Wallace Moraes
Verão de 2012
Rousseau defendeu no seu livro “As origens das desigualdades entre os homens…” no século XVIII que “o homem nasce livre, e por toda parte encontra-se aprisionado. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles.”
Quando nascemos já encontramos um mundo com valores, crenças, hábitos e sobretudo uma forma de trabalho. É muito comum algumas crianças perguntarem aos pais porque um coleguinha tem muito e outros poucos. Como responder? Em uma comunidade indígena tal pergunta não teria sentido, já que todos comungam de uma vida comum, sofrendo e usufruindo mais ou menos das mesmas coisas, coletivamente. Por consequência, já sabemos que as desigualdades dizem respeito essencialmente a forma de organização da sociedade. No regime capitalista, as desigualdades acontecem em função de vários fatores. As elites, os grandes meios de comunicação, e o pensamento liberal argumentam que aqueles que não recebem altos salários e que sofrem por falta de emprego, de moradia e até mesmo de comida e dignidade são penalizados pela sua falta de perseverança e sobretudo amor ao trabalho. Todos sabemos que este argumento não é totalmente real. Sabemos, sim, que existem muitos preguiçosos ao nosso lado fruto de um modo de vida praticamente sem sentido, pois desligado do prazer do trabalho. Mas como argumentar que a miséria do boia-fria é resultado de preguiça? Esses exemplos não estão apenas no campo. Nas cidades podemos ver diariamente o quanto trabalha um caixa de supermercado, um motorista de ônibus, uma empregada doméstica, um faxineiro de shopping, um padeiro, terceirizadosem geral. Estessão apenas alguns exemplos de milhões de trabalhadores formais com alto grau de exploração. Vamos chamá-los de trabalhadores formais-precarizados. Esses têm apenas um dia de descanso semanal, caindo, as vezes, no domingo. Muitos são obrigados a fazer hora-extra, sob pena de perder o emprego. Normalmente são humilhados pelos patrões e pelos clientes, quando estes o percebem. E pior de tudo, veem seus patrões enriquecerem enquanto eles permanecem pobres. Como explicar isso? Falta de trabalho, de empenho, preguiça? É obvio que não.
Mas na sociedade em que vivemos existe um setor pior do que o supracitado. Compõem esse time os chamados trabalhadores informais, são eles: camêlos, feirantes, trabalhadores de pequenas lojas etc, pedreiros, faxineiros, trabalhadores do campo. Esses não têm carteira de trabalho assinada e portanto não têm férias, 13° salário, e, pior, a garantia de uma aposentadoria no futuro. Não que a aposentadoria seja um grande ganho, não é, mas diante de não ter nada acaba sendo uma garantia. Aliás, os aposentados do setor formal-precarizado são outros que sofrem demasiadamente nesta sociedade.
Entretanto, existe um setor em situação pior na nossa sociedade do que o acima citado. Trata-se do desempregado. São algumas milhões de pessoas no Brasil. A maioria delas têm uma profissão e por diversas contingências da vida encontram-se sem trabalho. Com o passar do tempo e a não chegada do novo emprego, ela começa a ficar desesperada. A família começa a cobrar …os vizinhos …os amigos. Muitas vezes essa pessoa fica totalmente sem dinheiro, sem dignidade, sem esperança, sem auto-estima …sem família. Tornam-se presas fáceis para o crime, o suicídio, o presídio, a mendicância. Dada a situação elas chegam a clamar por um trabalho que a explore. Ela quer enriquecer o seu patrão, desde que ganhe dinheiro para o pão.
Com efeito, a maior parte dos nossos trabalhadores não vive muito diferente do modelo escravista. Tudo que os escravos produziam pertenciam aos senhores, inclusive eles mesmos. Os escravos não tinham moradias decentes, dormindo em espaços diminutos, não tinham pertences, nem dinheiro, e eram “esculhambados” pelos senhores.
Hoje, muitos de nossos trabalhadores vivem amontoados nas favelas, nos becos, ou em apartamentos pequeníssimos que mal dá para se movimentar. Eles não têm dinheiro para comprar pertences, mal dá para a alimentação e ainda também são normalmente maltratados pelos seus patrões.
Para não dizer que não falei de flores, por outro lado, existem aqueles que estão bem na sociedade e procuram justificar tudo como está. Uns fazem leis para isso. Outros fazem notícias. Outros posam de neutros para executar as leis “imparciais”. Outros prendem, matam e torturam em nome da lei e a despeito dela. Outros escrevem teorias para justificar as desigualdades. Outros posam como estadistas. Todos esses ganham muito dinheiro nesta sociedade e trabalham muito pouco. A corrupção e a falcatrua fazem parte do seu cotidiano. Pior de tudo, todos nós pagamos seus salários. Com exceção dos capitães do mato que prendem, matam e torturam para garantir as benesses dos senhores, todos os demais ganham muito e trabalham muito pouco ou vivem em um trabalho repleto de regalias, tanto de flexibilidade de horários e dias de trabalho, como com muito conforto e fama para suas atribuições. Estes compõem o Estado e seus aparelhos ideológicos de justificação, como a grande mídia. Toda essa engrenagem do poder se auto-justifica. Como explicar, então, que a riqueza é resultado do trabalho? Quem é que verdadeiramente trabalha?
Ainda existem outros setores de trabalho na sociedade. Uns optam por não vender a força de trabalho para um patrão, fugindo das humilhações por trabalhar subordinadamente, e na expectativa de enriquecer ou ganhar o pão com o próprio esforço, montam seu próprio negócio. O empreendedorismo amplamente divulgado de maneira subliminar na grande mídia ajuda sobremaneira. Muitos deles são donos de butiquins, bares, biroscas, quiosks etc. Normalmente ganham muito pouco dinheiro. Mas a Ambev e outras cervejarias ganham muito com esses trabalhadores escravos de si mesmo. Trabalham dia e noite, muitas vezes de domingo a domingo. Ficam estafados e geralmente se arrependem da vida de comerciante. No mesmo ramo ainda existem os donos de pequeníssimos comércios na mesma situação.
Em situação distinta existem os diversos gerentes e administradores. Esses não são donos, mas ganham melhores salários que os demais trabalhadores, embora sejam tão explorados quanto. Eles são os responsáveis por fazer os semi-escravos produzirem o máximo no menor tempo possível. Para tanto o gerente deve ser o primeiro a chegar e o último a sair. Ele é a representação do proprietário sem obter as benesses dele. Como o proprietário e o mercado o pressiona ele tem que pressionar os semi-escravos e daí vale tudo, assédios dos mais diversos juntamente com a coação. Com ele o patrão não precisa se indispor com o trabalhador, pois basta press