Posted on Oct 5th, 2020
“LIBERALISMO E RACISMO PARTE II” Aula dia 19 de setembro de 2020[1] Autor: Wallace de Moraes (IFCS/UFRJ) Edição/transcrição: Cello Latini Eu quero voltar ao ponto sobre o racismo e o liberalismo, e trouxe comigo alguns textos: As Paixões e os Interesses, de Hirschman, La democracia liberal y su época e A teoria política do individualismo possessivo, de Macpherson. Este último é da época em que eu estava na graduação no IFCS, e um professor de filosofia, o Franklin Trein, com quem eu estava tendo aula, me indicou esse livro. Foi muito legal para mim, porque eu me identifiquei muito com essa perspectiva do Macpherson. Mas a fonte principal de todas essas questões que eu vou tratar com vocês a partir de agora vem do Dominico Losurdo. Chama-se Contra-História do Liberalismo, um livro muito bom. Losurdo é um italiano e um crítico marxista. Tenho algumas discordâncias com ele, mas nessa perspectiva ele serve como uma excelente fonte. Vamos às nossas teses. George Washington, nos discursos oficiais, declarou que levaria “as bênçãos da civilização” para a “raça não iluminada”, todavia, mostra Losurdo (2015), nas cartas particulares usava as palavras mais intimamente reais, como “animais selvagens da floresta”. Então vejam – o George Washington, que é uma grande referência política nos Estados Unidos, foi o primeiro presidente do país, tratava os indígenas como selvagens. Esses indígenas eram classificados como subumanos, para esses pensadores, para esses governantes. Vejamos o que dizia Benjamin Franklin, “se faz parte dos desígnios da Providência extirpar esses selvagens para abrir espaço aos cultivadores da terra, parece-me oportuno que o rum seja o instrumento apropriado. Ele já aniquilou todas as tribos que antes habitavam a costa” (LOSURDO, 2015: 30). A distribuição do rum para aniquilar os indígenas foi uma forma de facilitar o extermínio indígena. Eu não sei se a mesma coisa foi feita com a cachaça no Brasil, se, em alguma medida, drogas foram utilizadas para exterminar, mas eu não sou estudioso desse processo, então fica aí um ponto para pensarmos. A difusão de rum que, no caso, Benjamin Franklin defende abertamente, para exterminar os indígenas é, em certa medida, semelhante ao que aconteceu aqui nas Américas, em diferentes contextos históricos. Já na perspectiva de Hugo Grotius: E se ele é dedicado a um espírito mau, é falso e mentiroso e significa um crime de rebelião; uma vez que a honra devida ao Rei não apenas lhe é subtraída, mas é inclusive transferida...
Posted on Oct 5th, 2020
“UM LUGAR DE FALA DECOLONIAL, ANTIRRACISTA E LIBERTÁRIO” Aula dia 18 de agosto de 2020[1] Autor: Wallace de Moraes (IFCS/UFRJ) Edição/transcrição: Cello Latini Todo conhecimento é produzido a partir de uma perspectiva e de uma experiência de vida. A Europa, a partir da conquista das Américas, desde o final do século XV e, no Brasil, a partir de 1500, se colocou como centro mundial – que ela não era até então. Ao se colocar como centro mundial, a Europa achou que poderia produzir teoria para todos, e se colocava como o objetivo que todos os povos e culturas deveriam atingir, como o suprassumo do desenvolvimento humano, e aqueles considerados bárbaros (negros, indígenas, asiáticos, e todos que eram diferentes) deveriam chegar e trilhar pelo caminho decidido pelos Europeus. Quando os Europeus não estão no comando, como quando há negros governando em África, esses negros estão governando de acordo com o modelo moderno, colonialista, e que estabeleceu a colonialidade do poder. Todo conhecimento é produzido por um lugar de fala. Enquanto professor negro, com origem popular – ou seja, fui criado em Irajá, no subúrbio do Rio de Janeiro, sou oriundo de duas famílias de Vigário Geral e até os meus 9 anos de idade eu vivi em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Essa foi a maneira como eu me forjei. Muitos dos meus professores diziam que “Não, você tem que entender o autor europeu, tem que ter uma referência européia, tem que ter uma referência dos Estados Unidos, tem que ter uma referência fora, você não pode se referenciar aqui”. Essa maneira de interpretar o mundo é colonizada, significa a colonialidade do saber. Esse é um ponto importante para entendermos o lugar de fala. Essa ideia de raça foi criada, é importante dizer, com a chegada dos Europeus aqui. Antes da conquista das Américas, o europeu não se reconhecia enquanto branco, o africano não se reconhecia enquanto negro, o indígena não se reconhecia enquanto indígena, até porque tinham vários povos indígenas aqui, assim como há vários povos negros, africanos, e como há vários povos brancos na Europa, diferentes culturas. Então, a ideia de raça foi criada nesse momento com o objetivo muito claro de subordinar negros e indígenas aos brancos europeus, especialmente aos brancos europeus da Europa Ocidental. Por isso, toda teoria que vigora em praticamente todas as universidades no campo das Ciências Humanas foi formulada por cinco...
Posted on Oct 5th, 2020
HISTORICÍDIO E AS NECROFILIAS COLONIALISTAS OUTROCIDAS – UMA CRÍTICA DECOLONIAL LIBERTÁRIA Wallace de Moraes (IFCS/UFRJ) A conquista das Américas, realizada pelos europeus a partir de 1492, inaugurou uma nova era: a Modernidade/Colonialidade. Sua característica central foi estabelecer o racismo como novo modo civilizacional e organizador da economia política mundial. Um tipo de racismo próprio e singular caracterizado pela discriminação em função da cor da pele e sobre a dúvida a respeito da humanidade das outras etnias. Esse episódico histórico abriu caminho para a criação da ideia de raças e o seu consequente preconceito: o racismo. O colonialismo destruiu culturas, subordinou, explorou, massacrou e assassinou fisicamente e/ou psicologicamente povos inteiros, fundando a colonialidade do poder (QUIJANO, 2005; GROSFOGUEL, 2018; MALDONADO-TORRES, 2018). Esse conceito busca se diferenciar daquele, justamente para marcar a persistência dos princípios organizadores de relações sociais pautadas pelo racismo, ainda nos dias atuais, mesmo depois das supostas independências dos novos Estados nas Américas e na África, que marcaram o fim formal do colonialismo. Com o avanço dos estudos sobre o sistema-mundo nas Américas, percebeu-se que essa colonialidade do poder vinha acompanhada de outras formas como colonialidade do saber, do ser e da natureza (GROSFOGUEL, 2012). A luta contra essas colonialidades chama-se decolonial. Enquanto Grosfoguel (2018, p. 114) chamou de giro decolonial, Dussel (2018) denominou por transmodernidade. Fato é que ambos, por diferentes palavras, quiseram marcar o processo de busca pela emancipação dos primados eurocêntricos justificadores da Modernidade/Colonialidade. Esse giro decolonial significa desintoxicar-se dos princípios ocidentais, racistas, patriarcais, heteronormativos, capitalistas, impostos pelos governantes europeus aos outros povos. Com histórico diferente, do ponto de vista da sua práxis, não é possível determinar as raízes da filosofia política anarquista, isto é, suas raízes são indeterminadas e pode ser encontrada em toda luta contra as opressões e autoridades e por liberdade e igualdade no mundo inteiro. Por outro lado, suas formulações teóricas, mais acabadas, foram desenvolvidas no seio da luta operária na Europa e disseminada pelo restante do planeta. Essas formulações, extremamente ácidas, apresentavam uma crítica contundente a toda forma de autoridade e opressão atacando peremptoriamente suas representações políticas e econômicas modernas: consubstanciadas pelo Estado e pelo capitalismo. Como resultado de suas ações diretas, a filosofia e a práxis anarquistas foram fortemente atingidas por pilares racistas implementados pelas governanças institucionais europeias (nobres, reis, presidentes, deputados, juízes, igrejas, militares, capitalistas, grande mídia)[1]. Não se tratava de um racismo pela cor da pele, mas...