Para preencher uma lacuna e ajudar a entender a vitória eleitoral do candidato das armas

PARA ENTENDER A VITÓRIA ELEITORAL DO CANDIDATO DAS ARMAS

Wallace de Moraes[1]

Para entender a vitória eleitoral do candidato das armas, Jair Bolsonaro, é de fundamental importância recorrermos ao significado dos protestos massivos e contestatórios de 2013 no Brasil. Esses protestos começaram contra o aumento das tarifas dos transportes públicos. Depois sua agenda se ampliou para maiores investimentos em saúde, educação, dotado de uma crítica profunda a atuação da polícia que mais mata no mundo. Também expressou uma agenda heterogênea em defesa da pauta LGBT, de negros e mulheres. Foi uma expressão contra todos os partidos políticos e seus eternos candidatos. 2013 expressou a crise da plutocracia brasileira e a vontade popular de luta por dignidade. Foi quando surgiram os Black Blocs no Brasil e os protestos foram horizontais e descentralizados. A ação direta e a propaganda pelo fato assumiram o protagonismo das manifestações. No Rio de Janeiro, por exemplo, todas as vidraças de bancos do centro da cidade foram quebradas, além de lojas multinacionais. Os jornalistas dos oligopólios de comunicação de massa, que sempre criminalizou a luta social, foram expulsos dos protestos. Houve, ainda, uma tentativa de incendiar a Assembleia Legislativa e os enfrentamentos com as forças policiais foram intensos. Com efeito, chamamos essa forma de contestação da ordem por: Revolta dos Governados.

Como reação a 2013, tivemos o aprofundamento do “ativismo conservador agressivo”, porque todas as instituições baseadas na hierarquia, na disciplina, em dogmas metafísicos e na construção de riquezas, com fundamento na exploração alheia, se sentiram ameaçadas com as manifestações. Destarte, contra 2013, eles se rearticularam e ganharam força, formando uma unidade entre os diferentes governantes (políticos, jurídicos, penais, socioculturais e econômicos) e suas instituições: Parlamento, Judiciário, Forças Armadas, igrejas, oligopólios de comunicação de massa e o capital.

Assim, desde 2014, e como reação às razões de 2013, tem predominado nas redes sociais a mentira, fake News(notícias falsas) fake History(História falsa), e consigo veio o pensamento conservador, autoritário, preconceituoso, buscando destruir o sonho de toda uma geração.

A reação conservadora começou com a vitimização e supervalorização dos policiais, realizada amplamente pelos oligopólios de comunicação de massa, sustentando a “fascistização” da sociedade. Simultaneamente, o militar/policial foi posto como vítima dos signos de 2013 e alçado a “super-herói” capaz de resolver todos os problemas. A maior expressão disso foi a materialização do candidato das armas, Jair Bolsonaro, que antes de 2014 era um simples deputado do baixo escalão, mas desde então é aquilo que representa melhor a reação a 2013, sendo cegamente seguido por eleitores guardiões das tradições conservadoras. Sua base social é formada por policiais civis e militares (militarismo), igrejistas (católicos e evangélicos conservadores)[2]e latifundiários e ricos em geral. Todos esses reagiram aos signos de 2013 que contestaram a propriedade, a família tradicional e as repressões arbitrárias policiais.

 A tentativa de se impor respeito às autoridades fardadas caminhou junto com o conservadorismo e a intolerância ao diferente. Em suma, o conservadorismo atual pede por ditaturas militares explícitas com a respectiva criminalização da pobreza, dos negros, favelados, LGBTs, das religiões de origem africana e evidentemente dos que protestam como adeptos da tática Black Bloc e anticapitalistas em geral. No fundo, esse antagonismo tem por objetivo manter as tradições, a ordem e o respeito a todas as autoridades que 2013 colocou em xeque.

É importante lembrar que a maioria da população não votou em Bolsonaro. Desde 2013 houve uma explosão de votos nulos, em branco e abstenções nas últimas eleições em função do descontentamento com os partidos políticos em geral e em particular com os governos petistas que governaram abertamente para os ricos e, como todo governo brasileiro, reprimindo os movimentos sociais combativos e os pobres em geral. Nesse sentido, se hoje ocorre um crescimento do fascismo no Brasil o petismo tem larga culpa, pois foi sob seu governo que criminalizou os manifestantes de 2013 e passou a defender a polícia, colocando-a como vítima dos protestos daquele ano.

Ainda não temos certeza se o governo será uma ditadura aberta com repressão explícita aos seus oponentes como foi a ditadura militar-plutocrática (1964-85). Naquele período histórico militantes foram perseguidos, torturados e exterminados. Os protestos foram proibidos, o currículo escolar alterado e a família tradicional e as autoridades preservadas. O vencedor das eleições defende abertamente essas práticas, bem como exalta a tortura e a facilitação para as pessoas portarem armas. Ainda disse que a ditadura errou, pois deveria ter matado 30 mil opositores. Tempos piores se apresentam ao Brasil, mas é nosso dever ter esperança na luta popular que é a única que pode verdadeiramente frear o fascismo. Outros 2013 virão.



[1]Professor do Departamento de Ciência Política, do PPGF e do PPGHC, todos da UFRJ. Autor do livro: Governados por Quem? Diferentes Plutocracias nas Histórias Políticas de Brasil e Venezuela.

[2]Para melhor explicação desses conceitos ver, De Moraes (2018) em: https://diplomatique.org.br/pra-quem-sabe-ler-um-pingo-e-letra/

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