A REVOLTA DOS GOVERNADOS DO INVERNO-PRIMAVERA DE 2013 NO BRASIL E SUAS INTERPRETAÇÕES[1]
WALLACE DE MORAES[1]
[1] Prof. do Dpt. Ciência Política e dos Programas de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC) e de Filosofia (PPGF) ambos da UFRJ.
Este artigo foi publicado em 2018 como segundo capítulo no Livro: “2013 – Revolta dos Governados ou, para quem esteve presente, Revolta do Vinagre” do mesmo autor
“Quanto à ciência morta, a ciência falsificada, cujo único objetivo é introduzir no povo todo um sistema de falsas noções e concepções, ela seria para este último verdadeiramente funesta; ela lhe inocularia o vírus social oficial e, de todo modo, o desviaria, ao menos por um tempo, do que é hoje a única coisa útil e salutar: a revolta” (Bakunin, 2009: 23).
Comentando sobre os protestos na Turquia, Slavoj Zizek (2013) disse o seguinte:
“A luta pela interpretação dos protestos não é apenas ‘epistemológica’; a luta dos jornalistas e teóricos sobre o verdadeiro teor dos protestos é também uma luta ‘ontológica’, que diz respeito à coisa em si, que ocorre no centro dos próprios protestos. Há uma batalha acontecendo dentro dos protestos sobre o que eles próprios representam”(…).
Igualmente, no Brasil, há uma grande disputa sobre a narrativa da Insurgência dos Governados de 2013. Por razões teóricas/político-eleitorais/ideológicas, muitos intelectuais participam de uma querela sobre os seus motivos, características e resultados. Portanto, apontaremos elementos para identificar o que está por trás de cada uma dessas correntes interpretativas. Faremos também um debate sobre as formas metodológicas de construção da história. No bojo dessa discussão, apresentaremos algumas teses a partir da nossa observação participante, da narrativa de colegas e de diversas fontes secundárias como jornais, revistas, blogs e mídias sociais em geral.
RESSALVAS METODOLÓGICAS
Do ponto de vista metodológico, existem duas maneiras de se produzir teorias sobre a Revolta dos Governados de 2013 no Brasil. Uma dessas é pela lente da televisão. Em outras palavras, caso o analista tenha ficado em casa assistindo parte dos acontecimentos que foram transmitidos, alguns deles ao vivo, produzirá uma análise enviesada pela censura das câmeras e pelos comentários dos jornalistas muito bem pagos para criminalizar toda e qualquer revolta popular contra o establishment. É necessário lembrar que todos os repórteres identificados nas passeatas foram imediatamente expulsos pelos manifestantes, pois estes sabiam como as notícias eram tendenciosamente preparadas contra o movimento. As imagens, com efeito, foram produzidas por jornalistas disfarçados e/ou por helicópteros das emissoras. Quase a totalidade das resenhas publicadas nos diversos jornais e revistas ou mesmo divulgadas por entrevistas e comentários nas televisões, rádios e internet sobre o processo foram elaboradas a partir das lentes televisivas e com a sua já sabida censura. [2] As análises sob estas condições, salvo raríssimas exceções, incorreram em erros absurdos e colaboraram diretamente para a reprodução dos preconceitos difundidos pelos oligopólios midiáticos.
O analista também poderia produzir uma interpretação a partir da sua participação nas passeatas. Por consequência, devemos levar em conta um outro determinante para essa opção: o local pelo qual se produziu a leitura é importantíssimo. Por exemplo, nas passeatas, no Rio de Janeiro, dos dias 17 e 20 de junho, respectivamente, com aproximadamente 400 mil e 1,5 milhão de pessoas, o analista pode dizer que a mesma tinha uma característica nacionalista, carnavalesca, reformista ou revolucionária. Se o cientista social não tiver a sensatez de tentar olhar a passeata como um todo, ele tenderá a produzir uma interpretação absolutamente equivocada, para a totalidade, mas real, para um aspecto focal. Ele não pode, portanto, estabelecer seu olhar micro e colocá-lo como regra. [3]
Feitas as ressalvas metodológicas, e antes de escrevermos sobre o processo propriamente, vejamos as principais argumentações desenvolvidas por diferentes intelectuais sobre a Revolta dos Governados de 2013. Passemos às análises em disputa.
ANÁLISES EM CONFLITO SOBRE A REVOLTA POPULAR DE 2013
Ao examinarmos a insurreição popular de 2013 no Brasil, identificamos a existência de pelo menos cinco interpretações puras e algumas outras que se constituíram como amálgama de duas delas ou mais. Das cinco, podemos considerar três como plutocráticas, pois consistem na defesa de administrações públicas voltadas para atender os interesses prioritariamente dos governantes da economia e, nesse sentido, se apresentam veementemente contra toda forma de poder popular.
Podemos resumir as cinco interpretações para o caso específico da Revolta dos governados, da seguinte maneira:
1) Plutocrática Neoliberal Dissimulada[4] – Foi divulgada pelos jornalistas e intelectuais simpatizantes do petismo, cujo principal objetivo foi isentar o governo federal de responsabilidade pelo descontentamento dos governados. Buscou levar a crer que o povo estava nas ruas não contra os pseudos representantes políticos e suas instituições, mas por questões absolutamente laterais que essa mesma intelectualidade focou como essencial. Ainda apresentou a tese, segundo a qual o movimento insurgente era manipulado por setores de direita que queriam a diminuição de impostos e/ou tomar a governança política por meio de golpe militar. Tentou induzir fortemente também que se tratava de manifestantes de classe média.
2) Plutocrática Neoliberal Desavergonhada[5] – Propalada por aqueles que aproveitaram a revolta para criticar a governança plutocrática petista a partir de conjecturas características da teoria liberal de Nozick, Hayek, Friedman e outros. Procurou encontrar na Revolta atributos que atendessem aos seus anseios políticos-eleitorais, buscando canalizar toda a raiva dos governados contra todos os políticos para ficar apenas contra o petismo. As ações diretas foram narradas como desprovidas de qualquer cunho político, somente como ato de “vandalismo”.
3) Plutocrática Neoliberal Proto-Fascista[6] – Realizada por grupos que não estavam muito colegiados politicamente em 2013. Todavia, a partir de 2014 esse setor ganhou corpo com a organização e adesão de diversos segmentos das governanças penais (polícias militares, civis, forças armadas etc) e de determinadas Igrejas evangélicas e católicas, dotadas de receio das mudanças sociais, principalmente comportamentais, propostas e potencializadas pelos insurgentes em 2013. Advogaram por um golpe militar para instaurar a ordem, ou o integralismo[7], e manter as tradições conservadoras de respeito às hierarquias, às autoridades dos governantes penais e ao modus vivendi religioso comportamental. Com efeito, igualmente às demais interpretações plutocráticas, criticou os ataques às instituições estatais, ao capital e, principalmente, aos costumes e tradições comportamentais conservadoras.
As principais características das análises plutocráticas acima descritas, em seu conjunto, foram clamar pela integridade: do capitalismo, do Estado e das suas instituições, enfim, do status quo, apresentando-as como produto do último estágio e mais avançado da história da humanidade, como impassíveis de alterações profundas. Elas foram amplamente divulgadas pelos oligopólios de comunicação de massa no Brasil. As análises plutocráticas proto-fascistas, além de legitimar o Estado e o capitalismo, também abalizam uma grande ênfase na defesa da família tradicional, criticando toda forma de liberdade, de orientação sexual, de gênero, negando ainda a existência do racismo ou mesmo justificando-o.
Outras duas análises vieram:
4) da esquerda oficial institucional, ou simplesmente, reformista, que se constitui como oposição governamental à plutocracia vigente. Defende o Estado e suas instituições, a dicotomia entre governantes e governados, mas diferencialmente advoga que o governo implemente políticas sociais para os trabalhadores. Do ponto de vista comportamental, possui uma postura mais libertária, defendendo a liberdade de orientação sexual, a liberalização das drogas, a defesa dos direitos humanos e, ainda, critica o racismo na sociedade. Esta interpretação percebeu o processo de duas formas antagônicas: a) positiva, pois colocou em xeque o governo (situação), aumentando suas possibilidades de êxito eleitoral; b) negativa, pois o processo não foi dirigido por ela e não atendeu aos seus anseios eleitorais. A penetração social da esquerda oficial era bastante pequena, a verificar pelos seus votos nas últimas eleições nacionais em 2014 para presidência da República, quando não alcançou nem 2% com as somas dos votos de PSOL, PSTU e PCB. Não obstante, possui razoável penetração no meio sindical e estudantil universitário. As interpretações desse campo não viam com bons olhos a tática Black Bloc, nem a propaganda pelo ato, utilizada pelos revolucionários.
5) dos setores revolucionários – que podem ser subdivididas em duas. A primeira cunhamos de revolucionária libertária ou anarquista, pois defende a autogestão – acabando com a dicotomia entre governantes e governados – o fim do Estado e a ação direta como forma de atuação para superar o capitalismo. A segunda possibilidade revolucionária é a vanguardista, que coincide em grande medida com os princípios anarquistas e/ou da esquerda oficial, sendo contrária à participação institucional. Defende o processo revolucionário e, portanto, apoia a insurgência popular contra as instituições. Propalada por diversos coletivos combativos e não institucionais – muitos deles adotaram a tática Black Bloc.
A interpretação revolucionária foi a grande novidade entre os atores políticos. Negou todos os governos e defendeu a Revolta como ela foi, com algumas críticas pontuais, mas exaltando a ação direta, a propaganda pelo fato, a horizontalidade, a combatividade dos manifestantes e o empoderamento dos governados sem intermediários. Do ponto de vista comportamental, essa interpretação defende a mais ampla liberdade de orientação sexual e uma postura antirracista, apontando inclusive para a autodeterminação dos povos, através da criação de comunas federadas.
Quadro 1: Descritivo das interpretações sobre o Levante e das forças políticas que as compuseram.
Interpretações | Forças políticas que a compuseram |
Plutocrática Neoliberal Dissimulada | Jornalistas dos oligopólios de comunicação de massa; governantes, intelectuais e políticos do: PT, PCdoB, MDB e PDT. Sindicalistas ligados às centrais sindicais dirigidas por esses partidos. Empreiteiros, banqueiros, empresários e capitalistas em geral, alinhados e apoiadores das políticas plutocráticas implementadas pela governança política petista. |
Plutocrática Neoliberal |
DesavergonhadaJornalistas dos oligopólios de comunicação de massa; governantes, intelectuais políticos dos partidos da então oposição neoliberal “oficial”: PSDB, DEM, PTB, PPS, PSB. Empreiteiros, banqueiros, empresários e capitalistas em geral alinhados às ideias plutocráticas neoliberais desavergonhadas.Plutocrática Neoliberal Proto-FascistaIntegralistas (grupos minúsculos que reivindicaram uma espécie de fascismo tupiniquim), diversos integrantes das mais variadas governanças penais no Brasil como militares, policiais, guardas municipais, seus familiares e amigos, setores ligados às igrejas conservadoras católicas e protestantes. Em 2013, esse grupo ainda não estava altamente organizado politicamente com divulgação de suas ideias, mas desde início de 2014 passou a ganhar corpo e coesão política. A família Bolsonaro, o MBL e outros think tanks figuraram como quadros catalisadores e propagandistas dessas ideias.Esquerda Oficial EstatistaIntelectuais e políticos do PSOL, PSTU, PCB, movimentos sociais, estudantis e sindicatos ligados a esses partidos.RevolucionáriaIntelectuais e coletivos autônomos, anarquistas, libertários e marxistas não institucionalizados /movimentos sociais ligados à luta pela moradia e outros.
Fonte: elaboração própria.
Passemos em revista agora os aspectos metodológicos, teóricos e as interpretações da Revolta dos governados por essas diferentes perspectivas. Comecemos pelas análises plutocráticas oficiais.
2.1 CARACTERÍSTICAS DAS ANÁLISES PLUTOCRÁTICAS OFICIAIS
As disputas entre as correntes plutocráticas desavergonhada e dissimulada reduzem-se ao modelo de gestão adotada por cada uma: ambas disputam o amparo dos governantes da economia, isto é, grandes banqueiros, industriais, empreiteiros e representantes de peso dos capitalistas, donos do “mercado”. Até o crescimento dos grupos proto-fascistas, os governantes socioculturais com seus oligopólios de comunicação de massa apresentavam as teses daquelas oposições quase que exclusivamente para a sociedade como se fossem as únicas. No que concerne à interpretação sobre o Levante, elas convergiram em larga escala, porque foram igualmente contestadas/rechaçadas pelas ruas.
Trataremos inicialmente dos seus postulados comuns e depois abordaremos suas características idiossincráticas. Quando falarmos sobre o que possuem em comum, a denominaremos por interpretação oficial. Comecemos.
Do ponto de vista teórico, a interpretação oficial é guiada pela perspectiva liberal e, particularmente, pela teoria da democracia minimalista, segundo a qual as manifestações de rua atrapalham o bom andamento da democracia, pois colocam demandas para o governo que ele não pode atender em função dos seus compromissos com as contas e as leis do mercado (accountability). Isto é, os interesses do mercado, dos capitalistas, são tratados como prioritários com relação às reivindicações dos governados. Na teoria política, são muito comuns essas análises. Autores como Schumpeter (1984), Lipset (1963) e diversos outros são expoentes daquilo que alguns chamam de teóricos da democracia minimalista, nós preferimos chamá-los por pensadores plutocráticos.
Da perspectiva metodológica, é mister ressaltar que detectamos uma relação direta entre a filiação ideológica do autor e suas escolhas. Em sendo liberal, conservador, simpatizante do governo, ou crítico deste a partir das teses ultraliberais, tendeu a buscar meios de criticar o mais fortemente as manifestações, sobretudo por aspectos moralistas. Mesmo que por vezes, cinicamente, alegasse que eram legítimas. Apresentou suposições para dizer que os protestos não foram populares, mas da classe média que não teria o que reivindicar, pois possuía condições de obter seus direitos através do mercado. Aliás, quando os intelectuais plutocráticos afirmaram com todas as letras que o movimento foi de classe média, buscando desmerecê-lo, surgiu uma dúvida: onde eles se posicionam dentre as classes sociais? Será que os professores da USP e os jornalistas que apoiam os governos plutocráticos se incluíam no interior do operariado ou mesmo do campesinato? A saber…
Outro aspecto desse campo intelectual foi a defesa autoritária das instituições estatais e de mercado existentes, como se elas expressassem o último estágio da evolução humana e, portanto, portadora da razão, no termo de Georg Hegel. Essa opção analítica está embebida tanto pela ideia do fim da História, completamente guiada por uma miragem evolucionista, como, ademais, busca negar, por completo, o conceito de auto-instituição social. Ou seja, não é permitido à sociedade negar as instituições existentes, pois estas significam o que há de mais avançado, racional, evoluído e democrático, asseveraram. Um absurdo incomensurável e conservador que obsta o papel da humanidade de recusar o establishment. Nega simplesmente o papel aos homens de construírem sua própria história.
Essas análises partem de um postulado pré-estabelecido: defender os governantes políticos ou a sua oposição oficial, bem como, as instituições do Estado e do capital. Assim, buscaram as fontes com interrogações que possibilitassem apenas legitimar seus objetivos iniciais em favor dos governantes. Os historiadores até o início do século XX eram guiados por essas perspectivas, chamados por Fontana (2004) de “legitimadores dos donos do poder”. Chomsky (2017) os chamou de intelectuais conformistas.
Os oligopólios de comunicação de massa, os plutocráticos, seus jornalistas e intelectuais orgânicos, nunca quiseram os governados nas ruas, por questões óbvias. Porém, como não podiam passar por autoritários, usaram um discurso ambíguo defendendo que a população podia se manifestar, contudo sem direcionar toda sua raiva acumulada por anos de subordinação, exploração e racismo contra quem lhes ataca. Eles usaram os termos: “depredação” e “vandalismo” para depreciar os governados que revidaram os ataques policiais e por consequência quebraram vidraças de bancos e de prédios estatais. Um discurso moralista e criminalizante contra a revolta popular, centrado na perspectiva do “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda (2001) e seus seguidores, ou mesmo do Brasil ordeiro, cujas elites dominantes são generosas com seus subordinados no veio de Gilberto Freyre (1998) e outros. O fio condutor dessas análises partiu do ponto de vista da manutenção do status quo, sem mudanças substantivas.
No início do movimento, esses setores simplesmente ignoraram que existia a manifestação. Depois que ela cresceu em função da então relativamente nova comunicação pelas redes sociais, passaram a divulgá-la, entretanto buscando controlar sua orientação. Esta visão tentou, também, deturpar suas demandas sociais e colocar como prioritário algo que não esteve presente, ou exacerbar aquilo que figurou apenas lateralmente, como dizer que a população necessitava de uma reforma política. Algo absolutamente dentro do sistema e que efetivamente não apontava para mudanças concretas para o bem-estar dos trabalhadores. Assim, tratava-se de uma reivindicação fluida que fugia do foco principal. Essa corrente interpretativa “esqueceu” que a luta começou pelo passe livre – tarifa zero –, por um transporte sem roletas e depois se ampliou com uma pauta abrangente que incluía, dentre outras coisas, uma crítica contundente a todos os partidos políticos e governantes em geral, e contra muitos dos pilares do mercado capitalista existente no Brasil, como mostraremos mais à frente.
Ademais, os conservadores criticaram a ausência de líderes nas manifestações que conseguissem supostamente representar a todos, ignorando que essa ausência era a maior expressão do movimento, apresentando-se como horizontal e múltiplo, constituindo sua maior riqueza.
No afã de atacar a Revolta dos Governados, desmerecendo-a, várias leituras desse campo chegaram ao desatino de asseverar que “elas não tinham nada demais” (Oliveira, 2013) ou possuíam um caráter fascista (Santos, 2013). Um erro grosseiro que demonstra simultaneamente o descuido ou o total desconhecimento tanto das ideias e ações fascistas[8], quanto da história popular brasileira e dos seus signos produzidos nos últimos anos. Esta perspectiva foi guiada indubitavelmente por um veio eurocentrista, buscando encontrar no Brasil as mesmas glosas europeias.
Esse tipo de julgamento abriu margem para a construção de um pseudo consenso com vistas a criminalizar os setores mais radicalizados anticapitalistas, dos estudantes e governados que participaram das manifestações na linha de frente. Em resumo, tratou-se da tentativa dos ocupantes dos altos postos políticos do país e de alguns intelectuais orgânicos de dividir os manifestantes em dois grupos: os “bonzinhos” que exerceram seu papel de cidadania ordeiramente, foram para as passeatas de verde e amarelo, pintaram o rosto, portaram bandeiras brasileiras e cantaram entusiasticamente o hino nacional.[9] Do outro lado, segundo essa visão, “estavam os maus, os bandidos, os vândalos, os anarquistas, os black blockers que queriam ‘depredar’ o patrimônio público e estabelecer a desordem no país, desrespeitando suas instituições”. Sorrateiramente, tiraram todo o conteúdo reivindicativo e qualquer possibilidade de auto-instituição social, buscando deslegitimar a ação direta popular nas ruas contra anos de opressão estatal e capitalista.
Essa tese, formando quase um consenso, foi amplamente divulgada pelos grandes oligopólios de comunicação de massa no Brasil; por diversos políticos tanto dos poderes Executivos, quanto dos Legislativos e seus respectivos partidos (PT, PMDB, PCdoB, PSDB, DEM, PTB, PDT, PPS e outros menores); por grande parte dos empresários, empreiteiros e banqueiros que se locupletam das políticas públicas e de contratos vantajosos com o Estado. Simultaneamente, de forma cínica, pronunciaram que todos tinham o direito de se manifestar.
Outra polêmica girou em torno da classe social dos manifestantes. Tanto para as interpretações dos intelectuais simpatizantes ou diretamente ligados ao petismo, quanto para os ligados à plutocracia neoliberal desavergonhada, interessava explicar que não se tratava do povo indo às ruas, mas de uma “classe média que possuía tudo do bom e do melhor”. Ela foi às ruas sem motivos, apenas por hobby (Chaui, 2013), ou por interesses políticos de um campo obscuro, como se fossem de direita e fascistas para desestabilizar o governo (Singer, 2014). Assim, essas interpretações tentaram emplacar a ideia de que as manifestações eram de classe média, seja por uma perspectiva positiva (Maricato, 2014), seja negativa (Chaui, 2013; Singer, 2014), ou mesmo mostrando-se perplexo com o fato de ela reivindicar direitos que lhes são amplamente disponíveis pelo mercado (Cardoso, 2013). [10] Entendemos que se trata de uma discussão absolutamente estéril, que tem como resultado principalmente retirar o foco do essencial. Só interessa entrar nesse debate quem não quer discutir exatamente os sinais emitidos pelos manifestantes. Até porque, de acordo com os dados oficiais, o conceito de classe média deixou de ter uma vinculação com a percepção popular, segundo a qual seria formada por pessoas com confortável modo de vida com casa própria, carro novo etc. Esse conceito foi ressignificado pela própria governança política petista, de modo a incluir o maior número de pessoas pobres como parte da classe média, criando uma farsa a partir da estatística. Com efeito, somente podia-se considerar pobre aquele que recebia uma renda per capita inferior a R$ 140,00 por mês, equivalente a R$ 4,00 por dia[11]. Decerto que, com esse valor, não era possível fazer nem duas refeições diárias. A classe média receberia entre R$ 291,00 e R$ 1019 per capita. Nesse contexto, uma empregada doméstica que recebia um salário mínimo no Rio de Janeiro, R$ 874,75, e tinha dois filhos para sustentar, era considerada como classe média pela governança plutocrática dissimulada petista, quando na verdade mal conseguia alimento para si e para seus filhos, muito menos pagar um aluguel, comprar roupas, lazer etc.
Feito esse breve introito, passemos às análises específicas de cada campo. Comecemos pelas plutocracias neoliberais desavergonhadas.
2.1.2 ANÁLISES PLUTOCRÁTICAS NEOLIBERAIS DESAVERGONHADAS
Podemos dividir a postura do pensamento plutocrático desavergonhado sobre a Revolta dos Governados em três diferentes momentos: 1º) tentou ignorar que havia protestos; 2º) disputou a direção do movimento; 3º) defendeu a criminalização dos que chamaram de “vândalos”. Chegamos a essas conclusões a partir da análise dos discursos de Arnaldo Jabor, representante do quadro jornalístico da Rede Globo e um dos símbolos do pensamento plutocrático desavergonhado no Brasil. Vejamos.
Arnaldo Jabor transformou-se, num primeiro momento, em símbolo às avessas da Revolta dos governados. Na sua fala de 12 de junho de 2013, Jabor (2013a) arrazoou vários argumentos que ficaram marcados e que foram retomados por diferentes intelectuais ao longo do processo. Percebamos como todos estes tinham por objetivo deslegitimar os protestos: 1) defendeu que o movimento não tinha motivos legítimos para ir às ruas, que R$0,20 era muito pouco; [12] 2) disse que a composição era de meninos de classe média e que não havia pobres que necessitassem dos R$ 0,20; 3) associou o quebra-quebra das manifestações a ataques de organização criminosa; 4) colocou os policiais que ganham muito mal, segundo ele, como vítimas dos meninos de classe média, ameaçados com coquetéis molotov; 5) atrelou os descontentamentos a uma imensa ignorância política; 6) afirmou que os manifestantes não tinham causas, nem pauta; 7) sugeriu que lutassem pelo fim da PEC 37 [13]; 8) esbravejou: “os que lutam defendem o socialismo da década de 1950”; 9) aproveitou e fez críticas ao governo federal em função da inflação alta; 10) terminou dizendo: “realmente esses revoltosos de classe média não valem nem R$ 0,20.”
Esse compêndio de discursos gerou uma grande indignação na sociedade que foi para a rua dizer que “não era por apenas R$ 0,20, mas por direitos”. Vários cartazes continham essa frase. As supracitadas intervenções de Jabor, conhecido ícone do pensamento plutocrático neoliberal desavergonhado no Brasil, pautaram muitos dos pronunciamentos subsequentes tanto no seu campo ideológico, como de intelectuais plutocráticos dissimulados e da esquerda oficial. Com o enorme crescimento do movimento, Jabor teve que fazer a mea-culpa, mas continuou a propor um pleito da plutocracia minimalista, idólatra do Estado mínimo, e, evidentemente, da criminalização dos rebeldes.[14]
Inaugurava-se o segundo momento da postura do pensamento plutocrático desavergonhado sobre os protestos. Em suma, a grande mídia sentiu a perda de espaço e se apresentou, como se estivesse ao lado dos manifestantes.
A tergiversação de Jabor representou a de toda a grande mídia. Ela aconteceu por vários motivos: 1) o número de pessoas nas ruas aumentava exorbitantemente; 2) os protestos eram os principais assuntos das redes sociais; 3) em função da postura dos grandes oligopólios de comunicação de massa, os manifestantes os viam como verdadeiros inimigos. A título de exemplo, carros das emissoras foram queimados e jornalistas foram prontamente expulsos dos protestos; 4) a credibilidade da grande mídia nunca esteve tão abalada nacionalmente. Por tudo isso, os governantes socioculturais tiveram que alterar sua estratégia.
As análises de Jabor (2013c) representaram bem esse transformismo. Ele passou, como toda a mídia, a endossar as reclamações, mas impondo as suas postulações como a do movimento, significando a apologia da institucionalização da luta. Nesse sentido, acastelou que houvesse líderes e ideias institucionais, escolheu alvos de ação, como a luta contra a PEC 37, e propôs ainda a vigilância permanente do Congresso (Jabor, 2013d). Recomendou a ligação com a imprensa que, segundo ele, é séria (Jabor, 2013f) e criticou com veemência a violência dos protestos, opondo-se exatamente àquilo que poderia transformar tudo e possibilitar a auto-instituição social (Dupuis-Déri, 2014; Ludd, 2002; Gelderloos, 2011).
Enfim, os governantes socioculturais disputaram a direção do movimento e apresentaram suas solicitações como se fossem a de todos. Foram os oligopólios de comunicação de massa os responsáveis pela organização de um grande setor nacionalista e institucional nas passeatas. Esses indivíduos portavam bandeiras nacionais, pintavam o rosto de verde e amarelo e bradavam contra a violência e os partidos políticos. Sua pauta foi bastante difusa e apresentou a corrupção como o principal problema do país. Só para dar uma ideia de como aconteceu, no programa RJ-TV da Rede Globo, os jornalistas ensinaram como o manifestante tinha que se comportar, evidentemente condenando qualquer tipo de uso da violência contra as instituições do Estado e do capital, e ainda diziam sobre a suposta pauta do movimento.
No dia 20 de junho, Jabor[15] chegou ao desatino de dizer que a PEC 37 era a causa das reivindicações nacionais, se colocando, pasmem, como representante dos manifestantes e contra os políticos. Assim, sorrateiramente, tirava o foco da crítica ao preço absurdo das passagens de ônibus e às péssimas condições de vida.
No terceiro momento, depois dos maiores protestos da história brasileira, os oligopólios de comunicação de massa, começaram a criticar os “vândalos”, segundo eles, naquele momento, “formados por punks, marginais e radicais bolcheviques que queriam acabar com o movimento”. Essa foi a estratégia dos governantes socioculturais: separar os manifestantes em legítimos, que portavam verde e amarelo, e os ilegítimos, que ela denominou de “vândalos” [16], os quais atacavam os prédios símbolos do governo, do grande capital e resistiram aos ataques policiais.
Em novembro de 2013, Jabor (2013e) já defendia que “as manifestações se esvaíram por causa dos fascistas mascarados black blockers”. Essa afirmação precisa ser problematizada. Primeiro, chamar os Black Blocs de fascistas representa uma enorme demonstração de ignorância ou em pura má-fé do orador. Segundo, esse foi o discurso hegemônico utilizado pelos governantes socioculturais justamente para culpar os mais combativos como responsáveis pelo fim das manifestações. Terceiro, esta postura isentava as governanças políticas e penais pela forte repressão sobre os manifestantes, como culpados pela saída dos jovens das ruas, preocupados com razão, com sua integridade física.
Na mesma linha da de Jabour, existiram diversos jornalistas e intelectuais que justificam o sistema e a criminalização dos que lutaram. Magalhães (2017) critica as teses de outro jornalista sobre o assunto: trata-se de Demétrio Magnoli que assinou um artigo publicado no jornal O Globo, no dia 05/06/2014, cujo principal objetivo era se opor ao que chamou de manifestação política dirigida por grupos dedicados à violência.
“O jornalista relaciona o PCC aos Black Blocs e responsabiliza os últimos pela militarização das cidades-sede da Copa do mundo de 2014. Embora o autor possua uma admirável erudição nas escolhas das palavras e no encadeamento das ideias ao longo do texto, a sua argumentação é significativamente pobre. Dois argumentos são mais que suficientes para contestar o texto. Primeiro, ao estabelecer uma relação entre os adeptos da tática Black Bloc e o PCC, o autor na verdade reproduz o que, desde o século XIX, os liberais fazem com os movimentos de contestação política e social: a criminalização desses, (…) buscando deslegitimar o Black Bloc, tirando seu aspecto político (…). Em segundo lugar, argumentar que os Black Blocs são os responsáveis pela militarização das cidades-sede da Copa, é olhar apenas o sintoma e não a causa da doença social na qual as democracias chamadas de liberais estão inseridas. O Estado é repressivo desde sempre” (Magalhães, 2017).
As teses de Jabor consubstanciaram-se como a melhor representação do pensamento plutocrático neoliberal desavergonhado no Brasil, que, inclusive, conseguiram a proeza de criticar os governos petistas pela direita, como os partidos políticos PSDB, DEM, PPS e outros.
Foto: Ruy Barros
2.1.2 ANÁLISES PLUTOCRÁTICAS NEOLIBERAIS DISSIMULADAS LIGADAS À GOVERNANÇA POLÍTICA PETISTA
Dentro desse veio analítico, estão vários intérpretes. Comecemos com o discurso oficial da então Presidente da República, proferido no dia 21 de junho de 2013, logo após os maiores protestos da história do país. Ela buscou condenar, com toda força, a violência de vários manifestantes contra as instituições e curiosamente estabeleceu uma orientação para o movimento:
“(…) A mensagem direta das ruas é pacífica e democrática. Ela reivindica um combate sistemático à corrupção e ao desvio de recursos públicos. (…) Esta mensagem exige serviços públicos de mais qualidade. Ela quer escolas de qualidade; ela quer atendimento de saúde de qualidade; ela quer um transporte público melhor e a preço justo; ela quer mais segurança. Ela quer mais. E para dar mais, as instituições e os governos devem mudar” (Rousseff, 2013).
Depois de, curiosamente, estipular a pauta do movimento, amplamente reduzida, como mostraremos a frente, ela fez promessas de político, como não poderia deixar de ser: “O foco será: primeiro, a elaboração do Plano Nacional de Mobilidade Urbana, que privilegie o transporte coletivo. Segundo, a destinação de cem por cento dos recursos do petróleo para a educação. Terceiro, trazer de imediato milhares de médicos do exterior para ampliar o atendimento do Sistema Único de Saúde, o SUS”. Também incluiu a reforma política como grande desejo popular.
Tratava-se apenas de um discurso para acalmar os ânimos dos governados, bastante exaltados, mas de concreto pouco foi realizado. O petismo perdeu uma grande oportunidade de atender as reivindicações dos governados nas ruas e fazer uma revolução no país. O principal fator para as transformações já estava posto: a rebelião popular. Ao não levar em conta a pauta das ruas, o petismo teve o início do seu fim na governança política.[17]
Parte dos intelectuais reproduziram acriticamente o estabelecido pela maior representante da governança petista no país, negando a tão cara e necessária independência de pensamento, que Chomsky (1999) fala com tanta propriedade.
No mesmo veio interpretativo, Francisco de Oliveira, tradicional pensador da esquerda oficial, ex-militante do PT e, na época, intelectual orgânico do PSOL, asseverou que a população não tinha motivos para ir às ruas. Perguntado em entrevista[18] sobre o que aconteceu nas últimas semanas (em junho de 2013), ele respondeu:
“Nada demais. É um pouco inédito devido ao fato de que se deu em várias partes do País, coisa que não era comum ocorrer. As manifestações mais fortes sempre se deram no Rio e São Paulo e desta vez se apresentaram em várias partes do País de forma bastante intensa. Mas não há uma explicação. Primeiro levantaram os preços das passagens, os governos recuaram e aquilo se transformou em uma manifestação sem sentido. De fato, vivemos numa conjuntura política em que não há motivo para crise”.
Mais ou menos na mesma linha, esteve a reflexão de Marilena Chaui (2013) que conseguiu retirar a responsabilidade dos governantes pelos problemas brasileiros. O trecho que segue foi publicado em artigo na revista eletrônica Teoria & Debate[19], mantida pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Vejamos:
“Não foram poucos os que, pelos meios de comunicação, exprimiram sua perplexidade diante das manifestações de junho de 2013: de onde vieram e por que vieram se os grandes problemas que sempre atormentaram o país (desemprego, inflação, violência urbana e no campo) estão com soluções bem encaminhadas e reina a estabilidade política? As perguntas são justas (…)”.
Para esse setor, estava tudo bem com a economia e a política brasileira. A autora ainda ressaltou que a democracia brasileira tinha aspectos positivos e que precisaria de no máximo uma reforma política para melhorar, disse: “o que já é bom”.
Ricardo Musse (2013), apresentando-se como defensor da criação de uma frente da esquerda partidária, incluindo o petismo e a sua oposição oficial, afirmou que o descrédito dos partidos políticos, dos parlamentares e governantes em geral era uma criação da grande mídia. Tratou o assunto como se fosse uma conspiração para desqualificar o sistema representativo e abrir espaço para regimes autoritários. O autor ignorou que a crise da representação política se constitui enquanto fenômeno mundial. Musse (2013) chegou ao desatino de classificar os governos de Rousseff e de Lula da Silva como “nacional-desenvolvimentista” e de embrião do “Estado de bem-estar social” respectivamente. Trata-se de uma interpretação típica pró-petista sem nenhum amparo no teórico, muito menos no real.
Fabiano dos Santos (2013), mais ou menos na mesma linha, interpretou as manifestações como expressão do crescimento do fascismo no Brasil que se materializaria através da crítica às instituições representativas estatais. Essas precisariam no máximo de uma reforma, mas de maneira alguma serem atacadas como um todo, pois “são a melhor representação da democracia”. Esta perspectiva, como falamos anteriormente, apresenta: 1) clara negação da auto-instituição social e 2) as instituições estatais como parte fundamental do último estágio da evolução humana.
Wanderley Guilherme dos Santos, cientista político, admirador das governanças políticas petistas, é um dos expoentes dessa escola interpretativa. Observemos duas passagens de um dos seus artigos (Santos, 2014). Esse é um tipo de análise exemplar da ala plutocrática dissimulada petista radical, que a nosso ver, é extremamente autoritária, embora busque apresentar-se como democrática:
“Professores universitários do Rio de Janeiro, de São Paulo e outras universidades falam do governo dos trabalhadores como se fosse o governo do ditador Médici, embora durante aquele período não abrissem o bico. Vetustos blogueiros, (…) teóricos sem obra conhecida e de gogó mafioso, estes são os mentores da violência pela violência, anárquica, mas não acéfala. Quem abençoa um suposto legítimo ódio visceral contra as instituições, expresso em lamentável, mas compreensível linguagem da violência, segundo estimam, busca seduzir literariamente os desavisados: a violência é a negação radical da linguagem. Mentores whiteblocks, igualmente infames” (…)
“Para que não haja dúvida: sou a favor da criminalização e da repressão às manifestações criminosas, a saber, as que agridam pessoas, depredem propriedade, especialmente públicas, e convoquem a violência para a desmoralização das instituições democráticas representativas”.
Percebamos como em dois parágrafos ele consegue simultaneamente: 1) defender a governança plutocrática petista e as instituições estatais representativas que ele julga democráticas; 2) desqualificar enfaticamente, até com ódio, os intelectuais que defendem os protestos como legítimos; 3) aclamar pela criminalização dos manifestantes que atentam contra as instituições do Estado opressor e do capitalismo explorador.
No interior desse campo, esteve, ainda, a interpretação do porta-voz da presidência da República sob o governo Lula (2003-2007), André Singer (2014), e atualmente professor em uma universidade em São Paulo. Segundo ele, estavam nas ruas a classe média e o novo proletariado “favorecido pelo governo petista”. Como esse autor escreveu um texto maior sobre o assunto, vamos debatê-lo com mais rigor e densidade, todavia, ele consegue expressar muito bem a leitura de todo esse campo de intelectuais alinhados ao petismo.[20] Vejamos.
Buscaremos contrapor a análise de André Singer por omitir fatos fundamentais ocorridos entre 2013 e 2014 e, por consequência, induzir o leitor a uma interpretação equivocada dos acontecimentos. Podemos adiantar que a abordagem de Singer, bem como dos intelectuais alinhados à plutocracia petista, buscou por todas as maneiras isentar a administração do Partido dos Trabalhadores (PT) de todas as responsabilidades pela enorme insatisfação popular que explodiu no Levante. O autor colabora para uma visão idílica do governo petista para fora do país, amparado em números que não encontram fundamento material, quando lidamos com os movimentos sociais e populares em geral.
Na azáfama desesperada de defender o governo, mas procurando se apresentar o mais isento possível, o autor traz diversos dados, na sua maioria absolutamente irrelevantes e eivados da ideologia petista. Um de seus problemas encontra-se na escolha de suas fontes, a saber: 1) notícias dos oligopólios de comunicação de massa e 2) números divulgados pelos governantes penais (polícias). Tanto uns quanto outros foram os maiores criticados pelos manifestantes. Assim, em seu conjunto, buscaram sempre diminuir exageradamente o total de manifestantes nas passeatas, induzindo o leitor a crer em números infinitamente menores do que os reais nas ruas, além de criticar com ênfase as manifestações, em especial os praticantes das ações diretas, black blockers ou não, que se formaram ao longo de 2013, criminalizando-os. Cabe ressaltar que os jornais conservadores “O Globo” e “Folha de São Paulo” apoiaram e articularam a Ditadura Militar-Plutocrática Desavergonhada no Brasil de 1964. Ademais, a polícia brasileira é uma das que mais mata no mundo, sobretudo negros e pobres, sob a tácita imobilidade dos governantes. Outras fontes que embasam as conclusões de Singer são as pesquisas de opinião pública, inclusive uma delas muito ligada aos poderosos, “erra” constantemente em projeções eleitorais normalmente a favor de candidatos conservadores e/ou ocupantes do poder.[21]
O principal objetivo de André Singer foi apresentar o governo do PT como alinhado à esquerda do espectro político brasileiro, elencando elementos palpáveis para o leitor europeu politizado. Destarte, sua interpretação está embebida por um eurocentrismo patente, facilitando ao leitor daquele continente visualizar os governos petistas como vítimas das articulações de direita, tal como acontece em alguns países do velho continente. Para atingir tais objetivos, os erros do autor são muitos e explícitos.
Singer nos dirige ainda a três discussões estéreis, muito propaladas pelos petistas, a saber: a) a classe social; b) a idade; c) o grau de instrução dos manifestantes. Ao privilegiar essas variáveis de análise, o autor simplesmente se abstém de discutir o essencial, negligenciando absurdamente os sinais emitidos pelos protestos, bem como suas demandas. Ele, pasmem, simplesmente, não descreve as exigências dos governados nas ruas! Muito menos procura entender suas ações; quando as descreve, segue por um caminho absolutamente equivocado, pois está amarrado a uma camisa de força que busca através da análise da Revolta popular defender a governança petista.
Com efeito, todos seus dados e números servem para discutir a classe social dos manifestantes e defender a tese segundo a qual eles pertenceriam à classe média. Portanto, não seriam populares, mas pessoas que naturalmente estão inseridas no sistema consumista capitalista e que se opunham ao petismo, pela direita. Ao dizer que o manifestante é de classe média, o autor fica com a consciência tranquila para dizer que a suposta base social petista, os trabalhadores, continua apoiando a sua administração.[22]
A base do PT era formada pela CUT, que se transformou, junto com o partido, em uma central altamente burocratizada, sem mobilizar mais os trabalhadores para a conquista de direitos ou mesmo para a manutenção de direitos sociais. Entretanto, servia como correia de transmissão das políticas da governança petista, freando as lutas populares, em acordos espúrios com o Estado e com os capitalistas. Transformou-se, em resumo, naquilo que a literatura chama de sindicato de conciliação. O PT usou da chantagem eleitoral com os miseráveis, quando afiançou o bolsa família para pessoas muito pobres, assegurando assim a fidelidade dos seus votos que mantiveram o partido no poder por 13 anos. Todavia, é importante dizer: não se tratou de um voto politizado, mas pragmático, utilitarista, que estimulou a dependência estatal de uma gama enorme de pessoas, sem a emancipação social deveras almejada.[23]
Singer admite que propriedades foram destruídas nos protestos. Todavia, estranhamente se exime de explicar quais foram essas propriedades, esvaziando assim todo o conteúdo político das ações. As propriedades atacadas referidas pelo autor foram principalmente: bancos, empresas multinacionais, concessionárias de carros de luxo, postos de pedágio, carros das emissoras de televisão e prédios estatais que representassem a plutocracia representativa, principalmente, sedes de prefeituras, das casas legislativas dos estados e do Congresso Nacional.
Não podemos entender que essas manifestações fossem de direita por razões simples:
1) Não é uma tradição da direita no Brasil enfrentar as polícias e o exército. Muito ao contrário, a direita normalmente está associada às forças de repressão. Em todos os atos houve enfrentamento com a polícia. No ato do dia 20 de junho, os manifestantes do Rio atiraram pedras em soldados e oficiais da Polícia do Exército que estavam na frente do prédio do Comando Militar do Leste na Avenida Presidente Vargas.
2) A direita historicamente não defende a destruição de bancos, tampouco critica o capitalismo.
3) Não é tradição da direita defender a destruição do parlamento e das prefeituras, mas, exatamente como a esquerda oficial deseja, tomar esses espaços para governar com suas políticas.
4) Os manifestantes se colocaram veementemente contra a Copa no Brasil, inclusive com palavras de ordem, dizendo que “abrem mão da Copa em favor de investimento em saúde e educação.” Na manifestação de 20 de junho, uma das palavras de ordem que mais ecoou depois do bombardeio de gás lacrimogênio da polícia sobre os manifestantes foi a seguinte: “Não… vai ter Copaaaaaaa”. A direita no Brasil sempre foi ufanista e alienada pelo futebol e, em momento algum, questionou a realização dos megaeventos no Brasil.
5) Os ônibus foram outros alvos preferenciais dos manifestantes. Alguns deles foram destruídos em várias cidades. Destruir propriedades privadas nunca foi uma política da direita no Brasil.
6) Nos enfrentamentos com a polícia, normalmente a palavra de ordem era: “RE-VO-LU-ÇÃOOOOOO”.
7) A direita fascista precisa de líderes, defende uma sociedade hierárquica e autoritária baseada na ordem. As manifestações foram marcadas pela clara negação da existência de líderes. O rechaço aos partidos políticos constitui-se como a maior evidência disso. A negação dos palanques que, no passado serviam para os políticos fazerem campanha eleitoral, bem como a igual repulsa aos carros de som, demonstraram a negação das hierarquias dos protestos. A horizontalidade, igualdade e a descentralização não só predominaram como se constituíram como suas principais marcas.
8) Tradicionalmente, a direita é conservadora e contrária a movimentos de liberdade sexual e de gênero. Em muitas manifestações, os movimentos LGBTs realizaram “beijaços”, como forma de apoio à luta contra a homofobia e lesbofobia; bem como foi marcante a presença da “Marcha das Vadias”, representações incompatíveis com os discursos e práticas da direita.
Ademais, Singer assevera que o Movimento Passe Livre, que impulsionou as Revolta dos Governados em São Paulo, foi criado por setores do PT. Nada mais absurdo. O movimento se apresenta como independente de todos os partidos políticos e em oposição clara às políticas adotadas pelo petismo. Vejamos a auto definição do movimento:
“Um movimento social de transportes autônomo, horizontal e apartidário, cujos coletivos locais, federados, não se submetem a qualquer organização central. Sua política é deliberada de baixo, por todos, em espaços que não possuem dirigentes, nem respondem a qualquer instância externa superior” [24]
Para coroar o saco de iniquidades, Singer sugere uma hipótese bastante surreal que apresenta a governança petista “como de esquerda e vítima da direita nas ruas que queria menos impostos.” Esta tese não encontra nenhum amparo no real por vários motivos: 1) a começar pela premissa segundo a qual o governo petista é de esquerda; 2) com mais de 1,5 milhão de pessoas nas ruas somente do Rio de Janeiro, é claro que todos os setores políticos e classes sociais estavam representados. Não obstante, cabe uma ressalva: não existia um número significativo de pessoas que reivindicasse ser de direita, muito menos fascistas no Brasil[25], que pudesse ocupar as ruas dessa maneira; 3) ao defender que o movimento era manipulado pela direita, o autor busca desqualificar a pauta dos manifestantes sem sequer lhe dar voz, uma velha tática dos embates políticos. Segundo Mészáros (2004), Weber ao defender a neutralidade axiológica, buscou desqualificar seus adversários ideológicos sem sequer lhe dar ouvidos. É por esse motivo que Singer se abstém de discutir a pauta do movimento, optando por desqualificá-la a priori, amparando-se em dados duvidosos que apresentam os manifestantes como jovens de direita e de classe média.
Além disso, ao escolher discussões efêmeras, Singer comete seu maior erro: não utilizar nenhuma linha para denunciar a intensa repressão das forças policiais sobre os manifestantes: atirando a queima roupa, ferindo centenas de pessoas, “plantando” provas, infiltrando agentes para criar situações de ataque policial, enfim, agredindo e emboscando pessoas sem terem cometido algo ilegal. Uma truculência absurda, apoiada por todos os governantes, tanto pelo petismo e seus aliados, como por suas oposições oficiais.
Outro dado trazido pelo autor diz respeito à idade dos manifestantes. Ele conclui que “apenas 2% deles tinham mais de 60 anos”. É importante informar que em todos os protestos a principal marca era o confronto com a polícia. Caro leitor, é possível imaginar que pessoas com mais de 60 anos seriam maioria em protestos com a frequência de pelo menos dois por semana, marcados por intensos confrontos com as forças policiais? Mas o autor não levou isso em conta. Portanto, é óbvio que o número de manifestantes com mais de 60 anos de idade seria infinitamente menor do que aqueles que tinham entre 18 e 30 anos! Com 1,5 milhão de pessoas nas ruas é claro que todas as classes sociais estavam representadas e com números mais expressivos para os mais pobres, extrema maioria. Desnecessário perdermos tempo refutando algumas dessas “evidências” do autor para defender a governança Plutocrática Neoliberal Dissimulada petista. É indignante ver esse tipo de postura intelectual.
Por que tantas discussões enviesadas compostas por insignificâncias? Por que não tratar do relevante? É pertinente esclarecer ao leitor alguns dados descuidados por Singer.
Os protestos começaram por uma grande indignação popular contra os custos dos transportes. As empresas concessionárias de transportes públicos do país possuíam altíssimos lucros em função de acordos espúrios com governantes, inclusive do PT, em troca do financiamento de campanhas eleitorais e outras benesses obscuras. Assim, os governos como forma de compensação pelo financiamento das campanhas, autorizaram aumentos sucessivos e acima da inflação das passagens de ônibus, trens, metrôs e barcas. Associado a isso, os gastos exorbitantes na preparação para a Copa do Mundo de 2014 com estádios de futebol, num país onde não existia saneamento básico para grande parcela da população, onde faltava seringa, maca, médicos e vagas em leitos nos hospitais públicos. Um país marcado pela ausência de uma política séria para a educação, habitação e outros direitos sociais básicos[26].
Os governados se indignaram, construíram barricadas e enfrentaram os soldados dos governantes penais nos maiores protestos da história do país, justamente sob o governo do PT, que fez de tudo para acabar com o movimento, seja através da legitimação da forte repressão sobre os manifestantes, seja buscando ideologicamente isentar a sua administração de qualquer responsabilidade sobre o descontentamento popular com amparo de intelectuais alinhados às suas ideias. Tudo isso porque o petismo não pôde admitir que aqui existe movimento popular e autônomo que rechaça enormemente suas políticas plutocráticas e liberalizantes.
Nas duas primeiras décadas do século XXI, os governados elegeram um operário e depois uma mulher, ex-guerrilheira, para a governança política do Brasil, ambos do PT, pois além do simbolismo, se apresentavam como oposição ao sistema plutocrático desavergonhado implementado pelo tucanismo. A despeito dessas simbologias, o país continuou o paraíso dos banqueiros.[27]
Uma das grandes novidades desse movimento insurgente vivido pelo país em 2013 foi não ter sido dirigido por partidos, nem sindicatos. Por isso cabe a eles desacreditá-los. Um absurdo erro de diagnóstico que só demonstra o quanto esses setores não souberam ler a história do Brasil e auxilia a explicar porque possuem cada vez mais menos legitimidade no seio da sociedade.
O movimento teve um forte cunho insurgente e foi muito difícil a sua construção realizada pelos diversos movimentos sociais autônomos no Brasil, que não fazem mais parte, há muito, do horizonte do PT, que se encastelou no poder e usufrui de suas benesses. Por consequência, sofreu os problemas de corrupção endêmica ligados a ele. [28]
Ademais, os petistas estiveram em todas as partes tentando impedir a revolta. Isso demonstra como o PT virou um partido que oblitera a luta em favor de seus interesses políticos egoístas em cargos no Estado, quando no passado ajudou a construir. A lógica de que o poder corrompe serve perfeitamente para o partido. Aliás, a história de um partido de origem socialista que abandona suas ideias e vira administrador do capital não é nova no mundo, muito menos de intelectuais ligados a eles que ocupando cargos no Estado abandonam sua independência intelectual e viram propagandistas das políticas do partido. Fato é que o PT abandonou suas origens e se transformou apenas em mais um dentre outros diversos pelo mundo afora. Em 2015, no seu segundo mandato, o governo Dilma montou um ministério dos sonhos do seu partido opositor oficial, tipicamente adepto das políticas neoclássicas, o PSDB.
A única diferença da tese de Singer para a de Arnaldo Jabor é que aquela isentou o governo de qualquer responsabilidade, enquanto Jabor primou por criticá-lo sempre que pôde. Façamos agora a análise das interpretações da esquerda oficial.
2.2 CARACTERÍSTICAS DAS ANÁLISES DA ESQUERDA OFICIAL
A interpretação da esquerda oficial apresenta-se como seguidora da tradição de Marx e Engels[29], todavia, embora dificilmente assuma, é devota da ressignificação materializada por Kautsky, Berstein e inúmeros outros teóricos que propuseram a chegada ao socialismo por meio da participação institucional. Normalmente, resumem tudo a um problema de gestão. Estão em grande medida juntas as análises do PSTU, de setores majoritários do PSOL, PCB, e dos sindicatos e intelectuais alinhados às suas ideias. Por isso, a principal demanda dos partidos e sindicatos da esquerda oficial foi “fora esse e aquele governante”, apresentando-se como solução eleitoral para ocupar o lugar mal gerido pelo político da situação. Enfim, tudo foi resumido a uma contenda eleitoral. Uma boa parte dos aparelhos sindicais, dos centros acadêmicos estudantis e todos os partidos reformistas trabalharam para difundir essa tese. Em função dessa lógica, eles precisaram estar em certa medida conectados com aquilo que foi amplamente propalado pelos oligopólios de comunicação de massa. Como não podiam se opor totalmente aos ditames midiáticos, suas posturas tenderam a ser centristas, fato que ajudou lateralmente a criminalizar os movimentos mais combativos da Revolta dos Governados.
Decerto, reiteramos o pressuposto metodológico, segundo o qual é importante verificar o lugar que ocupa o analista.[30] Pois bem, percebemos que as análises reformistas, geralmente ligadas a partidos políticos eleitoreiros, mesmo da oposição, portanto, oficialistas, tiveram uma interpretação ambígua do Levante. Por um lado, vislumbraram a manifestação como positiva, pois colocou em xeque os erros do governo (situação), ampliando suas possibilidades de se colocar como alternativa eleitoral (oposição). Por outro lado, como a insurreição popular nunca esteve sob seu controle, se mostrando arrediamente indomável, e, ainda, desaprovando todos os partidos políticos, esse viés interpretativo a criticou como sem direção, sem demandas claras, sem líderes, enfim, sem pauta e sem rumo.
Essa maneira de ler a conjuntura está diretamente embasada na presunção de quem se julga como portador das únicas e boas conceituações e, consequentemente, das soluções ideais para todos. Esse campo se apresenta como herdeiro do marxismo-leninismo com todos seus projetos centralizadores, hierárquicos, estatistas, arrogantes e embebido do juízo segundo o qual a vanguarda do proletariado deve dirigir todo e qualquer processo de insurgência. Não a respeitar, nem se subordinar a ela, constitui-se como uma aberração imperdoável. Na verdade, o que está posto é que esse setor não consegue criticar profundamente a hierarquização social, por consequência, legitima a dicotomia entre direção e base, em resumo, entre governantes e governados. É claro que o comando do processo deve lhes pertencer, pois do contrário, segundo pensam, ele será inconsequente. Essa esquerda autoritária se coloca como portadora da verdade revolucionária (mesmo estando estritamente ligada ao dogma institucional-conservador da plutocracia vigente) e, como verificamos ao longo da Revolta do Vinagre, não esteve aberta a fazer uma crítica de suas ações.
Num primeiro momento, esses partidos apoiaram o movimento. Inclusive, é importante dizer, muitos de seus militantes, sobretudo da sua juventude, foram valiosos para que ele ocorresse. Sem embargo, no ápice dos protestos, trabalhadores e estudantes não pertencentes a partidos políticos compunham a extrema maioria e isso assustou a esquerda tradicional, principalmente, porque o “povão”, com razão, não entende os seus signos reformistas. Por consequência, a esquerda oficial e os plutocráticos neoliberais dissimulados, que tentaram dirigir o processo, foram amplamente rechaçados nas passeatas em todo o Brasil, não conseguindo controlar de forma alguma a revolta popular, muito menos a sua pauta. Como resultado, mudaram o discurso. Passaram a interpretar as passeatas com ressalvas.
É crucial entender que existe uma forte crítica dos governados ao papel exercido pelos militantes de partidos políticos nos sindicatos, nos centros acadêmicos e, principalmente, nos parlamentos, prefeituras, enfim, nos governos, não sem motivos. Normalmente, eles se apresentam para dirigir os demais, segundo as teses de seus mentores intelectuais, Marx, Engels, Lenin, Trotsky, Stalin, buscando aparelhar toda associação para seus anseios políticos-eleitorais, mas se apresentando, curiosamente, como revolucionários. Nas próprias manifestações tentaram dirigi-las, colocando-se inclusive, nas primeiras passeatas, a frente de todos os demais, como que efetivamente liderassem seus “seguidores”. Um oportunismo sem tamanho que deixou outros setores indignados. Discutiremos isso quando expressarmos nossa análise do processo mais adiante.
2.2.1 ANÁLISES DA ESQUERDA OFICIAL SOBRE A REVOLTA DE 2013
No interior das análises da esquerda oficial está a pesquisa de Osvaldo Coggiola (2013), que faz uma leitura bastante crítica e persuasiva com relação aos governos expressando suas responsabilidades. Também faz um ótimo histórico do movimento sobretudo da cidade de São Paulo. Sua interpretação passou em revista todas as forças políticas, todavia chamou bastante a atenção como esse historiador esqueceu de algumas das mais emblemáticas de todo o movimento: os anarquistas, os autonomistas e aqueles que se juntavam e compunham a tática Black Bloc. Por que desconsiderar os setores mais combativos? Infelizmente, é muito comum historiadores marxistas olvidarem do papel exercido por anarquistas e por outros revolucionários ao longo da História (sobre esse assunto ver: Rocker, 2007; Lehning, 2004; Fontana, 2004).
Ao mesmo tempo, Coggiola tem uma interpretação do papel da CSP-CONLUTAS que não encontra eco na realidade histórica do movimento, colocando-a como muito diferente das outras centrais sindicais:
“Nos poucos lugares onde houve atividades combativas (Fortaleza, Porto Alegre, São José dos Campos, Belém, Natal) foi notório o trabalho da CSP-Conlutas, apesar desta representar somente 2% do movimento sindical” (Coggiola, 2013).
Podemos dizer sem medo de errar que a CSP-CONLUTAS não participou na linha de frente de nenhum ato combativo no Rio de Janeiro durante a Revolta do Vinagre, e ainda criticou veementemente os setores populares participantes dela.
A interpretação de Mauro Iasi (2013), candidato a Presidente da República pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro) nas eleições de 2014, expressou perfeitamente a preocupação da esquerda oficial e institucional marxista, em associação com leituras plutocráticas. A questão da ausência de direção na Revolta dos Governados apareceu em seu texto como um grande problema:
“Por isso, não nos espanta que a explosão social se dê da forma como se deu e traga os elementos contraditórios que expressa: despolitizada e sem direção, ainda que com alvos precisamente definidos: os governos e aquilo que representa a ordem estabelecida” (Iasi, 2013).
Chama a atenção como Iasi compreendeu bem que os alvos dos manifestantes foram os governos e tudo que representava a ordem estabelecida. Mas, paradoxalmente, asseverou que a manifestação era despolitizada! Como ele pode dizer que a manifestação era contra o governo e a ordem estabelecida, porém despolitizada ao mesmo tempo? Uma pista para entendermos essa incongruência é que a utilização do termo despolitizado só pode ser entendida junto com a ausência de direção. Assim, a politização só pode vir associada com o comando estabelecido, uma espécie de comitê central.
É o velho preconceito marxista-leninista contra as organizações horizontais e sem vanguardas estabelecidas. A politização só pode existir, de acordo com esse setor, se tiver sob o comando de um partido político marxista, supostamente revolucionário.
Não obstante, é necessário ressaltar que Iasi, apesar de algumas incongruências, fez uma análise bastante radicalizada e justificou a violência dos manifestantes contra as instituições do “Estado burguês”. Assim, se assemelhou às interpretações, nesse aspecto, do campo revolucionário, pois, afinal de contas, deveria ser óbvio para todos, inclusive para os marxistas, pensamos, que aquilo que caracteriza uma revolução é a liquidação das velhas instituições existentes e isso não será feito somente na base do amor.
A postura do intelectual do PCB foi em certa medida diferente da de outro partido marxista, o PSTU, que foi incapaz de assumir uma posição combativa. Entretanto, em comum leram que existia um forte crescimento de um movimento fascista.
“Há uma terceira violência e esta não é espontânea e emocional como as duas primeiras: a extrema direita. Ela, lá dos esgotos para onde foi jogada pela história recente, se sentia também ofendida e agredida – evidente que não pela ordem burguesa e capitalista que sempre defendeu, mas pelo irrespirável ar democrático que acertava as contas com nosso passado tenebroso, como a denúncia contra o golpe de 1964 e seus sujeitos, com as comissões da verdade, mas sobretudo o mal estar desta extrema direta com um regime político que permite a organização dos trabalhadores e sua expressão, mesmo nos precários limites de uma democracia representativa de cooptação. (…)Por isso nos atacam, usam das manifestações para acertar suas contas com a esquerda, de forma organizada, intencional e, certamente, com apoio formal ou informal dos aparatos de repressão” (Iasi, 2013).
Fora a crítica à ausência de direção do movimento, a análise de Iasi foi exemplar e conseguiu compreender a rejeição de todos os partidos políticos pelos governados como algo justificável, sobretudo pela experiência que os populares têm com relação à representação política e à tentativa oportunista dos partidos que buscam apresentar-se como dirigentes do processo com vistas a capitalizar para efeitos eleitorais. Vejamos.
“O comportamento contra os partidos é compreensível, ainda que não justificado. Compreensível por dois motivos: as massas, graças à triste experiência petista, estão cansadas de partidos que usam as demandas populares para eleger seus vereadores, deputados e presidentes que depois voltam as costas para estas demandas para fazer seus jogos e alianças para manter seus cargos; também, acertadamente, não podem aceitar que certos partidos pulem na frente de manifestações e movimentos para tentar dirigi-los sem a legitimidade de ter construído organicamente as lutas” (Iasi, 2013).
Em diapasão diverso, mas dentro do veio reformista/estatista, estão as análises dos intelectuais ligados ao PSTU, partido trotskista que se apresenta como revolucionário, embora sua prática mostre uma profunda contradição nos seus termos.
É impressionante como um texto de Valério Arcary (2013) [31], um intelectual ligado, à época, ao PSTU, criticou veementemente o grito do “sem partido”, mas defendeu a palavra de ordem do “sem violência”, ambas propaladas pelos nacionalistas nas passeatas. Essa postura ajudou a legitimar a repressão sobre os coletivos e indivíduos mais radicalizados da linha de frente. Vejamos.
“Gritar “sem violência” não é o mesmo que gritar “sem partidos”. Quando gritamos juntos “sem violência” estamos denunciando a presença de provocadores infiltrados da polícia que querem oferecer um pretexto para a repressão” (Arcary, 2013).
Essa, aliás, foi a linha adotada pelo PSTU em todo o processo. Como um partido vertical, centralizado e hierarquizado, as opiniões públicas de seus militantes não podem destoar daquilo que é estabelecido pela direção do partido. Pelo que pudemos ver pelas atitudes de seus filiados e textos divulgados, os anarquistas, autonomistas e mesmo grupos marxistas revolucionários foram considerados quase como inimigos de classe, combatidos com toda a força pela aglomeração política. [32] Foi similar à reedição daquilo que Trotsky fez na Ucrânia, em Kronstadt e com os anarquistas em geral na Rússia, que defendiam o aprofundamento da revolução de 1917 com todo poder aos sovietes.[33]
No afã de desqualificar o anarquismo, Henrique Canary (2013a), também dirigente do PSTU, em 2013, tentou, da maneira mais grotesca possível, associar o anarquismo com o liberalismo de Margareth Thatcher.
Outro texto de Canary (2013b) argumentou que o anarquismo é contra o Estado. Não obstante, omitiu, sorrateiramente, que é também contra o capitalismo e a propriedade privada.[34] Esses sérios problemas teóricos mostram como algumas pessoas, sem sequer terem lido os autores principais do anarquismo, buscam desqualificar a ideia por argumentos sem fundamentos no real, quase que por delírios intelectuais. [35]
Marcelo Badaró (2013), dirigente e um dos principais intelectuais do PSOL, no dia 22 de junho de 2013, dois dias após a maior manifestação da história brasileira, vaticinou que os protestos não poderiam prosseguir enquanto a esquerda (oficial) não detivesse a direção, pois o risco da reação conservadora dirigir o movimento era grande demais. Vejamos sua defesa.
“Frente à contra-ofensiva da reação conservadora burguesa, porém, o terreno das ruas está agora bastante minado para essas mesmas esquerdas e seus movimentos. Para manter-se nele será preciso um salto: é necessário construir unidade em torno de um programa mínimo de intervenção e só se pode convocar novas manifestações com um grau de organização muito maior. Fóruns, plenárias e espaços de articulação precisam ser criados imediatamente. Novas manifestações não poderão ter apenas o (belo) perfil de festa popular, sem liderança coletiva ou objetivos claramente delimitados (onde começar, onde e quando parar e para quê), pois a reação conservadora aprendeu a lidar com os atos, disputou sua direção e pode tomá-los para seus objetivos políticos (Badaró, 2013, grifos nossos).”
Essa análise foi a primeira de um intelectual dirigente do maior partido da esquerda oficial após o 20 de junho. Suas articulações políticas colaboraram para levar ao desbarate do Levante Popular no Brasil. Todos os partidos dessa oposição institucional se reuniram em uma plenária no SEPE-RJ[36], no dia 24 de junho, e definiram aquilo que achavam correto acontecer: “acabar com o movimento até que a esquerda detivesse a sua direção”. Passaram por cima da plenária que vinha construindo os atos até então, sem o menor pudor, e disseram para elas aquilo que deveria ser feito: “as manifestações tinham que ficar sob a direção dos sindicatos”, que, todos sabemos, são conservadores, extremamente institucionalizados e com considerável parte ligada ao governo federal de então. Vejamos tal indicação na exata continuidade do trecho de seu texto supracitado:
“A entrada em cena dos sindicatos, ainda muito tímida, a presença do MST nos atos de ontem e as ações de outros movimentos sociais urbanos, como MTST, apontam para a possibilidade concreta de que tal salto se materialize numa frente da nova geração de manifestantes com as parcelas ainda combativas dos movimentos organizados da classe trabalhadora. Quando isso acontecer, deixaremos de ser uma multidão para ganharmos um perfil de classe. Por enquanto, isso é só uma possibilidade (Badaró, 2013, grifos nossos).”
Como em mais um trecho desse texto histórico e contra-insurgente, ele finaliza com maior clareza impossível:
“as ruas precisam voltar a ser nossas” (Badaró, 2013).
A partir dessa profecia autorrealizável,[37] as ruas voltaram a ser da esquerda oficial quase que exclusivamente, pois os governados ficaram amedrontados com o fantasma do fascismo tão propalado pelos intelectuais desse campo. O ato do dia 24 de julho foi boicotado pela esquerda oficial e até pelos revolucionários em solidariedade, quebrando o calendário de protestos, pois até então ocorriam manifestações às segundas-feiras e às quintas-feiras. Isso foi importante para acabar com a ascensão do movimento e desafogar os governos que estavam completamente acuados. É fundamental resgatar que, naquela semana do dia 20 de junho, na qual Badaró alertou que o movimento não pertenceu à esquerda, foi justamente o da maior vitória, quando ocorreu a revogação dos aumentos dos preços dos transportes públicos em grande parte do país, em função da pressão dos governados nas ruas.
No dia marcado para a manifestação, 27 de junho de 2013, estavam todas as centrais sindicais, algumas delas com diversos “militantes” pagos e muitos seguranças, enquanto a grande massa popular esteve ausente.
Após esse dia, ampliava-se o fosso que dividia a esquerda oficial burocratizada dos setores combativos. Depois da traição da esquerda oficial, foi difícil trazer os populares novamente para as ruas e os coletivos revolucionários perceberam que não podiam confiar nos estatistas. [38]
Nesse interim, os grandes oligopólios de comunicação de massa no país aproveitaram para usar o discurso petista, referendado pelos representantes da esquerda institucional, dizendo que o movimento continha elementos de fascismo, pois atacava as instituições supostamente democráticas. Incubava-se o discurso criminalizador dos insurgentes, forjando um suposto consenso na sociedade.
Por fim, essas análises, ao criticarem a insurreição dos governados por não possuírem uma direção definida com um comando centralizado, bem como o apreço por alguns signos nacionalistas, cometeram duplamente o epistemicídio e a negação da auto-instituição social. Também foram portadores da “miopia política” (Bringel, 2013) que restringe a vida pública a sua dimensão institucional-eleitoral. O fato de trazerem receitas prontas de formas de lutas constitui igualmente uma imposição aos insurgentes, não tolerada pelos governados e seus diversos coletivos autônomos, horizontais. Talvez isso explique parte do rechaço dos manifestantes aos partidos políticos oficiais.
2.3 A INTERPRETAÇÃO DOS PROTO-FASCISTAS PLUTOCRÁTICOS
O Brasil, diferente de outras partes do mundo, não tinha uma tradição de grupos numerosos ou de um pensamento pujante de orientação fascista ou proto-fascista. Fizemos uma pesquisa ainda em 2013 para encontrá-los, mas infrutífera. O que existiam eram grupos minúsculos e com pouquíssima penetração social. Nas principais universidades do país, desconhecíamos intelectuais que assumissem, com clareza, essa postura e menos ainda coletivos ou movimentos sociais. Não obstante, a partir de 2014, o medo de novos protestos massivos que pudessem, inclusive, desembocar em processos revolucionários/contestatórios/insubmissos fez com que as elites financiassem think tanks (grupos formadores de opinião e difusores de ideias compostos geralmente por pessoas muito bem pagas para exercer exclusivamente essa função) para propagação das ideias conservadoras, no plano comportamental, e de cunho bastante liberal, na economia. Esse pensamento ganhou espaço, desembocando na candidatura de Bolsonaro. Tudo isso aconteceu, por incrível que pareça, em função do êxito das manifestações, quando as autoridades foram fortemente questionadas pelas ruas.
Em resumo, essa reação foi impulsionada por muito dinheiro e o consequente domínio das redes sociais por think tanks plutocráticos neoliberais/conservadores/protofascistas, como o MBL (Movimento Brasil Livre), criado em final de 2014, e por setores ligados aos militares e ao pensamento conservador protestante (chamado no Brasil por evangélicos), que apoiaram as candidaturas de Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro e outras semelhantes pelo Brasil afora. Mas antes de discutir sobre o papel desses grupos, vejamos rapidamente um pouco do histórico do pensamento autoritário no Brasil.
Na história política brasileira, o grupo de orientação fascista que mais se destacou foi a Ação Integralista Brasileira (AIB) na década de 1930, sob a liderança de Plínio Salgado. Esse grupo surgiu na esteira do fascismo europeu e mesclava tons fortemente nacionalistas, hierárquicos, disciplinadores e autoritários, com alguns toques típicos da nossa origem tupiniquim. Atualmente, os herdeiros de Plínio Salgado estão organizados na Frente Integralista Brasileira e será sobre seus textos públicos que faremos a análise da postura fascista sobre o Levante em 2013. Depois abordaremos a postura do MBL e do grupo de Bolsonaro que só se pronunciaram posteriormente.
Eduardo Ferraz (2013) (Membro do Conselho Diretivo Nacional e Secretário de Expansão da Frente Integralista Brasileira) acusou a esquerda oficial de ter realizado atos de vandalismo nos protestos, mostrando uma foto de integrantes do PSTU com algumas pessoas, queimando objetos na rua. Vejamos:
“Conforme pode ser observado na imagem acima, atos generalizados de vandalismo foram registrados enquanto organizações de esquerda monopolizavam os primeiros protestos” (Ferraz, 2013).
A passagem acima está totalmente fora da realidade, demostrando que realmente os integralistas não estavam nos protestos pelo simples motivo: o PSTU e seus militantes não participaram de nenhum ato de ataque às instituições, nem compuseram a resistência popular diante da violência das forças policiais, muito ao contrário. O texto ainda condena o confronto com a polícia, bem como os ataques às instituições realizados por populares, pelo MPL e outros coletivos libertários e combativos.
Depois de serem acusados pela esquerda oficial de terem-na massacrado nas ruas, o presidente dos integralistas, Barbuy (2013b) respondeu afirmando que estavam nas ruas de cara limpa, uma referência as camisas nos rostos utilizadas por black blockers.
“Em verdade, os integralistas têm, sim, participado, e ativamente, das referidas manifestações, mas, diversamente do que afirma a sempre mentirosa escória vermelha, de peito aberto e rosto descoberto e lutando não para dissolver as manifestações, mas sim para orientá-las num sentido verdadeiramente orgânico de luta por um Brasil Maior e Melhor, livre dos males do liberalismo, do comunismo e de outras ideologias apátridas e materialistas modernas, e de edificação, no Brasil, de uma autêntica Democracia Integral. E não atacamos os “esquerdistas” senão com ideias e palavras (…).”
Os integralistas fizeram uma manifestação no início de julho de 2013 para testar a sua popularidade, já que a esquerda oficial e os petistas atribuíram-lhe um enorme poder. Em alguns estados apareceram algumas pouquíssimas pessoas, não chegando nem a duas dezenas. A maior concentração aconteceu em São Paulo que não contou com mais de cem participantes.
A verdade é que os integralistas não tinham a força que a esquerda lhes atribuiu, nem estavam pregando a destruição das instituições como alardearam; todavia, defendiam uma intervenção militar, típico de suas características, senão, vejamos:
Aqueles (nos nossos protestos) que pediam uma intervenção militar não desejavam a implantação de uma ditadura, mas sim que as Forças Armadas, visando preservar a lei, a ordem e as instituições, fizessem cair por terra um (des)governo que viola a lei e é incapaz de assegurar a ordem e de defender as instituições, devolvendo o poder aos civis assim que possível (Barbuy, 2013).
Além de reivindicar um golpe militar para garantir a ordem e as instituições, os integralistas, através de seu presidente, também reivindicaram uma nova Constituição. [39]
Dada a falta de força e de penetração social dos integralistas, especialmente no Rio de Janeiro, suas demandas sequer tiveram eco nas manifestações insurgentes.
Não obstante, depois de um ano de intensa propaganda nas redes sociais e com o apoio de parte dos oligopólios de comunicação de massa (governantes socioculturais), surgiu o MBL (com suas candidaturas de jovens que buscaram se apresentar como portadores do legado de 2013) e se concretizou a candidatura de Bolsonaro como deputado federal, representando a “ordem”, que na sua visão seria exatamente o oposto ao significado de 2013. Eles aproveitam para criticar suas oposições oficiais.
A família Bolsonaro (Jair, pai, deputado federal e candidato à presidência em 2018; e filhos: Eduardo, deputado federal; Flávio, deputado estadual; e Carlos, vereador) junto com outro ícone do pensamento conservador no Brasil desde 2014, Marco Feliciano, tentaram associar os Black Blocs ao PSOL e, pasmem, em algumas entrevistas até ao PT, suas oposições oficiais nas eleições. Ao mesmo tempo, exigiram a prisão dos black blockers e evidentemente condenaram a quebradeira de vidraças dos bancos e o uso de bombas e fogos de artifício pelos de preto, chamando-os categoricamente de bandidos.[40]
Uma fala de Jair Bolsonaro logo no início das manifestações foi bem emblemática, representando bem o seu sentimento com relação aos Black Blocs:
“Bandidos disfarçados de estudantes, orientados por partidos políticos (PSOL e PT) promovem destruição” [41]
Em pesquisa que realizamos sobre a posição do MBL acerca de 2013, só identificamos uma passagem que criticou as manifestações em sua página no Facebook[42], justificada, como já falamos, em função de o grupo ter sido criado em dezembro de 2014. Nessa passagem o grupo atribui a existência do Black Bloc como coletivo sem propósito e violento, criado pela extrema esquerda e a seu serviço. Eles, estupidamente, apresentaram a extrema esquerda como composta por militantes de partidos políticos oficiais e institucionalizados que participam das eleições. Vejamos.
“Quando a extrema-esquerda perdeu totalmente o controle da situação, chegando até mesmo a ser expulsa das manifestações por levarem suas bandeiras partidárias, ela passou a usar a tática Black Bloc, gerando caos e violência sem fim que durou por meses ininterruptos.”
Simultaneamente, eles aproveitaram para destilar todo seu ódio contra os estudantes que ocuparam escolas em 2016, lutando por melhorias na educação, também os ligando ao Black Bloc.
“Tudo isso é muito parecido com o que acontece agora” (2016), “no caso das invasões nas escolas. No começo, o movimento surgiu diretamente da extrema-esquerda. Por puro desconhecimento, muitos acabaram aderindo a ideia acreditando que eles estavam mesmo ‘lutando por educação’. Aí o tempo passou e, como de praxe, perceberam que a luta era ilegítima, e que tudo não passava de engodo partidário. Quando começou um movimento contrário, para a desocupação dos locais invadidos pela extrema-esquerda, os Black Blocs começaram a surgir, e junto veio a violência organizada.”
No fim do texto, o autor apresentou seu veneno final, exigindo a criminalização pura e simples dos black blockers:
“No atual momento, a moral desse movimento de invasões já está completamente deteriorada. Os Black Blocs apareceram para fazer o que fizeram em 2013; deslegitimar ainda mais o que já era ilegítimo. Além disso, agora existem razões suficientes para a polícia agir de maneira enérgica. O jogo acabou para eles, só é preciso dar os golpes finais.”
O mais curioso foi perceber que os Black Blocs causaram uma celeuma entre esquerda e direita oficiais, materializada quando uma acusava a outra de estimular e compor os Black Blocs. Ambas precisavam acusar aqueles de preto que destruíam os símbolos do capital e do Estado, tão defendidos por eles.
Em muitas dessas acusações estava o componente da violência, supostamente perpetrada pelos Black Blocs. Sobre esse assunto, a passagem de Ludd (2002: 12) é bastante significativa para elucidar a questão:
“Certamente categorias tão carregadas de peso moral como violência e não-violência têm tudo para se tornarem artifício retórico reacionário no contexto de levantes populares. Todas as ‘greves selvagens’ e insurreições populares, dos communards aos zapatistas, sempre foram pelo menos em algum momento – até quando os defensores da ordem estabelecida puderam sustentar seus discursos – descritas como irrupções de violência, na tentativa de isolá-las, criminalizá-las e desqualificá-las moralmente. Se levarmos em conta que as ações dos Black Blocs nessas manifestações–bloqueio feriram sem gravidade no máximo apenas alguns poucos policiais, enquanto milhares de manifestantes saíram feridos pelas investidas policiais, taxá-los de “violentos” deveria ser algo risível, e só demonstra quanto aqueles que assim os rotulam ainda se encontram imersos e devedores da moral e da ordem burguesa. (…) Com certeza não se deve deixar de criticar ou discordar das ações dos Black Blocs com base em aspectos táticos ou de efetividade, caso a caso, mais o simples apelo à categoria moral violência, quando se estar a enfrentar a força repressiva do Estado, faz tanto sentido quanto atirar balas de borrachas ou prendê-los. Ou seja, só faz sentido, só é racional, para aqueles que consciente ou inconscientemente defendem a ordem instituída e a vida miserável naturalizada no capitalismo.”
2.4 CARACTERÍSTICAS DAS ANÁLISES REVOLUCIONÁRIAS
A quinta possibilidade de interpretação da revolta dos governados é a revolucionária e almejamos contribuir para a sua sistematização. Estão nesse campo as análises anarquistas, de alguns grupos marxistas revolucionários, portanto, não eleitoreiros, e de muitos pequenos coletivos autonomistas e populares sem uma clara definição ideológica. Defendem o socialismo, uns com total liberdade e outros com um poder popular ainda gerido por alguns representantes. Eles tentaram transformar esse processo em Revolução Social (Bakunin, 2008; Kropotkin, 2007), ou auto-instituição social (Castoriadis, 1982), ou poder constituinte da multidão (Hardt e Negri, 2001), por meio da ação direta (Makhno, 2001; Gelderloos, 2011).
Esse campo não tinha penetração nos aparelhos sindicais, não tinha verbas dos partidos políticos, espaço nos oligopólios de comunicação de massa, políticos nas casas legislativas e muito menos empresários para financiar suas ações. Os intelectuais alinhados a eles eram em número muito pequeno, se comparado com os outros campos. Essa leitura foi a única que defendeu o Levante Popular em sua totalidade. Suas críticas foram pontuais, mas não desmereceram o todo. Rejeitaram veementemente os principais pilares do status quo: o Estado e todas as suas instituições de controle, como a polícia; a plutocracia representativa, com todos seus políticos e partidos, e sua corrupção endêmica; os oligopólios de comunicação de massa e suas mentiras; e o capital, em geral, seja representado nos bancos, seja nos donos das empresas de transportes. Essas análises, amparadas fortemente no histórico de exploração e na subjugação das classes trabalhadoras, não condenaram a sua resistência aos ataques policiais e entenderam perfeitamente a Revolta contra as instituições estatais e do capital, que historicamente foram as responsáveis pela sua subordinação. Para esse viés, o Levante foi algo muito saudável para os anseios de democratização política, econômica e social no Brasil.
Exaltaram, destarte, as reivindicações e a resistência popular, consequentemente entenderam o enfrentamento com a polícia como forma de autodefesa, não criminalizando a quebra das vidraças dos bancos e outras instituições do Estado opressor. A redescoberta da ação direta popular de massa foi absolutamente vangloriada.
Estão nesse campo, as análises de MPL (2013), Bringel (2013), Vainer (2013), Ferreira (2015), Locatelli (2013), da coletânea de estudos da Universidade Nômade[43] e de Igor Mendes (2017), um dos principais ativistas da Revolta, preso exatamente por isso. Ainda tivemos outras perspectivas que se enquadram em parte nesse campo, como a de Gohn (2014).[44] Comecemos pela análise do próprio movimento impulsionador da Revolta – Movimento Passe Livre de São Paulo (MPL).
O Movimento Passe Livre, um dos que impulsionaram a Revolta dos Governados, se reivindicaram independente de todos os partidos políticos e em oposição clara às políticas adotadas pelo petismo (Movimento Passe Livre, 2013; Löwy, 2014).
No interior dessa perspectiva de negação da institucionalidade e de valorização da ação direta nas ruas, entendendo que somente essa faz a mudança da política, o movimento, inclusive, se negou a conversar com a presidente da República.
Para construção de suas teses, o movimento resgatou todas as lutas contra o aumento das tarifas no Brasil. Ao fazê-lo, percebeu que todas as vitórias aconteceram em função da ação direta. Ao mesmo tempo, denunciou:
Entidades estudantis aparelhadas por grupos partidários se colocaram como lideranças e passaram a negociar com o poder público em nome dos manifestantes. Após barganhar meias concessões com os governantes, sem atingir a revogação do aumento, utilizaram-se de todos os meios possíveis para desmobilizar a população (MPL, 2013:14).
Diferente das análises oficiais, o MPL exaltou aquilo que ocorreu de concreto: a reversão do aumento das passagens em mais de cem cidades do país, fruto simplesmente da ação direta e do protesto permanente. Governadores e prefeitos de todos os partidos, independente da coloração ideológica, tiveram que atender as reivindicações das ruas.
O texto do movimento terminou com o seguinte trecho que nos dá uma completa dimensão do debate:
A organização descentralizada da luta é um ensaio para uma outra organização do transporte, da cidade e de toda a sociedade. Vivenciou-se, nos mais variados cantos do país, a prática concreta da gestão popular. Em São Paulo, as manifestações que explodiram de norte a sul, leste a oeste, superaram qualquer possibilidade de controle, ao mesmo tempo que transformaram a cidade como um todo em um caldeirão de experiências sociais autônomas. A ação direta dos trabalhadores sobre o espaço urbano, o transporte, o cotidiano da cidade e de sua própria vida não pode ser apenas uma meta distante a ser atingida, mas uma construção diária nas atividades e mobilizações, nos debates e discussões. O caminho se confunde com esse próprio caminhar… (MPL, 2013: 17-18).
Carlos Vainer (2013a) foi outro que leu as manifestações como algo muito positivo para o país. Sua análise discutiu os diversos modelos de cidade que estavam em jogo, sobretudo o neoliberal “de exceção como democracia direta do capital”. Depois de elencar uma série de fatores impostos pelo neoliberalismo, como a “favelização, informalidade, serviços precários ou inexistentes, desigualdades profundas, degradação ambiental, violência urbana, congestionamentos e custos crescentes de um transporte público precário e espaços urbanos segregados”, conclui da seguinte maneira: “nesse contexto, o surpreendente não é a explosão, mas que ela tenha tardado tanto” (Vainer, 2013a: 39).
A construção das teses de Vainer levou em conta os diversos movimentos populares existentes no país, que na maioria das vezes foram simplesmente ignorados pelas outras matrizes teóricas. Por fim, sua leitura indicou as limitações que os partidos políticos encontraram no contexto atual de representação social em função da falta de legitimidade junto à sociedade, por isso pediu que eles não se apresentassem como dirigentes do movimento justamente para não frear a luta (Vainer, 2013b).
Bringel (2013) ampliou o debate para questões metodológicas. Assim, apontou, com bastante propriedade, algumas miopias presentes nos debates sobre o Levante e destacamos duas delas como forma de ajudar a entender o processo:
a) miopia temporal presente/passado: segundo a qual as gerações de militantes buscam valorizar mais os movimentos insurrecionais nos quais participaram com maior veemência. Assim, as gerações que participaram de lutas sociais no passado no Brasil, em destaque para aquelas em contrário à ditadura civil-militar, tendem a valorizá-las mais em detrimento da Revolta atualmente. As novas gerações ativas no processo de 2013 tendem a fazer exatamente o oposto. Em ambos os casos, afirma Bringel, há um problema sério de memória histórica e de transvase intergeracional na militância.
b) miopia da política: “restringe a vida política à sua dimensão político-institucional, limitando as possibilidades de compreensão da reinvenção da política e do político a partir das práxis sociais emergentes” (Bringel, 2013). Associada a essa, destacamos aquilo que o autor chamou de miopia dos resultados, que podemos incluí-los aqui, pois tende a restringir a interpretação das revoltas populares a impactos políticos no cenário eleitoral.
Bringel relatou muito bem como os manifestantes dirigiram suas críticas mais contundentes aos banqueiros e especuladores, ao sistema representativo, aos partidos tradicionais, às formas convencionais e hierárquicas de organização política, como sindicatos e movimentos sociais ligados ao aparelho estatal. Nesse sentido, ele faz um pertinente paralelo com o Occupy nos EUA.
A partir dos resultados de suas entrevistas, Bringel descreveu que as pessoas demonstraram seu descontentamento principalmente contra o funcionamento dos serviços públicos como: transportes, saúde, educação e outros:
(…) apelam aos altíssimos custos (não somente econômicos, mas também sociais, ambientais, culturais e políticos) da Copa e dos Megaeventos a serem realizados no país, com destaque para o Rio de Janeiro; jovens da classe média baixa e das periferias indignam-se pela persistência profunda das desigualdades e revelam uma indignação de classe e de opressão permeada pelas fraturas, as segmentações e o classismo e racismo da sociedade brasileira(…) (Bringel, 2013).
Além disso, esse autor alertou para o fato de que “mobilizações de massa nem sempre são controladas pelas organizações sociais e políticas, menos ainda em nossos tempos, onde emerge um novo tipo de ação política viral, rizomática e difusa” (Bringel, 2013).
Ele constatou ainda que os jovens querem participar da vida política do país, mas não encontram espaços para isso: “para muitos deles, conselhos, fóruns e espaços institucionalizados não são suficientes e mostraram seus limites nos últimos anos” (Bringel, 2013).
Indubitavelmente, Bringel percebeu que o espírito de 1968 ecoou nas mobilizações sociais do Brasil, sobretudo, concepções de política, formas de organização e de ação coletiva, pois “os participantes criticaram a centralização, a hierarquização e as perspectivas de mudança social da velha esquerda, defendendo a autonomia, a organização horizontal e reticular, a pluralidade de identidades associadas à política do cotidiano e a importância de uma mudança social que contemple a transformação do próprio indivíduo” (Bringel, 2013).
Outra interpretação nesse mesmo veio está organizada no livro de Cava e Cocco (2014). Com base na metodologia e nos conceitos defendidos por Hardt e Negri (2001) e Negri (2002), três dezenas de autores (militantes e intelectuais) versaram sobre diferentes temas diretamente ligados ou que perpassam sobre a Revolta. Desde o papel das redes sociais até os Black Blocs constituídos. Todos valorizaram a revolta como ela foi, apenas com críticas pontuais, quando as tinham. Muitos fizeram questão de relacionar a luta no Brasil com o novo ciclo de luta planetária e suas perspectivas por fora da institucionalidade. A luta e a horizontalidade do movimento foram vangloriadas.
Hardt (2014), no prefácio do livro, apresentou duas teses sobre a organização do movimento em um mesmo parágrafo. Dividiremos em duas partes para podermos discuti-las separadamente, embora tenham profunda conexão. A saber:
Dizer que as revoltas surgidas nas ruas de Rio e São Paulo, em 2013, foram organizadas na forma da multidão significa dizer que, – em vez de dirigidas pelo partido ou uma direção centralizada ou mesmo um comitê de lideranças acima das massas, – os movimentos foram auto organizados, conectados horizontalmente pelo território social.
Essa interpretação está corretíssima, resumindo muito bem a perspectiva adotada pelos demais autores do livro, e em consonância com as outras leituras do campo que denominamos de autonomistas/revolucionárias.
Todavia, a continuidade do parágrafo encontra equívocos de análise, vejamos:
Os movimentos não foram (e não se esforçam por ser) unificados e homogêneos, mas sim encontraram meios adequados para exprimir suas diferenças e antagonismos internos – e apesar de (ou por causa de) suas diferenças, descobriram maneiras de compartilhamento e cooperação, gerando uma série de demandas e perspectivas agrupadas na luta. Tal multidão não é desorganizada e não se forma espontaneamente, ao invés disso, ela requer uma atividade constante e intensa de organização.
A argumentação de Hardt é real apenas em parte, pois de uma maneira ou de outra a maioria dos movimentos tentou impor a sua pauta como a de todos. Por incrível que possa parecer, foi exatamente essa tentativa que impediu que um movimento se impusesse a outro, pois nenhum tinha força suficiente para hegemonizar a revolta. Aqueles que mais trabalharam para impor a sua pauta aos outros foram os militantes dos partidos políticos eleitorais. Todavia, justamente por isso, foram os mais rechaçados pelos governados – que gritaram “sem partido”.
Ao mesmo tempo, a Revolta dos Governados mostrou o quanto os partidos eleitorais carecem de legitimidade social ou mesmo de força popular. No meio da multidão seu número foi absolutamente irrelevante e por isso alguns deles apanharam nas ruas em contendas com grupos obscuros e autoritários que não queriam a presença de bandeiras de partidos políticos nos protestos.
Os militantes dos partidos políticos da esquerda oficial não ganharam solidariedade popular nem nesse momento. No fundo, como tradicionalmente dirigiram o movimento institucional de reivindicação e protestos, estes não se contentaram em participar do Levante como mais uma força atuante. Por defenderem a centralização, a hierarquia e, por terem contato direto com o poder institucional, relacionando-se com ele sempre que necessário, buscaram se apresentar como representantes da massa. Assim, a perspectiva de Hardt para esse caso exclusivo não se confirmou. Ela foi certeira no que diz respeito aos movimentos mais libertários que têm ojeriza a todo tipo de direção, mas para os demais, a tentativa de impor a sua pauta foi constante. Mesmo os Black Blocs impuseram a sua pauta por meio da propaganda pelo ato e pelo protesto permanente. Todos puderam ver aquilo que eles almejavam, ou que eram contrários, por meio de suas ações, as quais também se impuseram ao movimento. Pari passu, os anarquistas, autonomistas e marxistas revolucionários tinham sim uma pauta e a contrapuseram o tempo todo a dos partidos políticos eleitorais em todos os fóruns e nas próprias ruas. Os chamados nacionalistas foram os que mais rechaçaram os partidos políticos através de gritos de “sem partido”. Estes também tinham uma pauta, mas bem recuada e no interior da institucionalidade, tal como os partidos, embora fossem distintas.
As análises de Cocco (2014) chamaram a atenção para a legislação criada ad hoc para enquadrar os manifestantes criminalmente. No mesmo sentido Toledo (2014) tocou na forma de existência e de atuação da polícia nos protestos, refutando-a e relacionando-as com a guerra instaurada para garantir o poder. Uma guerra contra os pobres e os insurgentes.
Por uma perspectiva revolucionária, amparada nas teses da antropologia política, Andrey Ferreira (2015) chamou a atenção para o fato de “o movimento multitudinário semi-insurrecional de Junho de 2013” ter explodido durante uma festa popular (Copa das Confederações). Para tanto, o autor fez um resgate de alguns aspectos da cultura brasileira, utilizando-se de conceitos de Bakunin e Roberto da Mata, concluiu que junho
“expressou em todos os domínios (política, cultura, economia) as contradições entre uma estrutura social hierárquica e centralizadora e uma antiestrutura que se pretendeu horizontal, democrática e igualitária (nas formas dos Black Bloc, Mídias Alternativas, Oposições Sindicais)”.
Assim, Ferreira produziu uma forma específica de análise do Levante de 2013, associando a “festa popular” com as manifestações, segundo a qual “os protestos de junho devem ser interpretados como parte de um processo de transformação cultural e simbólico, como uma revolta associada à ruptura com um aspecto central da cultura hegemônica, o mito da pátria de chuteiras” (Ferreira, 2015).
Em resumo, Ferreira (2015) interpretou o ataque dos manifestantes contra os bancos como resultado da luta do trabalhador contra o poder da financeirização, iniciando uma espécie de revolução cultural, justamente durante aquilo que tinha tudo para ser a maior festa popular brasileira (Copa do Mundo da “pátria de chuteiras”), constituiu-se no maior Levante da História do país. Por consequência, o autor se enquadra e colabora para aquilo que chamamos de interpretação revolucionária da Revolta dos Governados.
Outrossim, Locatelli (2013) acompanhou os protestos junto com o MPL de São Paulo, descrevendo suas ações, seus interesses e as justificativas do movimento, por uma perspectiva histórica. A partir do seu relato, podemos perceber a pauta anticapitalista do movimento, bem como a valorização dos princípios clássicos do anarquismo como “ação direta”, “protesto permanente”, “horizontalidade” e profunda desconfiança nas instituições estatais e seus governos, embora o autor não tenha feito essa conexão com o anarquismo. Portanto, é salutar destacar que Locatelli (2013) produziu uma análise também como observador participante do movimento na cidade de São Paulo. Sua perspectiva destoou amplamente da de outras realizadas por intelectuais paulistas da esquerda oficial e da plutocracia dissimulada, que, provavelmente, produziram seus pontos de vistas a partir das lentes televisivas. Por consequência, inferimos diretamente que os protestos em São Paulo possam ter tido muito mais semelhanças com os do Rio de Janeiro do que imaginamos. As diferentes perspectivas metodológicas de análise podem tê-las aparentado muito maiores do que realmente são.
Por fim, temos a excelente leitura de Mendes (2017), que descreve seus dias na prisão justamente por ser considerado uma das lideranças da Revolta dos Governados de 2013. Seu livro não é exatamente sobre a Revolta, pois privilegia o relato de um ativista político revolucionário no complexo penitenciário de Bangu no Rio de Janeiro. Não obstante, podemos ver sua descrição da insurreição popular:
“Em junho de 2013, vivemos as maiores manifestações populares de nossa história. No Rio de Janeiro, essas manifestações prosseguiram, estimuladas pela repressão brutal da polícia de Sergio Cabral – até então, todo-poderoso governador do estado – e pelo desaparecimento do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, torturado e morto por policiais da UPP da Rocinha. Em outubro, durante a histórica greve dos profissionais da educação, novo auge, outras manifestações reuniram multidões nas ruas. Militando no MEPR desde muito jovem, participei, com muito orgulho, ao lado de minhas companheiras e companheiros, daqueles grandes acontecimentos; dias e noites memoráveis, que até há pouco muitos julgariam impossível serem protagonizados pelo povo brasileiro”.
Apresentadas as diferentes leituras de 2013, passemos às nossas considerações finais.
CONVERGÊNCIAS DAS TESES PLUTOCRÁTICAS (DISSIMULADAS, DESAVERGONHADAS E PROTO-FASCISTAS) E DA ESQUERDA OFICIAL
Percebemos ao longo da pesquisa, diferentes modelos de análises do mesmo fenômeno, sendo determinante o reconhecimento da posição político-ideológica do autor para identificarmos o seu foco, críticas e elogios sobre a Revolta. Também observamos que é possível justificar diferentes e até antagônicas leituras do mesmo processo.
Vimos que as interpretações oficiais (plutocráticas dissimuladas e desavergonhadas) e da esquerda oficial, apesar de pequenas nuanças idiossincráticas, tiveram uma lamentável convergência, ajudando a destruir o movimento. Apresentamos algumas delas: 1) desqualificaram o Levante como sem pauta e sem direção; 2) defenderam a ideia de que o movimento estava sendo influenciado/dirigido por fascistas e/ou por grupos de direita; 3) negaram que a classe trabalhadora esteve massivamente presente no processo, afirmando que se tratava de uma classe média; 4) advogaram pela preservação dos símbolos do Estado burguês e das instituições chamadas por antífrase de democráticas. As três primeiras teses supracitadas buscaram desqualificar o movimento por uma pseudo composição social/política: classe média, direita e/ou fascistas, precariado – que sob o preconceito clássico marxista não pode ser revolucionário e tende mais a reação -;[45] e por sua forma de organização: horizontal e descentralizada. A quarta tese convergente diz respeito à crença desses setores na institucionalidade burguesa e na plutocracia representativa por participarem como concorrentes eleitorais, legitimando, evidentemente, todo o processo com suas instituições e aberrações.
A esquerda oficial, por exemplo, completamente adaptada ao sistema, ficou com a mesma palavra de ordem da década de 1990, quando dirigiu o processo e bradou o “Fora Collor”. [46] Em 2013, pediram o Fora Cabral, Fora Alkmin pelo país afora, mas não tiveram nem a coragem de bradar o Fora Dilma dado o recuo de suas posturas. Qual a diferença lógica para as análises da plutocracia desavergonhada? Apenas uma. Os intelectuais, representados nas análises de Jabor tentaram usar o Levante para desgastar a governança política petista. Com total apoio dos governantes socioculturais e seus oligopólios de comunicação de massa, depois de cinco meses de intensa campanha, sagraram-se vitoriosos, ao mobilizar muitas pessoas principalmente na cidade de São Paulo pelo “Fora Dilma”, iniciado em março de 2015 até 2016 com a vitória do impeachment. Já os petistas buscaram resguardar o governo federal de qualquer responsabilidade, mas sem apoio popular organizado e com a grande mídia como adversária, foi uma tentativa infrutífera.
As análises plutocráticas proto-fascistas, por sua vez, condenaram as ações dos Black Blocs, criticando a quebradeira das vidraças dos bancos, da ALERJ e a resistência aos ataques policiais. Elas tentaram associar os Black Blocs aos partidos eleitoreiros da esquerda e buscaram também capitalizar o movimento para ficar em contrário somente à governança petista. Sem embargo, procuraram obstaculizar e criminalizar o movimento de caráter insurgente, portanto, aquele que poderia trazer mudanças efetivas e duradouras.
Por fim, tanto a esquerda oficial quanto a direita, isto é, os plutocratas desavergonhados, dissimulados e proto-fascistas, concordavam com a necessidade do fim do movimento ou, em última instância, o uso das manifestações para seus anseios eleitorais. Todos foram veementemente contra os ataques às vidraças dos bancos e da ALERJ. Estiveram unidos apesar das suas diferentes propostas de organização do Estado.
Há muito tempo que as supostas direita e esquerda defendem a mesma bandeira, reduzindo tudo a uma disputa eleitoral, a uma questão de gestão. O brado: “Vote em mim, porque eu sei fazer melhor do que fulano, eu sou honesto, ético, o outro não é” não seduzia mais os governados. A população cansou desse discurso hipócrita e demagogo. Por não entender os signos dos novos tempos, todos os partidos políticos foram amplamente rechaçados nas manifestações populares, porque em última instância, apoiavam a estrutura que justificava os governos, mas sobretudo a dicotomia entre governantes e governados.
A reflexão de Kropotkin expressa muito bem a unidade entre esquerda e direita apesar de se apresentarem como opositoras uma da outra.
“Uma adoração comum, um culto comum une todos os burgueses, todos os exploradores. O líder do poder e o líder da oposição legal, o papa e o ateu burguês adoram igualmente um mesmo deus, e esse deus de autoridade reside até nos recantos mais ocultos de seus cérebros. Eis porque eles permanecem unidos apesar de suas divisões. (…) Também se compreende quão insensato é querer colocar a revolução sob essa bandeira, buscar conduzir o povo contra todas as suas tradições, aceitar esse mesmo princípio, que é aquele da dominação e da exploração. A autoridade é a bandeira deles, e enquanto o povo não tiver uma outra, que será a expressão de suas tendências de comunismo, antilegaritárias e antiestatistas – anti-romanas, em resumo – ele será forçado a se deixar conduzir e dominar pelos outros“ (Kropotkin, 2007: 104-05).
Feita a discussão bibliográfica sobre o Levante, passemos à nossa análise, que será absolutamente diferente das plutocráticas e da esquerda oficial.
BIBLIOGRAFIA
RELATÓRIOS, DOCUMENTÁRIOS E FILMES AMADORES SOBRE O LEVANTE:
[1] Uma primeira versão desse capítulo foi publicada em Ferreira (2016).
[2] Os oligopólios de comunicação de massa no Brasil historicamente assumiram uma postura antipoder popular, criticando suas reivindicações, greves, passeatas etc. Para mais detalhes ver: De Moraes (2013) em: http://www.otal.ifcs.ufrj.br/a-cobertura-antipopular-da-midia-no-brasil-contemporaneo
[3] Assim, por exemplo, se ele não esteve na linha de frente da resistência aos ataques da polícia, poderá facilmente classificar os resistentes como “vândalos”, um equívoco absolutamente deplorável e criminalizador dos lutadores populares.
[4] Dirigida oficialmente pelo petismo, governou abertamente em prol dos ricos, mas procurou aparentar a defesa dos interesses dos trabalhadores. Da nossa parte, não lemos o governo do Partido dos Trabalhadores como parte da esquerda oficial, pois através de suas políticas públicas implementou um programa muito similar ao partido neoliberal que o antecedeu no poder, o PSDB, de Fernando Henrique Cardoso. Ambos os partidos, embora se apresentem como oposições um ao outro, implementam uma política muito semelhante em vários sentidos, diferenciada, sobretudo, pelo ciclo de crescimento econômico mundial. Para mais detalhes, Ver De Moraes (2018).
[5] Dirigida pelos tucanos e peemedebistas – governou para os ricos e com pouca preocupação em simular defender interesses populares.
[6] Dirigida por setores que em 2013 eram minúsculos e desorganizados. Como reação a 2013, segmentos de militares, latifundiários, evangélicos, populares penalizantes se aglutinaram na campanha de Bolsonaro para a presidência da República. Esses setores defendem um governo em favor dos ricos através da centralização do poder, verticalização, nacionalismo, conservadorismo comportamental, extermínio físico de pessoas que atentem contra a ordem e a propriedade, com forte repressão sobre os divergentes.
[7] Integralismo foi um movimento liderado por Plínio Salgado, nos anos 1930 no Brasil, e advogava muitos dos princípios do fascismo europeu.
[8] As perspectivas fascistas caracterizam-se pelos seguintes aspectos: hierarquização social com claro comando centralizado, representado por um líder (führer, Alemanha; Dulce, Itália), através de partido político único, com forte disciplina e nacionalismo extremado. Aspectos que sem dúvida a horizontalidade, e negação dos partidos políticos e a clara negação de qualquer comando centralizado do processo durante os protestos no Brasil refutam por si só.
[9] Em suma, mais uma vez a ideologia do nacionalismo foi usada para subordinar o povo.
[10] Todas essas análises amparam-se em números divulgados pelos oligopólios de comunicação de massa com a sua já sabida tentativa de desmerecer os protestos.
[11] Segue explicação retirada do próprio site do governo federal: “De modo a desenvolver uma definição para a nova classe média, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR) instituiu, por meio da Portaria Ministerial nº 61, de 27 de setembro de 2011, um Grupo de Trabalho segundo o qual “uma pessoa é estruturalmente pobre quando, dadas as características dos membros economicamente ativos da família, a renda do trabalho predita, somada às transferências e rendimentos de ativos efetivamente recebidos, leva a uma renda per capita inferior a R$140 por mês.” Sob essa perspectiva, uma pessoa não pobre vive em uma família com renda per capita superior a R$140 por mês.Fonte disponível em: http://www.sae.gov.br/wp-content/uploads/Relat%C3%B3rio-Defini%C3%A7%C3%A3o-da-Classe-M%C3%A9dia-no-Brasil1.pdf
[12] R$ 0,20 foi o valor do aumento do transporte público que serviu de estopim para o início dos protestos.
[13] A PEC 37 sugeria incluir um novo parágrafo ao artigo 144 da Constituição Federal, com a seguinte redação: “A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente”. A “grande” sugestão de Arnaldo Jabor resumia-se ao fato de o Ministério Público ficar de fora das investigações.
[14] Ver Jabor, 2013b.
[15] Ver: http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/arnaldo-jabor/2013/06/20/REDUCAO-DAS-PASSAGENS-DE-ONIBUS-E-TIMIDA-TENTATIVA-DE-AQUIETAR-OS-MANIFESTANTES.htm, acessado em 27/07/2014.
[16] Termo pouco preciso, mas amplamente utilizado pelos oligopólios de comunicação de massa no Brasil para depreciar os manifestantes que se defendiam dos ataques policiais e quebraram vidraças de bancos por consequência. Depois de exaustiva campanha de grande mídia, o termo vândalo virou quase um insulto público.
[17] Para mais detalhes dessa tese, ver De Moraes (2018).
[18] Conferir entrevista do pensador ao site do IG: http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-07-07/as-manifestacoes-nao-foram-nada-demais-diz-o-sociologo-francisco-de-oliveira.html, acessado em 27/07/2014.
[19] http://www.teoriaedebate.org.br/materias/nacional/manifestacoes-de-junho-de-2013-na-cidade-de-sao-paulo
[20] O texto de Andre Singer foi publicado na New Left Review, em 2014.
[21] Portanto, os equívocos do autor começam com a escolha de suas fontes, tratando-as sem uma problematização necessária, tomando em conta seus dados como verdades absolutas. Não obstante, como todas elas são conservadoras e alinhavam-se com o governo federal e/ou com a sua oposição à direita, elas servem muito bem aos interesses do autor.
[22] Como consequência dessa primeira e central inferência, Singer pode dizer que a orientação ideológica dos manifestantes era de direita. A lógica é simples: se os manifestantes não são populares e pertencem à classe média, podem ser considerados de direita, nas palavras de Singer: “cujo objetivo consistia em fazer retroceder as forças populares que haviam constituído a base de apoio do governo do PT desde 2003”.
[23] Em um dado momento, Singer admitiu que os protestos eram contra todos os partidos políticos, mas em outro, entra em contradição ao dizer que a direita partidária atacou a prefeitura de São Paulo, dirigida pelo PT, bem como o governo federal, também dirigido pelo partido. Ao admitir que os manifestantes estavam contra todos os políticos, como concluiu que eram conduzidos pela direita partidária? O próprio governador de São Paulo que pertencia ao PSDB, oposição oficial ao PT, foi criticado pelas ruas e teve que por decreto abaixar os preços das passagens de ônibus no estado. Enfim, o autor chegou à conclusão excêntrica de que a direita partidária articulou uma luta contra o PT e a ela própria.
[24] O movimento inclusive se negou a conversar com a presidente da República, por entender que somente a ação direta faz a mudança da política. Para saber mais detalhes do movimento é melhor ler seus próprios documentos: Movimento passe livre – São Paulo. Não começou em Salvador, não vai terminar em São Paulo in MARICATO, Ermínia [et al.]. Cidades rebeldes: Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo; Carta Maior, 2013. Ver também: Löwy, Michel (2014). O movimento passe livre. Disponível em: http://blogdaboitempo.com.br/2014/01/23/o-movimento-passe-livre/ Acessado em 20 de julho de 2014.
[25] Com exceção evidentemente para os poucos e pequenos bairros da alta elite. Somente depois de 2013 e como reação a ele, e em função da atuação de muitos think tanks que pessoas que se dizem de direita começaram a assumir tal pecha.
[26] As causas do Levante foram comentadas em profundidade na introdução desse livro.
[27] É necessário ampliar o nosso foco de análise. Conforme discutido no capítulo 3 desta obra, a crítica à plutocracia representativa vem ganhando força no mundo pelo setor revolucionário, desde pelo menos o levante de Chiapas (1994), passando pela rebelião de Seattle em 1999, composta, sobretudo, por muitos novos movimentos sociais, todos às margens dos partidos, inclusive de esquerda, e em grande maioria autonomistas. Passou por Gênova (2001), Argentina (2001) Bolívia (2003) Equador (2003) Paris (2011), Grécia (2011-2012), Espanha e Turquia (2013) e os movimentos de occupy, da Turquia a Wall Street (2011). Isso nada mais é do que o resultado da chegada de partidos de esquerda ao poder sem produzir mudanças significativas, mas, para além disso, na maioria das vezes foram justamente esses partidos que implementaram e/ou aprofundaram as políticas liberais. Além do mais, os partidos de esquerda possuem uma organização extremamente hierárquica e consequentemente autoritária. Portanto, o movimento anti-partido, que significa antirepresentação não é novo, nem genuinamente brasileiro.
[28] As administrações do PT foram acusadas no Brasil pelos oligopólios de comunicação de massa e por sua oposição oficial por corrupção ativa de vários de seus quadros. Dois dos principais deles foram presos por corrupção ativa. Trata-se de José Dirceu, ex presidente do partido e ministro do governo Lula; José Genoíno, ex líder do PT na Câmara; e Antônio Palocci, ex ministro da Fazenda do governo Lula (em sua carta de desfiliação do PT, diz que Lula sucumbiu “ao pior da política no melhor dos momentos de seu governo”). Em 2015, a polícia federal investigou a corrupção na Petrobrás, dirigida pelo governo federal. Em depoimento em juízo, após delação premiada, o ex-gerente executivo da Petrobrás, Pedro Barusco, detalhou a corrupção na companhia e afirmou que o PT recebeu entre 2003 e 2013 de US$ 150 a US$ 200 milhões de propina.
[29] Principalmente sobre o que propuseram no Manifesto Comunista de 1848.
[30] Ver Hobsbawm (1998), especialmente o capítulo 9.
[31] Texto publicado em Correio da Cidadania, 21-6-2013 em: http://www.correiocidadania.com.br/
[32] Para mais detalhes, ver capítulo 6 deste livro. É possível encontrar o texto original em Moraes, W.S.: http://www.otal.ifcs.ufrj.br/as-reais-diferencas-entre-o-black-bloc-e-o-pstu/
[33] Sobre esses assuntos vale ver a excelente análise de Rocker (2007).
[34] Ver: http://www.pstu.org.br/node/20138
[35] Por exemplo, Proudhon (2001), considerado por muitos como o pai do anarquismo, escreveu um livro inteiro, antes de Marx, para mostrar que a propriedade privada é um roubo. E o texto do partido diz que somente Marx foi contra a propriedade!
[36] Sindicato estadual dos profissionais da educação do Rio de Janeiro, dirigido em comum acordo por sindicalistas ligados aos partidos políticos da esquerda-estatista.
[37] A profecia autorrealizável é, no início, uma definição falsa da situação, que suscita um novo comportamento e assim faz com que a concepção originalmente falsa se torne verdadeira. Merton, Robert (1968).
[38] Somente em outubro, por conta da greve dos professores, tivemos novas manifestações de massa no Rio. Entretanto, outras menores pipocaram por todo o segundo semestre, em aproximadamente duas manifestações por dia.
[39] “Proclamamos a imperiosa necessidade de criação de um novo Movimento Constitucionalista, que lute por uma Constituição realista, clara e enxuta, que seja o espelho do Brasil Profundo e de suas mais lídimas tradições, assim como pela instauração, em nosso País, de um Estado de Direito que não seja apenas um Estado de Legalidade, mas também um Estado de Justiça” (Barbuy, 2013).
[40] Fontes: Página oficial do deputado Jair Bolsonaro no Facebook e no twitter em 14 e 21 de junho de 2013; 02, 08, 10 de outubro de 2013. Carlos Bolsonaro em 18/02/2014: https://www.youtube.com/watch?v=4-08ZW8uUaQ
Flávio Bolsonaro em 18/06/2013: https://www.youtube.com/watch?v=RV1JtP4dyRA&feature=youtu.be
Fonte: Conta oficial do twitter do deputado Marcos Feliciano em 14 e 17 de junho de 2013 e 07 e 15 de fevereiro de 2014.
[41] Fala de Jair Bolsonaro em 14 de junho de 2013. http://familiabolsonaro.blogspot.com.br/2013/06/bandidos-destroem-e-ameacam-em-falso.html(blog oficial da família Bolsonaro)
[42] A referida menção a 2013 foi encontrada na página oficial do MBL, no dia 04 de novembro de 2016, com mais de 3 mil e 500 curtidas. A página original da publicação da matéria foi: https://ceticismopolitico.com/2016/11/04/black-blocs-marcam-comeco-do-fim-do-surto-de-invasoes-nas-escolas/ . A página “ceticismo político” também foi criada em 2014 e cumpriu a mesma função que o MBL em clara aliança na conformação conservadora. As três citações que seguem são desta mesma fonte.
Agradeço à bolsista Beatris Lima por ter realizado a pesquisa sobre a posição do MBL acerca de 2013.
[43] Coleção organizada por Cava e Cocco (2014), com escritos de trinta intelectuais/militantes na mesma linha, abordando diferentes aspectos da Revolta.
[44] Encontramos dificuldade para enquadrar as teses de Gohn (2014) em uma das escolas puras sobre 2013. Com alguma tinta de uma perspectiva revolucionária, a tese da autora situa os protestos brasileiros na onda mundial de contestação, não cai no absurdo de entender a revolta brasileira como de direita, mas se deixa levar pela ideia de que seria composto pela classe média. Para ela, 2013 no Brasil foi uma manifestação dos indignados, pois tinha uma pauta nacional, diferente dos movimentos da AGP (1998-2001) e do Ocuppy (2011). Não obstante, o texto da autora traz boas reflexões sobre o movimento como um todo. Talvez por focar em São Paulo, ela chegue a algumas conclusões distintas das nossas.
[45] Ver Manifesto Comunista de Marx e Engels.
[46] Em 1992, ocorreu o forte movimento popular dirigido principalmente pelo PT e apoiado pela Rede Globo, que levou ao impeachment do então Presidente da República, Fernando Collor de Mello.
Este artigo foi publicado em 2018 no Livro: “2013 – Revolta dos Governados ou, para quem esteve presente, Revolta do Vinagre”de autoria de Wallace de Moraes