CONTRA-MANIFESTO ABERTO PELA LEGITIMIDADE DAS MANIFESTAÇÕES POPULARES
Para: Aos Governos (Federal, Municipal e Estadual), à Justiça e aos legislativos (Municipal, Estadual e Federal)
Desde o ano passado, temos acompanhado uma série de revoltas populares, protestos e manifestações por todo o país. Aquilo que inicialmente seria uma insatisfação com os altos preços dos transportes públicos tomou a forma de exigência generalizada por participação política, demonstrando uma crise dos fundamentos da democracia representativa, marcada pela ausência de participação popular efetiva nos rumos da vida pública, e uma crítica profunda à legitimidade e suposta fatalidade do sistema capitalista.
As tentativas de direção e controle dos protestos pelas diversas forças partidárias institucionais, tanto da direita, quanto pelos partidos da esquerda tradicional, falharam sucessivamente. Também foram insuficientes até agora a estratégia do governo de criminalizar o movimento, bem como as manipulações midiáticas que procuraram desqualificar a revolta popular sob um discurso repetitivo de que “tudo não passaria de uma minoria de vândalos infiltrados” e de “baderneiros inconsequentes”.
Apesar disso, as manifestações continuam, bem como a crise de representatividade aludida, que agora se reverbera para o fato de as bases dos trabalhadores sustentarem greves em contrário à orientação das suas direções patronais, dominadas em sua maioria por partidos políticos mais preocupados com as próximas eleições do que com a luta da categoria. São exemplos claros as greves com repercussão internacional, tocadas pela base das categorias, como a dos garis e dos rodoviários.
Diante da proximidade da Copa do Mundo e da perplexidade popular com os gastos exorbitantes com estádios de futebol, assistimos absurdos naturalizados pelos grandes oligopólios de comunicação de massa, como 1) o cerco de comunidades inteiras, inclusive com uso do exército, e a continuidade da violência policial nas favelas e periferias, significando na prática a multiplicação de territórios em permanente estado de exceção, através das chamadas Unidades de Polícia Pacificadoras; 2) a criminalização de manifestantes, como no caso de estudantes do Rio de Janeiro, São Paulo, e, recentemente, Goiás que foram apanhados em casa e postos em prisões, cerceando suas liberdades e suas vozes críticas.
Por fim, os protestos tomaram a forma de denúncias do extermínio de negros e pobres nas favelas e adotaram como palavra de ordem sintética a bandeira: ‘se não tiver direitos, não vai ter copa’. Na medida em que as manifestações geram prejuízos sistemáticos às grandes corporações e, principalmente, colocam em questão este modo de vida pelo qual as classes dominantes e a maioria dos políticos se privilegiam e locupletam, alguns intelectuais vieram a público recentemente questionar sua legitimidade democrática e seu sentido histórico, evidentemente ajudando a criar um espaço de criminalização dos protestos.
Nós, estudiosos da sociedade, professores e professoras, sentimo-nos então compelidos pela obrigação de responder este manifesto com um contra-manifesto, de lembrar o inalienável direito dos povos à rebelião, que, inclusive, está na base do próprio nascimento da democracia. Se o poder emana do povo, este tem todo direito de reivindicá-lo e de colocar em questão os governantes e os sistemas que não correspondem aos seus anseios e reivindicações. Nenhuma grande revolução ou modificação social histórica foi conseguida sem levantes, revoltas ou rebeliões. Nenhuma ruptura com sistemas vigentes aconteceu com respeito incondicional às instituições que se pretendia justamente combater. Maiores do que os prejuízos econômicos gerados pelas manifestações são as vidas perdidas por este modo de organização societal, cujo sistema econômico exclui milhares de pessoas não apenas da participação política, mas da mera possibilidade de sobrevivência. O incômodo de alguns com relação às manifestações, notadamente quando implicam no fechamento de ruas/avenidas, não é nada quando comparado às opressões sistemáticas pelas quais passa grande parte da população e é consequência do flagrante distanciamento de uma pequena parcela da sociedade, favorecida e privilegiada, que não consegue (ou não quer) sair da sua zona de conforto.
Por tudo isso, consideramos completamente legítimas as manifestações populares e os métodos de auto-defesa usados pela população oprimida. São plenamente justificados os meios de luta que incomodam quando o objetivo é justamente tornar evidente o incômodo sofrido pelos excluídos. São necessários porque, dentre outras coisas, tornam evidentes para todos a denúncia de um evento, a Copa do mundo de futebol, construída com dinheiro público, sem qualquer consulta popular, atropelando literalmente diversas moradias populares e em detrimento do investimento em saúde, educação, moradia, saneamento básico etc.
ASSINAM ESTE MANIFESTO:
Alexandre Samis (Professor – Colégio Pedro II)
Aline Magalhães (Doutoranda – Museu Nacional/UFRJ)
Aluízio Alves Filho (Professor UFRJ)
André Basseres (Doutorando – UERJ)
Andrey Cordeiro Ferreira (Professor – CPDA/UFRRJ)
Anita Prestes (Professora – UFRJ)
Camila Jourdan (Professora – UERJ)
Carlos Eduardo Oliva (Professor – Colégio Pedro II)
Caroline Araújo Bordalo (Professora – CEFET/RJ)
Carlo Romani (Professor – UNIRIO)
CEBRASPO
Cecília Coimbra (Professora – UFF)
Claudio Gurgel (Professor – UFF)
Débora Franco Lerrer (Professora – CPDA/UFRRJ)
Ellen Rodrigues (Professora de Direito Penal e Criminologia – UFJF)
Fernanda Vieira (Professor – UFJF)
Fernando Vieira (Professor – IUPERJ)
Filipe Ceppas (Professor – UFRJ)
George Francisco Ceolin (Professor – UFG e doutorando UFRJ)
Gloria Tonacio (Professora – Colégio Pedro II)
Graciela Bonassa Garcia (Professora – UFRRJ
Henrique Barahona (Professor – UFF)
Joana D Arc Fernandes Ferraz (Professora – UFF)
João Andrade (Antropólogo – IBRAM)
João Batista Damasceno (Cientista Político e Juiz de Direito)
José Damiro de Moraes (Professor – UNIRIO)
Juliana Lira Sampaio (Professora – CPII)
Júlio Figueiredo (Professor – UFF)
Leonardo Brasil Bueno (Fundação Oswaldo Cruz)
Leonardo Brito (Professor – Colégio Pedro II)
Lérida Povoleri (Professora – UFF)
Luciana Simas (Professora – UFRJ)
Luiz Eduardo Motta (Professor – UFRJ)
Luiz Felipe Bon – Chefe do Departamento de Sociologia do Colégio Pedro II
Luísa Maranhão (Advogada)
Marco Antonio Perruso (Professor -UFRRJ)
Marcos Ponciano (Professor – Colégio Pedro II)
Marcelo Lopes (Professor- UERJ)
Mária Lúcia Pontes (Defensora Pública – RJ)
Marília Márcia Silva (Professora – Colégio Pedro II)
Natália Braga de Oliveira (Professora – Colégio Pedro II)
Nildo Avelino (Professor – UFPB)
Nildo Viana (Professor – UFG)
Núcleo de Assessoria Jurídica Popular Gabriel Pimenta
Pedro Grabois (Professor – UERJ)
Paulo César Pereira de Castro Jr. (Professor – UERJ e Doutorando FIOCRUZ)
Paulo Henrique Cople (Doutorando – PUC-Rio)
Rômulo Castro (Professor CEFET-RJ)
Selmo Nascimento da Silva (Professor – Colégio Pedro II)
Silzane Carneiro (Professora Colégio Pedro II)
Tatiana Bukowitz (Professora – Colégio Pedro II)
Valter Duarte (Professor – UFRJ)
Wallace de Moraes (Professor – UFRJ)
Wanise Cabral (Professora – UFF)
Gosto das pessoas que vibram, que não ha que empurrá-las,
que não se precisa dizer o que fazer, se não que sabem o que se tem que fazer e o fazem.
Eu gosto das pessoas justas com a sua gente e consigo mesmas,
mas só aquelas que compreendem que somos humanos e que podemos nos equivocar(…)
Mario Benedetti (1920-2009)