Posted on Oct 5th, 2020
INTRODUÇÃO O período entre junho de 2013 e julho de 2014 foi um dos mais importantes da biografia política e social do Brasil, trazendo muitas novidades no cenário das ações coletivas dos governados. Nesse intervalo de tempo, presenciamos vários acontecimentos que ratificam essa premissa: 1) os maiores protestos da história do país (junho de 2013), caracterizados por enfrentamentos entre manifestantes e policiais em praticamente todas as capitais, em especial no Rio de Janeiro, de onde fizemos nossa observação participante; 2) algumas categorias impulsionaram lutas e greves, a despeito da orientação das direções sindicais em contrário, como garis, rodoviários, caminhoneiros e professores; 3) também tivemos os “rolezinhos” de negros, pobres, moradores de favelas e periferias em templos do consumo como shopping centers para escancarar o, por vezes, dissimulado apartheid social que os discriminam; 4) tivemos ainda a luta pela liberdade sexual com as “marchas das vadias” e a luta LGBTQIA+ no meio desse cenário; 5) em função do péssimo serviço dos transportes e da forte repressão policial discriminatória, populares fizeram barricadas, mesmo depois de junho, em seus bairros, favelas, e quebraram trens, ônibus, barcas e metrôs; 6) foram criados vários coletivos de segmentos profissionais importantes para dar apoio nas manifestações como: enfermeiros, advogados, músicos, projetistas e até hackers, cada um com seu papel específico; 7) até os jogadores da elite do futebol brasileiro cruzaram os braços e protestaram antes, durante e depois das partidas;[1] 8) podemos incluir as ocupações de espaços que deveriam ser públicos como câmaras de vereadores, assembleias legislativas, secretarias de governos e, inclusive, escolas e universidades que aconteceram depois de 2013, mas com seu espírito; 9) vimos um novo modelo de manifestações ser gestado, mais horizontal, negando as autoridades, seus partidos políticos, sindicatos, seus palanques, suas campanhas eleitorais ad infinitum e seus carros de som; 10) testemunhamos o surgimento de indivíduos e coletivos com máscaras, escudos e roupas pretas com os símbolos do anarquismo enfrentarem as forças policiais na defesa dos demais manifestantes e no ataque aos símbolos do capitalismo e do Estado. Vimos, enfim, os oligopólios de comunicação de massa, a polícia, o Estado, todos os governantes, partidos políticos, sindicatos, os bancos, os preços dos transportes públicos e os gastos com a Copa do Mundo, enfim, as autoridades, as hierarquias e a ordem, serem amplamente contestados/rechaçados. Um ano sui generis. Deve entrar para a história, mas sobretudo deve ter preservada a sua memória com uma análise problematizadora. Esse é o nosso objetivo. As revoltas...
Posted on Oct 5th, 2020
2013 REVOLTA DOS GOVERNADOS (ou para quem esteve presente) REVOLTA DO VINAGRE WALLACE DE MORAES Para todos os insurgentes que foram às ruas nos protestos em 2013/14 e que se deram ao luxo de sonhar em construir um mundo melhor. “Poder! poder! poder para o povo! e o poder do povo vai fazer um mundo novo!” (letra da música cantada pelos Black Blocs nas passeatas) AGRADECIMENTOS E BASTIDORES: O livro que o leitor tem em mãos é um verdadeiro filho, um filho rebelde. A começar pelo seu tempo de gestação: 5 anos. Desde os primeiros protestos, percebi que estava vivendo um momento histórico. Então, todas as noites, quando chegava em casa, escrevia sobre os acontecimentos que havia presenciado. Acompanhei cada passo das manifestações, cada notícia, cada comentário, cada detalhe. Tudo me interessava. Tal como nossos filhos, que nos dão muito trabalho e nos imputam uma mudança de rotina extraordinária, mas, independente disso, os amamos incondicionalmente, o mesmo aconteceu com 2013, e, talvez, este seja o melhor significado para mim. Várias horas de lazer perdidas, inclusive, com horas de sono interrompidas para escrevê-lo. Mas nunca perdi o amor por esse objeto de pesquisa. Ao contrário, cada parágrafo me dava um regozijo. Ele saiu do fundo do coração com o cuidado de quem cuida de um bebê. Não obstante, tal como um filho, ele nunca é gestado sozinho, pois foi fruto de muitas conversas, debates, na maioria das vezes acalorados, e de contato com companheiros e até desconhecidos. Cada passo foi discutido em diversas ocasiões desde de julho de 2013 em diferentes palestras, seminários, alguns artigos e capítulos de livro. Assim, ele foi crescendo e ganhando corpo. Os meus alunos, durante esses cinco anos, ouviram-me dizer que o estava preparando. Não foi uma preparação ininterrupta, pois muitas outras atividades o atravessaram. Fiz outras pesquisas. Publiquei outro livro nesse caminho com mais de 450 páginas. Nesse ínterim, saí do Brasil para realizar meu pós-doutorado com outra investigação. Mas nunca esquecia dessa pesquisa, cuja importância e singularidade reservava um lugar especial em meu íntimo, pois faz parte de um acerto e um compromisso com a História desse país. Quando sabia de análises que absurdamente desmereciam os protestos, os manifestantes, todos que lutaram e sonharam naqueles dias, distorcendo fatos, ficava indignado e urgia em mim a necessidade de terminá-lo, publicá-lo, divulgá-lo. Eu pensava em cada um que, entre junho de 2013 e junho...
Posted on Oct 5th, 2020
HISTORICÍDIO E AS NECROFILIAS COLONIALISTAS OUTROCIDAS – UMA CRÍTICA DECOLONIAL LIBERTÁRIA Wallace de Moraes (IFCS/UFRJ) A conquista das Américas, realizada pelos europeus a partir de 1492, inaugurou uma nova era: a Modernidade/Colonialidade. Sua característica central foi estabelecer o racismo como novo modo civilizacional e organizador da economia política mundial. Um tipo de racismo próprio e singular caracterizado pela discriminação em função da cor da pele e sobre a dúvida a respeito da humanidade das outras etnias. Esse episódico histórico abriu caminho para a criação da ideia de raças e o seu consequente preconceito: o racismo. O colonialismo destruiu culturas, subordinou, explorou, massacrou e assassinou fisicamente e/ou psicologicamente povos inteiros, fundando a colonialidade do poder (QUIJANO, 2005; GROSFOGUEL, 2018; MALDONADO-TORRES, 2018). Esse conceito busca se diferenciar daquele, justamente para marcar a persistência dos princípios organizadores de relações sociais pautadas pelo racismo, ainda nos dias atuais, mesmo depois das supostas independências dos novos Estados nas Américas e na África, que marcaram o fim formal do colonialismo. Com o avanço dos estudos sobre o sistema-mundo nas Américas, percebeu-se que essa colonialidade do poder vinha acompanhada de outras formas como colonialidade do saber, do ser e da natureza (GROSFOGUEL, 2012). A luta contra essas colonialidades chama-se decolonial. Enquanto Grosfoguel (2018, p. 114) chamou de giro decolonial, Dussel (2018) denominou por transmodernidade. Fato é que ambos, por diferentes palavras, quiseram marcar o processo de busca pela emancipação dos primados eurocêntricos justificadores da Modernidade/Colonialidade. Esse giro decolonial significa desintoxicar-se dos princípios ocidentais, racistas, patriarcais, heteronormativos, capitalistas, impostos pelos governantes europeus aos outros povos. Com histórico diferente, do ponto de vista da sua práxis, não é possível determinar as raízes da filosofia política anarquista, isto é, suas raízes são indeterminadas e pode ser encontrada em toda luta contra as opressões e autoridades e por liberdade e igualdade no mundo inteiro. Por outro lado, suas formulações teóricas, mais acabadas, foram desenvolvidas no seio da luta operária na Europa e disseminada pelo restante do planeta. Essas formulações, extremamente ácidas, apresentavam uma crítica contundente a toda forma de autoridade e opressão atacando peremptoriamente suas representações políticas e econômicas modernas: consubstanciadas pelo Estado e pelo capitalismo. Como resultado de suas ações diretas, a filosofia e a práxis anarquistas foram fortemente atingidas por pilares racistas implementados pelas governanças institucionais europeias (nobres, reis, presidentes, deputados, juízes, igrejas, militares, capitalistas, grande mídia)[1]. Não se tratava de um racismo pela cor da pele, mas...
Posted on Jun 22nd, 2020
Diante do contexto da pandemia da Covid-19, procuro situar a postura do governo federal brasileiro, em contrário ao isolamento social horizontal, como parte da necropolítica. A partir da simbiose desse conceito com o de colonialismo, outremização e anarquismo proponho a categoria Necrofilia Colonialista Outrocida (NCO), cujo objetivo é expressar a indisfarçável simpatia pela morte de negros, indígenas, pobres e seus idosos. Necro-Estado e liberalismo econômico compõem o pior dos mundos para as novas senzalas e florestas brasileiras.
Posted on Jun 22nd, 2020
Resumen: Frente al contexto de la pandemia de Covid-19, sitúo la posición del gobierno federal brasileño, en oposición al aislamiento social horizontal, como parte de la necropolítica. A partir de la simbiosis de este concepto con el de colonialismo y otremización, propongo la categoría Necrofilia Colonialista Otrocida (NCO), cuyo objetivo es expresar la simpatía indisfrazable por la muerte de negros, indígenas, pobres y sus ancianos. Necro-Estado y liberalismo económico constituyen el peor de los mundos para las nuevas señales y bosques brasileños. Es una interpretación libertaria.
Posted on Jun 22nd, 2020
Résumé : Face au contexte de la pandémie du Covid-19, je précise la position du gouvernement fédéral brésilien, contraire à l’isolement social horizontal, faisant partie de la nécropolitique. À partir de la symbiose de ce concept avec celui du colonialisme et faire l’autre inférieur, je propose la catégorie Nécrophilie Colonialiste Altericide (NCA), dont l’objectif est d’exprimer une sensibilité très claire envers la mort de Noirs, de peuples autochtones, de pauvres et de leurs personnes âgées. Le Nécro-État et le libéralisme économique constituent le pire des mondes pour les nouveaux quartiers d’esclaves et les forêts brésiliennes. Il s’agit d’une interprétation libertaire.
Posted on Nov 10th, 2018
PRA QUEM SABE LER, UM PINGO É LETRA – reflexões sobre o significado do fascismo Wallace de Moraes O fascismo é uma forma de governo que foi aplicada principalmente na Itália, na Espanha e na Alemanha no século XX. Nesse último país ficou conhecido como nazismo, em função da abreviatura do nome do partido político de Hitler. As ditaduras militares na América Latina possuem muitas características comuns com aquele regime, embora a literatura não as tenha denominado dessa maneira. Aliás, poderíamos resgatar centenas de exemplos de governos autoritários ao longo da História que massacraram seus opositores e defenderam/impuseram valores conservadores. Portanto, é importante que se diga que o fascismo/nazismo foi a conjunção simultânea em determinados lugares de fatores como: militarismo (hierarquia, disciplina, autoridade e obediência), nacionalismo (xenofobia), perseguição e extermínio de minorias com forte componente racial, heterossexual e ideológico (anti-comunismo), negação da ciência e da cultura libertadora, com base em dogmas metafísicos (igrejismo), e falsas informações que reconstruíam a História com dados que lhes favoreceram (fake news e fake history). Parte ou a conjunção de duas ou mais das características supracitadas podem ser encontradas também em outros momentos históricos, como o nosso. Depois de quase destruir a Europa na década de 1940, o fascismo foi aparentemente derrotado militar e moralmente em 1945. Dizemos aparentemente, pois muitos de seus aspectos permaneceram nas sociedades ocidentais. Eles retornam com força de tempos em tempos, denotando que existe uma luta permanente entre princípios autoritários (fascistas) X libertários, que nos demandam uma análise mais profunda das instituições e dos valores que os sustentam. Quando afirmamos isso, queremos destacar que é necessário reconhecer que muitas de suas premissas são praticadas por diferentes grupos sociais/políticos, mesmo quando dissimulam estar enterradas. Com efeito, cabe resgatar alguns de seus postulados centrais. Comecemos com o militarismo. Do militarismo O primeiro aspecto a se destacar é que o fascismo e o nazismo nasceram do militarismo como filhos legítimos, sendo retroalimentados por ele constantemente. É exatamente no meio castrense que se ensina a ferrenha disciplina e o respeito às hierarquias, naturalizando-as e defendendo-as a todo custo. Vejamos. 1) Os militares, sobretudo em tempos de guerra, necessitam combater os inimigos e são ensinados a não ter o menor apreço pela vida deles. Muito ao contrário, eles devem ser perseguidos, combatidos, até a morte. Por mais que do outro lado do front estejam pessoas que nunca foram vistas pelos de cá, não importa, deve-se combatê-las...
Posted on Jun 19th, 2018
NOSSOS SONHOS NÃO CABEM EM VOSSAS URNAS”[1] Descrença/Negação da Representação-Plutocrática no Brasil–Votos Nulos, em Branco e Abstenções Ressignificados” Wallace de Moraes[2] INTRODUÇÃO As eleições majoritárias de 2014 e 2016 apresentaram algumas evidências importantes para teorizarmos. Em 2014, pela primeira vez na história recente das votações no estado do Rio de Janeiro, um governador – Luiz Fernando Pezão – foi eleito com menos votos que a soma das abstenções, votos em branco e nulos. Situação equivalente aconteceu com a candidatura de Dilma Rousseff no primeiro turno das eleições no estado. Em 2016, nas eleições municipais cariocas, a tendência foi ratificada, pois também de forma inédita o prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Marcelo Crivela, foi eleito com menos votos que a soma de brancos, nulos e abstenções. Quais interpretações podemos extrair desses dados? Estaríamos vivendo uma crise da democracia representativa, como apontaram Boaventura de Souza Santos (2003), Noam Chomsky (1999), C. B. Macpherson (2003), Castoriadis (2002) e David Graeber (2015)? Ou apenas uma crise da representação que não atinge o apoio à democracia enquanto regime, como asseveram Pippa Norris (1999), Russel J. Dalton (2000a), Dalton e Martin Wattenberg (2000b), Dieter-Fuchs (1999); Richard Rose, Doh C. Shin e Neil Munro (1999). Não obstante, todos concordam que os principais institutos do modelo representativo passam por profunda crise e é exatamente sobre isso que pretendemos discorrer com dados empíricos. Juntos estão preocupados com os altos índices de abstenção nas eleições, com o esvaziamento dos partidos políticos, das associações de todos os tipos, enfim, com o declínio do que Robert Putnam (1999) chamou de capital social, concomitante com a crescente descrença na legitimidade e eficácia das instituições políticas. O objetivo deste paper consiste em buscar responder algumas indagações de interesse público: 1) o crescimento dos votos nulos, em branco e das abstenções constatados nas últimas eleições no Rio de Janeiro são episódicos? 2) esses votos em não candidatos possuem alguma analogia com a insatisfação popular em relação a governos, congressistas e partidos políticos? 3) se existe uma insatisfação popular, ela está circunscrita ao Rio de Janeiro ou extrapola seus limites? 4) existe alguma relação desses não votos com a conjuntura econômico-social, em particular com o desempenho do PIB e/ou com os índices de desemprego, ou com os protestos de 2013, ou com surgimento de novos movimentos sociais? 5) por fim, estas constatações ratificariam a crise do regime plutocrático-representativo no Brasil já vislumbrada por alguns teóricos em outras partes...
Posted on Apr 9th, 2018
Wallace de Moraes[2] “O que existe e que constitui o que se pode chamar de doutrina anarquista é um grupo de princípios gerais, conceitos fundamentais e aplicações práticas, segundo os quais foi estabelecido um consenso entre indivíduos cujo pensamento é contrário à autoridade, e que lutam, coletiva e isoladamente, contra toda disciplina e repressão, sejam elas políticas, econômicas, intelectuais ou morais. (…) Portanto, quem nega a autoridade e luta contra ela é um anarquista.” (Sébastien Faure in Enciclopédia anarquista) Esse capítulo tem dois objetivos centrais: 1) Discutir os postulados centrais da filosofia política anarquista, apresentando suas principais críticas ao Estado e a todas as formas de exercício da autoridade. Simultaneamente, também apresentaremos suas proposições teóricas como: autogestão ou autogoverno, federalismo, comuna, horizontalidade, todas embasadas na defesa da mais ampla liberdade e igualdade, enfim, no socialismo antiautoritário, libertário, ou, simplesmente, anarquismo. 2) Desde a filosofia política anarquista e seguindo o pressuposto segundo a qual a sociedade ocidental está permeada por opressões, criamos alguns conceitos e ressignificamos outros. Assim, dessa simbiose pudemos identificar: a) nove tipos puros de governanças sociais opressivas. Elas atuam em conjunto e simultaneamente sem um único núcleo irradiador, atentando incisivamente contra alguns determinados grupos/etnias/classes sociais. As governanças sociais são as seguintes: racial, patriarcal, sexual, capitalista, religiosa, acadêmica-científica, da estética produtiva, oficialista e xenofóbica (nacionalista, ufanista). Mostraremos, ainda, que essa última perpassa por todas as outras; b) cinco formas de governanças institucionais: política, econômica, sociocultural, penal e jurídica. Defendemos a tese segundo a qual as governanças sociais apresentadas são irradiadas/potencializadas pelas governanças institucionais por meio da interpenetração e retroalimentação recíproca; c) as categorias de Estadolatria; de Plutocracia, com as suas subdivisões; de ditaduras, que podem ser de dois tipos: Militar-Plutocrática-Desavergonhada e Plutocrática-Militar-Dissimulada; e, por fim, o conceito de Conciliação Masoquista de Classe, realizada por governos supostamente reformistas. As categorias supracitadas foram aqui instituídas e/ou ressignificadas. Todos esses conceitos serão aplicados na análise das histórias políticas de Brasil e Venezuela. Portanto, essa leitura é chave para entender a obra como um todo e o nosso quadro teórico-metodológico. Por fim, mostraremos que para todo governado, oprimido, existe um governante, opressor. A disputa conceitual é fundamental nessa empreitada. Ao longo da História, os intelectuais, amantes do Estado, das hierarquias, das desigualdades, de seus partidos políticos e justificadores das governanças sociais, criaram categorias para legitimar as instituições e apoiar seus governantes. Portanto, os conceitos instituídos, bem como a história, na forma...
Posted on May 4th, 2017
TEORIA LIBERAL OU PROPRIETAL?[1] Wallace dos Santos de Moraes[2] Temos neste capítulo o objetivo de desenvolver a análise do SegundoTratado de John Locke comênfase na propriedade, apresentando nossas ponderações a partir da contextualização histórica e do debate bibliográfico jáfeitosemcapítulosanteriores. Desta forma, procuraremos provar e emcertamedidaratificar a importância das questões relacionadas com a propriedade, além de descrever a inovadora acepção do autor de que existe propriedade no estado de natureza. Buscaremos, também, esmiuçar os fundamentos dos direitos de propriedade na teoria lockeana e responder a algumas perguntasquenos saltaram aos olhosquando da elaboração desta pesquisa. Sãoelas: qual a amplitude da propriedade no pensamento de Locke na busca de seusobjetivos? Emquemedida está a propriedade relacionada comvida e liberdade, tendo emvistaqueporvezes figuram emúnicoconceito? Fazendo umbreveresumosobre os tópicos discutidos no SegundoTratado, temos a seguintevisãopanorâmica: de início, o autor resume suarefutação às teses de Robert Filmer, desenvolvidas anteriormente no PrimeiroTratado e inseridas na disputasobre o príncipeterounãodireitosobre a propriedade de seussúditos; logoapós, defende a existência de liberdade e propriedade no estado de natureza; mais à frente, entende a violação da propriedadecomo uma declaração de guerra; depois, umcapítulointeirosobre a propriedade propriamente; logo, a descrição e justificação de uma sociedadepatriarcal, cujoobjetivo dos pais e dos tutores é garantir a propriedadepara os filhosquando chegarem à idade da razão; e, porúltimo, a descrição de uma sociedadecivil e política, cujaprincipalatribuição é a defesa da propriedadecomoinviolável. O objetivo da obra de Locke é a construção de uma teoriapolíticasobredoispilares: organização da sociedadepolítica e garantia da ordem, tendo comocerne de ambas a discussãosobre os direitos de propriedade. Deste modo, todas as reflexõessobresuaobra passam necessariamente por uma abordagemacerca da propriedade, seuconceito protagônico. A melhor metodologia para o entendimento da elaboraçãoteórica de Locke com a sua já famosa justificativa radical da propriedadeenquantoumdireito natural implica na perscrutação de suas considerações sobre o que convencionou chamar de estado de natureza.[3] Para além disso, o estudo sobre esse período pré-estatal descrito por Locke é fundamental para a compreensão da essência de suarefutação às tesesabsolutistas. Aprofundemos nossa análise. A partir de deduções hipotéticas sobre um também suposto período pré-criação do Estado moderno, está a grandenovidade de suateoria; diferentemente de outrosautores de suaépoca, como Grotius, Pufendorf, Filmer e Hobbes, Locke advoga pela existência da propriedade no estado de natureza. O início da valorização extrema da propriedade está na forma de entendê-la comonatural, ou seja, elanão é uma criação do Estado, é inerente à existênciahumana. Porisso, deve ser preservada a todocusto....
Posted on Apr 28th, 2017
“DESCRENÇA/NEGAÇÃO DA POLÍTICA-ELEITORAL NO BRASIL – DADOS EMPRÍRICOS QUE EVIDENCIAM A CRISE DO REGIME LIBERAL-REPRESENTATIVO”[1] Wallace dos Santos de Moraes[2] INTRODUÇÃO As eleições majoritárias de 2014 e 2016 apresentaram algumas evidências importantes para teorizarmos. Em 2014, pela primeira vez na história recente das votações no estado do Rio de Janeiro, um governador – Luiz Fernando Pezão – foi eleito com menos votos que a soma das abstenções, votos em branco e nulos. Situação equivalente aconteceu com a candidatura de Dilma Rousseff no primeiro turno das eleições no estado. Em 2016, nas eleições municipais cariocas, a tendência foi confirmada, pois também de forma inédita o prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Marcelo Crivela, foi eleito com menos votos que a soma de brancos, nulos e abstenções. Quais interpretações podemos extrair desses dados empíricos? Estaríamos vivendo uma crise da democracia representativa, como apontaram Boaventura de Souza Santos (2003), Noam Chomsky (1999), C. B. Macpherson (2003), Castoriadis (2002) e David Graeber (2015)? Ou apenas uma crise da representação que não atinge o apoio à democracia enquanto regime, como asseveram Pippa Norris (1999), Russel J. Dalton (2000a), Dalton e Martin Wattenberg (2000b), Dieter-Fuchs (1999); Richard Rose, Doh C. Shin e Neil Munro (1999). Não obstante, todos concordam que os principais institutos do modelo liberal representativo passam por profunda crise e é exatamente sobre isso que pretendemos discorrer com dados empíricos. Todos estão preocupados com os altos índices de abstenção nas eleições, com o esvaziamento dos partidos políticos, das associações de todos os tipos, enfim, com o declínio do que Robert Putnam (1999) chamou de capital social, concomitante com a crescente descrença na legitimidade e eficácia das instituições políticas. O objetivo deste paper consiste em buscar responder algumas indagações de interesse público: 1) o crescimento dos votos nulos, em branco e das abstenções constatados nas últimas eleições no Rio de Janeiro são episódicos? 2) esses votos em não candidatos possuem alguma analogia com a insatisfação popular em relação a governos, congressistas e partidos políticos? 3) se existe uma insatisfação popular, ela está circunscrita ao Rio de Janeiro ou extrapola seus limites? 4) existe alguma relação desses não votos com a conjuntura econômica, ou com os protestos de 2013, ou com surgimento de novos movimentos sociais? 5) por fim, estas constatações ratificariam a crise do regime liberal-representativo no Brasil já vislumbrada por alguns teóricos em outras partes do mundo? A literatura clássica da...
Posted on Nov 1st, 2016
Os avanços que os trabalhadores venezuelanos experimentaram nesses dezessete anos de chavismo foram suficientes para capturar grande parte do movimento popular em defesa do processo. No Brasil, a queda foi muito mais suave, sem qualquer vestígio de resistência verdadeiramente popular por Wallace dos Santos de Moraes Palavras chave: Brasil, Venezuela, golpe, Chávez, Dilma, Lula, PT, PSUV, América Latina, democracia Existem diversos caminhos para entender o impeachment/golpe institucional praticamente consolidado no Brasil contra o governo de Dilma Rousseff em 2016. Não obstante, propomos o método comparativo para melhor avaliá-lo. Comparemo-lorapidamente com o golpe civil-militar sofrido em 2002 contra o então presidente Hugo Chávez na Venezuela. Comecemos por entender as semelhanças entre os nossos objetos de estudo e depois apresentaremos uma chave de leitura que explica porque o golpe aqui foi vitorioso e na Venezuela não. Os oligopólios de comunicação de massa foram os principais articuladores dos golpes nos dois países, bem como funcionaram como porta-vozes dos movimentos de setores das elites políticas e econômicas. No Brasil, a Rede Globo, revista Veja e outros canais televisivos e revistas trabalharam intensamente para desmerecer e desqualificar o petismo. Na Venezuela, a Venevisión, a RCTV, a Globovision e outros meios de comunicação fizeram o mesmo para preparar a população e legitimar o golpe civil-militar de 2002 contra Chávez, bem como atualmente trabalham na mesma perspectiva para desestabilizar e deslegitimar o governo de Nicolás Maduro. Esses canais televisivos estimularam e cobriram os “cacelorazos” (“panelaço”) desde o seu início quando apenas possuíam dezenas de pessoas. Além das medidas políticas e econômicas conduzidas pelos chavistas contrariarem as elites do país, a postura da grande mídia com relação ao panelaço ocorreu lá em função de Chávez usar constantemente os meios de comunicação para se dirigir ao povo. Além do mais, antes de ficar doente gravemente, o mandatário venezuelano possuía um programa na TV por meio do qual se comunicava diretamente com os trabalhadores, falando dos atos do governo, analisando a conjuntura internacional e até indicando livros para leitura. Dessa maneira, os canais televisivos privados, todos anti-Chávez, perdiam tempo de sua programação e tinham que buscar alguma maneira para impedir essa comunicação direta com a população, sem que passasse por sua censura. Criaram o panelaço, amplamente realizado nos bairros nobres do país. Curiosamente, o mesmo foi feito no Brasil, sem nenhuma originalidade e absolutamente descontextualizado, pois Dilma nunca propôs uma comunicação direta com os populares, nem adotou medidas emblemáticas que contrariassem as elites econômicas. Entretanto, é sempre importante inserir nosso objeto...
Posted on Apr 1st, 2016
AS MÁSCARAS DO ESTADO REPRESSOR – Movimentos sociais criminalizados no Brasil[1] Wallace Moraes[2] & Luciana Simas[3] Resumo Objetivamos problematizar a criminalização de movimentos sociais nas manifestações populares de 2013/14 no Brasil para garantir os megaeventos sediados no país. Para tanto, discutimos as funções desempenhadas pelo ordenamento jurídico no seio social, notadamente o seu discurso repressor, correlacionando-o com o processo de identificação de opositores ao sistema. Realizamos ainda um resgate histórico de algumas normas penais brasileiras utilizadas em períodos de exceção, com vistas a melhor observar como a ordem jurídica legitima as ações estatais de controle social. Como quadro teórico, valemo-nos das perspectivas da criminologia crítica e observamos que o debate está pautado por inúmeros fatores políticos, econômicos e ideológicos. Palavras-chave: Criminalização; Manifestações populares; Brasil 2013/14; Criminologia Crítica. AS MÁSCARAS DO ESTADO REPRESSOR – Movimentos sociais criminalizados no Brasil O objetivo deste paper é, através do diálogo entre a História Política e a Ciência Jurídica - de maneira crítica e interdisciplinar -, analisar as imputações criminais nas manifestações populares de 2013/14 no Brasil. Esta reflexão será aplicada ao estudo do contexto, no qual estão inseridos diversos mandados de prisão para pessoas que contestam a ordem social, bem como projetos de leis e decisões judiciais para conter as manifestações contra os gastos com os megaeventos no país (Copa das Confederações; Copa do Mundo de Futebol; Olimpíadas). A postura repressora dos governos nos impele a perscrutar as máscaras ideológicas atrás das quais se ocultam as reais funções do Estado e de seu sistema penal. Utilizaremos os pressupostos teórico-metodológicos da criminologia crítica, buscando problematizar as funções desempenhadas pelo Direito e seus operadores. A posteriori, evidenciaremos o discurso opressor atual, correlacionando-o com o processo de identificação de opositores ao sistema. Por fim, faremos um breve resgate histórico de normas penais brasileiras utilizadas em períodos de exceção, no intuito de concluir como a ordem jurídica penal legitima as ações estatais de controle social. Trata-se de um estudo de história do tempo presente em conexão com análises das normas jurídicas criadas ad hoc para combater as manifestações, focando nos processos de criminalização de movimentos sociais de contestação do capitalismo e do Estado no Rio de Janeiro, foco principal dessa análise. Para tanto, adotaremos a proposta de Hespanha[4], segundo o qual a missão da História do Direito é a de problematizar o pressuposto implícito e acrítico da dogmática, cujo ordenamento jurídico dos nossosdias é o racional,...
Posted on Oct 3rd, 2015
A insurreição invisível: uma interpretação anti-governista da rebelião de 2013/14 no Brasil[1] Wallace dos Santos de Moraes[2] Camila Rodrigues Jourdan[3] Andrey Cordeiro Ferreira[4] Comentando sobre os protestos na Turquia, Slavoj Zizek disse o seguinte: “A luta pela interpretação dos protestos não é apenas ‘epistemológica’; a luta dos jornalistas e teóricos sobre o verdadeiro teor dos protestos é também uma luta ‘ontológica’, que diz respeito à coisa em si, que ocorre no centro dos próprios protestos. Há uma batalha acontecendo dentro dos protestos sobre o que eles próprios representam”(…). Igualmente, no Brasil, há uma grande disputa entre as narrativas sobre o levante popular de 2013. Por razões ideológicas e político-eleitorais, diversos intelectuais participam de uma querela sobre os motivos da revolta de junho de 2013, bem como suas características. Buscaremos contrapor a análise de André Singer, publicada nessa revista, por omitir fatos fundamentais ocorridos entre 2013 e 2014 e, por consequência, induzir o leitor a uma interpretação equivocada dos acontecimentos. Podemos adiantar que a leitura de Singer buscou por todas as maneiras blindar a administração do Partido dos Trabalhadores (PT), perante a enorme insatisfação popular que explodiu no país no que estamos chamando de levante ou insurreição popular. O autor colabora para uma visão idílica do governo petista para fora do país, amparado em números que não encontram fundamento nas condições materiais de existência da classe e dos movimentos sociais e populares em geral. Em resumo, o modelo petista de governar foi amplamente contestado, não somente pelas elites como tenta incitar o autor, mas principalmente pelos trabalhadores, sobretudo porque continuou – quase literalmente – tanto a política econômica neoliberal de seu antecessor, quanto a locupletação de recursos públicos e/ou benesses ganhas por agentes estatais por exercer funções no interior da administração pública, tal como membros do governo de Fernando Henrique Cardoso do PSDB anteriormente. Ambas administrações perfizeram do país um paraíso dos banqueiros com juros altíssimos, amparados em distribuição de migalhas para os miseráveis, chamadas de bolsa família/bolsa escola – um conjunto de políticas compensatórios de matiz neoliberal mas que são propagandeadas como forma do welfarestate periférico. No caso do mandato petista, o número de pobres contemplados foi consideravelmente ampliado, fato que lhe garantiu, em contrapartida, permanecer no poder por 12 anos, com uma verdadeira indústria do voto miserável, contudo, ao mesmo tempo, os recursos destinados a banqueiros, especuladores e capitalistas em geral foi infinitamente maior. Cabe lembrar que...
Posted on Aug 14th, 2015
“ELEVEN YEARS OF PTISM AND KIRCHNERISM (2003-2014) – RECENT CHANGES AMONG CONTINUITIES IN BRAZIL AND ARGENTINA’S LABOUR REGULATION” Wallace dos Santos de Moraes ABSTRACT: This paper seeks to discuss labour regulation under the Worker´s Party (PT) administrations in Brazil (2003-2014), and the Kirchner family’s in Argentina (2003-2014). The research sought to establish how they treated the institutional heritage left by their neoliberal predecessors. The path dependence concept was used to understand the matter. Our methodology was based on a compared empirical analysis between the historical periods – 1990’s and 2000’s – and between both countries, emphasizing the main changes in labour legislation. We note the different depth of neoliberal measures between both countries, as well as the distinct responses to them. Keywords: Labour Regulation; Social Policy; The Lula Administration (2003-2010); The Rousseff Administration (2011-2014); The Kirchner Family Administration (2003-2014). RESUMO: O objetivo deste paper é verificar se a chegada de governos de base popular alterou o curso das políticas trabalhistas implementadas nos anos 1990. Mais precisamente trata-se da discussão sobre a regulação laboral sob os governos petistas (2003-2014) e da família Kirchner (2003-2014), respectivamente no Brasil e na Argentina. O fito da pesquisa foi verificar como trataram a herança institucional deixada pelos antecessores neoliberais. Utilizamos o conceito de path dependence para o entendimento da questão. Nossa metodologia baseou-se na análise empírica comparada, tanto: entre os períodos históricos, década de 1990 e anos 2000; quanto entre os países, sempre privilegiando as principais alterações na legislação trabalhista. A pergunta que procuramos responder é: o caminho iniciado sob o período neoliberal dos anos 1990, caracterizado pela flexibilização de direitos, foi revertido tanto por Lula da Silva e Dilma Rousseff, quanto por Néstor e Cristina Kirchner? Palavras-chave: América Latina; regulação trabalhista; Brasil; Argentina; anos 1990; anos 2000. “ELEVEN YEARS OF PTISM AND KIRCHNERISM (2003-2014) – RECENT CHANGES AMONG CONTINUITIES IN BRAZIL AND ARGENTINA’S LABOUR REGULATION” Wallace dos Santos de Moraes[1] Despite its huge heterogeneity, Latin America, as José L. Fiori reminds us, has always been synchronised. Whether in the wars of independence at the first half of the nineteenth century; in the primary-export integration to Europe’s industrial economy, after 1870; or in the developmentalist policies employed since the 1930’s, as a solution to the capitalism’s crisis. The coincidences go on. During the Cold War, in the 1940’s, almost all countries made their communist parties illegal, and in the 1950/60’s and 70’s,...