tanto em maio de 1968, quanto nas rebeliões dos últimos anos, a partir de 2005. Na Grécia, desde o final de 2011; no México, na cidade de Oaxaca e de Chiapas; bem como nos grandes movimentos denominados de Ação Global dos Povos, mas divulgado pela grande mídia como de anti-globalização em Seattle, Washington, Praga, Londres, e Gênova. No Brasil, existem algumas organizações anarquistas que ajudam na luta por terra e moradia, nos sindicatos etc, todos com objetivo de garantir melhores condições de vida para os trabalhadores com liberdade e igualdade.

Você também pode contribuir para o pensamento anarquista basta seguir os princípios acima citados e defender um mundo justo onde não haja nem governantes, nem governados, nem patrões, nem empregados, nem exploração e que o fruto do trabalho coletivo pertença aos produtores, e não aos patrões, nem ao Estado.



[1] Prof. do Departamento de Ciência Política da UFRJ.

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