Uma análise anarquista da crise institucional de 2016 – teses fundamentais que ficaram ausentes do debate

Teses fundamentais que ficaram ausentes do debate – uma análise anarquista da crise institucional do governo Dilma

Wallace dos Santos de Moraes[1]

 

Durante as primeiras décadas do século XX, as revoltas e revoluções populares se agigantaram em grande parte do mundo e dependendo do lugar emergiram em função delas diferentes modelos econômicos e de Estado: o socialismo de estado, o welfare state, o nacional-desenvolvimentismo, o keynesianismo e algumas poucas e rápidas experiências libertárias. Assim, interesses dos trabalhadores foram contemplados em maior ou menor medida dependendo da força e da radicalidade da classe trabalhadora.

Por outro lado, também surgiram como reação às lutas populares as fatídicas experiências fascistas propiciadas por um conjunto de fatores que levaram a derrocada dos movimentos dos trabalhadores, principalmente na Alemanha, na Itália e na Espanha, onde os movimentos revolucionários, por incrível que possa parecer, eram mais fortes. As propostas autoritárias propugnavam uma sociedade hierarquizada, racista, machista, com um nacionalismo xenófobo, e uma cega obediência ao chefe. A maior parte dos capitalistas ficou muito feliz com essas características.

Foi exatamente na terra de Hitler e sob seu governo que a grande mídia passou a ser usada com maior eficácia para a dominação de classe. Seu ministro das comunicações foi bastante eficaz em jogar toda uma nação para a insanidade da guerra. Uma frase clássica sua era: “uma mentira dita mil vezes, torna-se verdade”. E essa máxima guia até hoje muitos de nossos monopólios de comunicação de massa criando a indústria cultural e propagandeando o capitalismo, quando possível, com garantias individuais, mas quando o sistema está sob ameaça apoiam abertamente a supressão das liberdades civis para garantia do sistema do capital.

Na América Latina, durante as décadas de 1950/60/70 os movimentos populares ganharam novos impulsos principalmente em função de dois movimentos: 1) quando setores sociais institucionalizados pensaram em aplicar medidas distributivas e reformas de base por meio da ação de governos de nacionalismo radical, para usar uma expressão de Katz, mas sem acabar com o capitalismo e/ou 2) quando setores de estudantes, operários e camponeses pensaram na tomada do poder via luta armada para implantar o socialismo.

Entretanto, mais uma vez na história recente, percebendo o a avanço da liberdade e dos setores revolucionários, as classes privilegiadas e os conservadores retomaram o poder amiúde por meio de golpes militares com amplo apoio dos oligopólios de comunicação de massa e das elites econômicas locais, gerando um grande retrocesso aos anseios dos governados, através da aplicação de ditaduras covardes e sangrentas.

Poderíamos lembrar e aprofundar as experiências de Salvador Allende no Chile, ou dos Sandinistas na Nicarágua, todavia o melhor exemplo é o da Venezuela por ser uma experiência mais recente e igualmente latino-americana. Trata-se do golpe de estado sofrido por Hugo Chávez em 2002. Naquele 11 de abril os meios de comunicação privados articulados com as forças golpistas fizeram intensa campanha clamando a população para às ruas preparando as bases do golpe que aconteceu naquela noite. Alguns autores denominaram o golpe de político-midiático.

Por fim, no Brasil também temos exemplos de articulação entre setores conservadores e grande mídia contra governos reformistas. Em 1964, Dreiffus descreveu toda a conspiração realizada entre a grande imprensa, militares, empresários e setores da igreja e elitistas em geral. Segundo suas teses, eles prepararam durante semanas a população para o golpe fazendo propaganda dos militares, apresentando-os como defensores da sociedade, da pátria e dos valores da família cristã. Ao mesmo tempo, ligavam o governo Goulart ao comunismo internacional, por uma ofensiva midiática através de mentiras e meias verdades depreciavam o conceito de igualdade entre os homens.

Entendemos que os últimos acontecimentos no Brasil podem ser diretamente associados aos exemplos supracitados, mas não pelos motivos que algumas pessoas equivocadamente tentam associar.

O país vive uma das maiores crises institucionais de sua história e temos visto análises absolutamente fora da realidade movidas por uma paixão cega que não colabora para o entendimento mais amplo da questão é ainda jogam uma cortina de fumaça sobre exatamente aquilo que devíamos estar discutindo. Aliás, como normalmente fazem os mais fanáticos torcedores de futebol, as pessoas estão defendendo posições políticas que visam meramente atacar o adversário, apresentando uma anuência descarada para os problemas do grupo político que defendem.

Com efeito, a Rede Globo vem formando uma massa de cientistas políticos que analisam a política brasileira a partir das conjecturas estabelecidas por William Bonner, seu principal guru intelectual, desnecessário comentar os problemas advindos dessas teses.

Por outro lado, os petistas, que outrora defenderam com todo rigor a chamada ética na política, abandonaram essa máxima e passaram a aceitar e praticar os princípios de Maquiavel, sem qualquer tipo de pudor, para justificar a chegada ao poder e a sua manutenção.

Em contraposição, buscaremos apresentar uma exposição fundamentada em alguns fatos ignorados por ambos os lados na briga institucional maniqueísta que se instaurou no país desde a campanha eleitoral de 2014. É necessário dizer que essa análise é realizada a partir do Rio de Janeiro, pois outra questão metodológica importante é admitirmos que a lógica paulista, por exemplo, possui aspectos idiossincráticos.[2]

Aqui jaz o primeiro alerta: não é possível discutir política no Brasil sem tocar no papel exercido pelos oligopólios de comunicação de massa e é por esse caminho que seguiremos por todo o artigo.

PRIMEIRA TESE: OS PROTESTOS NÃO ACONTECEM EM FUNÇÃO DAS OPÇÕES POLÍTICAS COMUNISTAS DOS PETISTAS

O avanço voraz de intervenções conservadoras no Brasil não pode de nenhuma maneira estar associado com a implementação de determinadas políticas públicas ou com a adoção de atitudes ideológicas comunistas dos governos petistas. Simplesmente porque esses governos nem de longe implementaram políticas socialistas, comunistas ou sequer social-democratas. Asseverar um absurdo desse só demonstra o total desconhecimento das matrizes teóricas políticas e ratificar que não sabem diferenciar dois conceitos básicos: uma política liberal de uma socialista ou comunista.

Definitivamente, os governos petistas buscaram administrar o sistema capitalista da melhor forma possível atendendo prioritariamente os interesses dos banqueiros e empresários do país. Esse axioma é comprovado por todos os dados disponíveis para análise. Portanto, não existe nenhuma evidência que sustente a mínima ideia de que o petismo possa vir a ser chamado de socialista, comunista, social-democrata ou mesmo que esteja promovendo uma distribuição de renda no país, pois os lucros dos banqueiros crescem exponencialmente. A distribuição do bolsa-esmola nem se compara com aquilo que banqueiros, empreiteiros, agronegócio, empresários ganharam do governo com desonerações, juros altos, e privilégios dos mais diversos.

Enfim, o programa bolsa-família ajudou parcelas miseráveis da população, mas sem apontar para qualquer forma de distribuição de renda ou de emancipação econômica, simultaneamente reforçou a dependência dos miseráveis com relação ao  Estado e aos próprios governos petistas, que procuraram apresentar-se como “messias” para esses setores extremamente explorados. Essa postura garantiu ao petismo permanecer no poder por mais de dez anos por meio de um voto pragmático dessa população.

Os governos petistas seguiram à risca as exigências do FMI e das instituições multilaterais, inclusive, é importante dizer, o bolsa-família, que é adotado com diferentes nomes em diversos países pelo mundo, é uma proposição do Banco mundial. Assim, as políticas públicas adotadas pelo petismo não se diferem substantivamente das adotadas pelo tucanismo. Privatizações, flexiblização de direitos trabalhistas e previdenciários, lei antiterrorismo, prisões de militantes mais combativos, perseguição a indígenas e todos os lutadores populares autônomos, militarização das favelas, adoção de uma política econômica neoliberal com primazia para o superávit primário etc. Trata-se simplesmente da instalação da socidade de controle sobre os grupos “perigosos”; ao mesmo tempo, as elites e os seus intelectuais sequer percebem isso pois não são perigosos ao sistema.

Em resumo, esses governos devem ser classificados como neoliberais, pois constitui-se como uma clara continuação das administrações do PSDB.[3] As receitas para a crise inclusive são as mesmas: cortes no social e aumento do estado penal para as classes perigosas. Além do mais, vários quadros ligados ao PSDB e/ou diretamente aos banqueiros assumiram ministérios nas administrações petistas principalmente no âmbito da economia e banco central.

Por fim, os protestos de 2015/16 não podem ser lidos pelas opções de políticas públicas ou ideológicas socialistas dos petistas. O curioso é que a cegueira é tamanha que ambos os lados da disputa amparam-se nesses sofismas: os petistas dizem que caminham para o socialismo com um governo popular; os conservadores afirmam que o petismo está implementando o comunismo no Brasil. Nenhuma dessas loucuras ampara-se no real.

SEGUNDA TESE: EXISTE NO BRASIL UMA PLENA DITADURA CIVIL-MILITAR PARA DETERMINADAS POPULAÇÕES E IDEIAS

Defendemos a tese segundo a qual as periferias e favelas do Rio de Janeiro vivem atualmente sob uma verdadeira ditadura militar. A ocupação constante desses lugares por tropas do exército e/ou por policiais militares cotidianamente demonstra isso. As regras estabelecidas nesses espaços são determinadas pelos militares ocupantes. Em resumo, a liberdade é extremamente limitada nas regiões ocupadas e a lei que prevalece é a do fuzil, seja do militar, representante do estado, dos governantes, do petismo, seja daquele que o sistema gostaria que fosse escravo, mas resolveu de maneira autoritária obter dinheiro por meio das drogas.[4] Os governos petistas e seus aliados no Rio de Janeiro nada fizeram para mudar esse quadro, apenas reforçaram a ocupação militar que aprofunda e estabelece uma ditadura para essas populações.

Por meio de acordos com os oligopólios de comunicação de massa brasileiros, o governo impediu a livre circulação de ideias ao negar a entrada no Brasil da Telesur (rede de televisão estatal venezuelana com clara postura antineoliberal, mas não anticapitalista, é claro) e pior do que isso cassou o pleno funcionamento das rádios comunitárias livres. Essas medidas só podem atender pelo nome de censura, digna de qualquer ditadura.

Mesmo no plano internacional tão propalado pelos “torcedores” do petismo, esse governo não foi aquilo que visões apaixonadas buscam apresentar. É verdade que não seguiu uma linha estreita com os EUA, mas além de ter recebido elogios de George Bush e Obama, impediu a integração latino-americana proposta pelo chavismo e deixou de seguir inclusive sua linha reformista com ampliação de direitos trabalhistas etc.

Em resumo, os governos fascistas/ditatoriais tomariam as mesmas medidas que vem sendo realizadas pelos petistas.

No plano militar, ocupação das favelas e periferias, perseguição e prisão de militantes políticos revolucionários, infiltração e monitoramento dos movimentos sociais.

No plano econômico predominaria uma política de austeridade, superávit primário, corte no social, inclusive, devem manter o bolsa-família, para ganhar adesão dos pobres, como determina o banco mundial.

No plano de liberdade de imprensa, garantia dos interesses dos oligopólios de comunicação de massa com sua clara censura para as ideias socialistas e libertárias.

No plano internacional, um não alinhamento que evita os extremos, assim garantindo os interesses do status quo.

 

TERCEIRA TESE: OS PROTESTOS DE 2015/16 DEVEM SER ENTENDIDOS COMO REAÇÃO CONSERVADORA AOS PROTESTOS DE 2013/14

Defendemos a tese segundo a qual o fortalecimento da extrema direita no Brasil em 2015/16 deve ser entendido como uma reação direta às lutas populares realizadas em 2013/14 e não em função das opções políticas adotadas pelos governos petistas.

Lutas essas que se caracterizaram por ataques às principais instituições do capitalismo como destruição das vidraças dos bancos, de empresas multinacionais, dos transportes públicos com preços absurdos, dos pedágios, da indústria das multas, dos carros das emissoras dos oligopólios de comunicação de massa e da expulsão de seus repórteres das passeatas, mas sobretudo pelo enfrentamento com as forças policiais.

A minha geração não viu um momento tão marcado pelo descrédito e menosprezo com relação as forças de repressão em geral. Ser policial passou a ser sinônimo de covarde, autoritário, perverso, assassino. A contestação do assassinato do Amarildo na favela da Rocinha, da Claudia em Madureira, bem como, a repressão descabida contra os professores em luta marcaram exatamente o paroxismo desse processo. Nas favelas e periferias do Brasil, o policial já é odiado e contestado há muito tempo, mas esse sentimento extrapolou, em 2013, para toda a sociedade mostrando a forte presença dessa periferia e até a hegemonia de suas ideias naquele movimento de insurgência que nem os governistas nem a esquerda estatista souberam decifrar.[5]

Do ponto de vista político, todos os partidos políticos e seus representantes foram rechaçados pelos manifestantes. O maior simbolismo disso foi a tentativa de destruição da Assembleia Legislativa do estado do Rio de Janeiro (ALERJ) pela população furiosa no dia 17 de junho de 2013.

Desde então, os governos estaduais e federal juntamente com todos os políticos perderam suas autoridades aprofundando solenemente o fato de que os políticos não representam a maior parte da população pobre do país. Como exemplo, no Rio de Janeiro, estado no qual os protestos de 2013/14 foram mais intensos e duradouros, a maior parte da população não escolheu candidatos, votando em branco, nulo, ou simplesmente se abstendo de votar nas eleições de 2014. A soma desses votos foi maior que a de todos os candidatos no primeiro turno das eleições presidenciais e continuou sendo maior no segundo turno para governador. Em resumo, o governador eleito, pela primeira vez na história, obteve menos votos que a soma dos nulos, em branco e abstenções.

Os únicos que continuam a acreditar na política institucional e consequentemente nos seus partidos e representantes são aqueles que fazem de alguma maneira parte das elites desse país, sejam os intelectuais e/ou a classe média para cima. Tanto é que a composição dos protestos de 2015/16 é formada exatamente por esses setores, seja dos que estiveram a favor ou contra o petismo no poder. Muito diferente de 2013 quando efetivamente as massas populares participaram ativamente das manifestações com protagonismo.

PRINCIPAIS ATORES POLÍTICOS NO PROCESSO

Com efeito, já começamos a apresentar os principais atores políticos nesse processo. De um lado, estão os canais privados de televisão, liderados pela Rede Globo, como principais articuladores/porta-vozes dos setores que saíram às ruas pedindo o impeachment da presidente da república. Tanto é que os “panelaços” com histeria coletiva nas regiões mais nobres das principais cidades do país, criado e estimulado pelos repórteres da Globo, acontecem exatamente na hora dos telejornais da emissora, nos bairros mais ricos, mostrando o quanto a notícia “global” é importante e como as pessoas que batem panela são informadas sobre política. Além do mais, vestem camisas da seleção brasileira, pois foram exatamente essas pessoas que compareceram aos jogos da copa seguindo o nacionalismo exacerbado propagandeado pela Rede Globo, quando a maior parte da população, pela primeira vez na história, estava descontente com a própria realização do evento. Daí se explica o uso em comum das camisas da corrupta CBF nos dias de protestos anti-PT.

Compõem essas manifestações três diferentes grupos disputando a direção da massa “global” indignada com a crise econômica e com a corrupção inerente dos governos. É importante dizer que os grupos que disputam a direção do movimento não são grandes.

Por um lado, estão as militâncias dos partidos políticos: PSDB, DEM, PMDB e outros. Estes defendem o impeachment da presidente e apostam na saída institucional para que possam voltar formalmente ao poder, pois na prática suas ideias já predominam. Sua base social é muito difusa e segue exatamente a pauta da Rede Globo de televisão.

Por outro lado, estão grupos ligados a alguns parlamentares no Rio com ligação estreita com os militares e são órfãos e adoradores da ditadura militar. Esses defendem a tomada do poder pelos fardados de forma imediata. A base social desse grupo é composta por membros de todas as forças de repressão ativos e inativos que se sentiram extremamente ameaçados com os protestos de 2013/14 no Rio. Esse setor é retrógrado, com fortes traços de fascismo e como não poderia deixar de ser carregado de preconceito e descriminação.

Um terceiro setor é ligado à Igreja evangélica e pode por ventura se associar a um ou outro lado, conforme lhe for conveniente.

Como todos os partidos políticos continuam muito desgastados junto à população, o setor que mais tem crescido e que está mais organizado é o dos fascistas em função de já possuir uma base social grande e sólida, composta pelos milhares de membros das mais variadas forças de repressão existentes nessa nossa sociedade de controle (militares das forças armadas, das policiais estaduais, bombeiros, policiais civis, guardas municipais e seguranças privados dos mais diversos) e seus familiares e amigos. Em 2013, todos eles se sentiram aviltados em função das críticas que receberam da população em geral, questão que tornou propícia sua reorganização de forma mais política e para tomar o poder propriamente. Como consequência disso, esses grupos criaram vários think thanks que despejam de maneira profissional diariamente milhares de mensagens nas redes sociais, amplamente compartilhada por sua base social.[6] Se em 2013, as ideias fascistas não tinham qualquer penetração social, além de serem muito pouco compartilhada; em 2016, depois de três anos de intenso trabalho, elas são hoje significantes. Enfim, trata-se de uma reação orquestrada desses setores que foram amplamente rechaçados e atacados pelo povo nos protestos de 2013/14 no Rio de Janeiro e em alguns outros estados da federação.[7] É importante acrescentar mais um dado nessa análise. Jair Bolsonaro, candidato dos militares, recebeu votação record nas eleições de 2014. Já se tratava do resultado da reação desses setores a 2013.

Em resumo, a continuidade dos governos do PSDB-PMDB-PT (ou república dos banqueiros e dos empreiteiros) com base nos desvios de verbas públicas para favorecer a burocracia estatal a olhos vistos pela população abre espaço para a crise de confiança institucional vivida atualmente e a ascensão das soluções conservadoras como o fascismo.

Os oligopólios de comunicação conseguiram rotular a crise econômica ao governo e o criticam, pasmem, exigindo duas coisas: 1) o fim da corrupção – como que se o petismo fosse o único partido corrupto da história do país; 2) mais desonerações, ignorando que os governos petistas foram campeões nesse campo para diversos setores capitalistas. Toda a pauta da crítica é alicerçada nas premissas liberais de mais mercado, menos direitos, enfim, cada um por si, no individualismo impenitente típico dessa matriz teórica, que o petismo já comprou há muito tempo.

Do outro lado do falso maniqueísmo estabelecido pelos oligopólios de comunicação de massa, estão os governistas e todos os seus aliados e partidos desgarrados deles nos últimos anos. São seus principais aliados: José Sarney, Renan Calheiros, Collor de Mello, Jader Barbalho, Paulo Maluf e outros, particularmente, no Rio de Janeiro, o petismo conseguiu estar ao lado de praticamente todos os candidatos ao governo do estado, como Marcelo Crivela e a Igreja Universal, Sérgio Cabral, Pezão, Garotinho, Eduardo Paes. Não obstante, esses políticos são meramente aliados do poder e não hesitarão em abandonar o barco quando perceberem que ele está afundando sem nenhum sentimento de culpa. A saída do PMDB do governo já é o claro sinal disso. Aqui mais uma vez a culpa é do próprio petismo que optou por governar junto com esses setores mais conservadores do país.

QUARTA TESE: O PAPEL DO PETISMO PARA AS ELITES DO PAÍS SERIA DE BARRAR A LUTA POPULAR. 2013 QUEBROU ESSA POSSIBILIDADE E O AMOR ACABOU

O petismo concorreu nas eleições em 1989, 94, 98 e 2002. Nas três primeiras, foi amplamente atacado pelos oligopólios de comunicação de massa. Nas eleições de 2002, o William Bonner recebeu o “Lulinha paz e amor” com todo o glamour de um digno e futuro representante do povo brasileiro. A Globo pela primeira vez até então não se opôs ao petismo. Por que isso? Por dois motivos: 1) Era a melhor forma de salvar o frágil sistema representativo brasileiro, que nas eleições de 1998 chegou a ter 40% do eleitorado que não escolheu qualquer candidato para a presidência da república. FHC nessa ocasião foi eleito com menos votos que a soma dos nulos, em branco e abstenções. 2) a experiência europeia e latino-americana mostrava que para melhor garantir a implementação das políticas neoliberais era fundamental conter o movimento popular com governos dessa origem que travassem a luta.

O papel do petismo, portanto, para as elites, seria garantir a estabilidade social para que essa mesma elite ampliasse seus lucros. Para esse objetivo Lula era o melhor candidato, sem dúvida. Assim, a militância do PT, tratando o partido como time de futebol, foi indo à direita junto com suas lideranças. O MST, a CUT e diversos outros movimentos sociais seguiram pelo mesmo caminho.[8] A luta passou a ser engavetada no campo e na cidade, pois os movimentos deveriam aguardar as ações do messias (governante) com vistas a garantir a governabilidade. Além do mais, afirmavam os representantes dos movimentos, agora oficiais: “se lutarmos vamos abrir espaço para a direita voltar ao poder.” Um engodo absurdo, pois ao não lutar a direita governava pela mão do petismo.

Todavia, tudo muda quando os setores populares assumem caráter insurgente e com o florescimento da extrema esquerda em 2013. Ficou muito claro que o PT não controla mais o movimento social. Com esse cenário, a direita resolve que ela mesma deve governar para melhor reprimir os pobres e insurgentes e resgatar um sentimento almalgamado de valorização, respeito e medo dos governados com relação aos membros das forças de repressão e aos governantes.

O petismo simplesmente deixou de cumprir sua função para as elites: conter a insurgência do movimento social. Por isso, 2013 constitui-se como uma inflexão nesse processo é o início do fim da hegemonia do PT.

DISSIMULAÇÃO DE DIFERENÇAS EM MEIO A ENORME CONTINUIDADES – TEMAS FUNDAMENTAIS QUE FICARAM AUSENTES DOS DEBATES

Quase que num mega-teatro, os oligopólios de comunicação de massa, bem como os intelectuais de plantão ligados ao sistema, dissimulam uma grande diferença entre petismo e oposição oficial, quando na verdade possuem extremas semelhanças. Nunca, tantos debates e discussões políticas foram organizados nas televisões brasileiras, nas redes sociais, nos bares, nas universidades etc tendo como resultado o estabelecimento de falsas polêmicas. Os temas mais importantes para a população como educação (melhoria da qualidade das merendas, escolas integrais com atividades extras, popularização de creches, salários decentes para os profissionais, criação de novas escolas e universidades públicas gratuitas e de qualidade) saúde (saneamento básico, construção de novos hospitais e recuperação dos existentes, contratação de novos médicos); moradia: construção de casas populares sem cobrança de juros exorbitantes); mobilidade urbana: construções de dezenas de linhas de metrô/trem/barcas que descongestione os grandes centros urbanos, pois atualmente, esse é um problema sério para o trabalhador que perde horas de sua vida no trânsito de casa para o trabalho; tarifa zero para os transportes públicos; aumentos de salários, de direitos sociais, aumento de direitos trabalhistas e previdenciários, reforma agrária, combate aos produtos transgênicos, respeito a biodiversidade e ao meio ambiente, auto-gestão de terras e fábricas, respeito aos negros, indígenas, pobres, favelados, mulheres, gays, lésbicas, fim das forças de repressão, críticas a sociedade autoritária, racista, machista. Nada disso é objeto de debate pelos oligopólios de comunicação de massa e por seus seguidores conscientes e inconscientes. Ou seja, aquilo que realmente importa para a maioria dos governados está ausente do debate.

Em nenhum momento está em disputa dois projetos de sociedade, de política, ou de economia para o Brasil. Muito pelo contrário, discuti-se apenas a manutenção do que já existe. Do ponto de vista pedagógico para a população, os debates, bem como a cobertura dos oligopólios de comunicação de massa, compuseram um desserviço para os anseios de uma sociedade socialista e libertária.

Por fim, concluímos com duas publicações na nossa página do facebook no calor dos acontecimentos:

A lógica do poder é muito perversa. Transforma um operário em canalha. Um partido de massas em quadrilha. Um governo que se apresenta como de esquerda, mas implementa exatamente as politicas da direita. Esta, por sua vez, satisfeita com as medidas governamentais, as critica porque quer exercer o poder ela mesma. Ao mesmo tempo, o povo é o que paga a conta, pois os governos continuam atendendo prioritariamente aos interesses dos banqueiros. Na educação, falta o mínimo de estrutura nas escolas públicas e salário decente para seus profissionais. Os hospitais parecem mais necrotérios. A grande mídia continua sendo o principal partido fascista do Brasil, conduzindo diversos imbecis para defesa de medidas autoritárias e jogando uma cortina de fumaça sobre aquilo que deveríamos estar discutindo para o bem da nossa população. Se não bastasse ter que produzir riqueza para os patrões, os governados economicamente ainda têm que passar por altos índices de desemprego, penúria, mandonismo, e toda forma de subordinação. Enfim, vivemos em uma sociedade esquizofrênica, doente, cuja principal tarefa dos manipuladores é retirar a atenção do fundamental: exploração, autoritarismo, desigualdade, falta de educação, saúde, transportes, saneamento, moradia, racismo, machismo etc.
Enquanto isso… as pessoas vão defendendo ou criticando o discurso do ex-operário.

Coincidentemente no momento de franca ascensão do movimento popular em torno da educação no estado do Rio de Janeiro com milhares de estudantes e professores tomando as ruas, a Rede Globo transforma o depoimento do ex-operário num caso midiático político sem precedentes nos últimos anos. A militância governista aproveitou para tentar ressuscitar o seu principal Messias. Por outro lado, os imbecis órfãos dos golpistas tentaram aumentar a cova do messias.

Por fim, os três segmentos objetivaram restabelecer a falsa polarização que governa há décadas para banqueiros, empreiteiros, e faz do congresso o maior banco de negócios do país. O movimento popular não pode ficar embriagado por essa disputa que não lhe diz respeito e o melhor caminho é tomar as ruas na construção do poder popular autônomo e em contrário a todos aqueles que almejam com toda força apropriar-se dos recursos produzidos pelos governados.

Para tanto é necessário aplicar os conceitos básicos do anarquismo: organização, criação das comunas, associação federativa, ação direta, greve geral, propaganda e muita conversa com o povo, que já sabe que nem petismo nem seguidores dos oligopólios de comunicação de massa representam seus interesses.

 

 

 

 


[1] Professor do Departamento de Ciência Política e do Programa de Pós-Graduaçao em História Comparada da UFRJ. Coordenador do Observatório do Trabalho na América Latina (OTAL/UFRJ): www.otal.ifcs.ufrj.br

[2] Para interpretações do Brasil “continente”, pelo menos contemporaneamente, é cada vez mais necessário atentar para as particularidades das unidades da federação, sem negligenciar, evidentemente a existência de muitos aspectos em comum.

[3] Sobre as semelhanças entre as administrações petistas e tucanas, ver: MORAES. W.S Petismo e chavismo: variedades de capitalismo e de regulação trabalhista no Brasil e na Venezuela in http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582014000200004&lng=en&nrm=iso&tlng=pt

 

[4] Desenvolvemos em outros dois artigos as teses segundo a qual existe no Brasil uma ditadura permanente para e todos aqueles que colocam em risco a propriedade dos ricos ou se opoem fortemente ao sistema. Ver: http://www.otal.ifcs.ufrj.br/a-respeito-do-aniversario-da-ditadura-civil-militar-no-brasil-uma-critica-anarquista/

[5] A melhor explicação para isso é o fato de que esses partidos estão extremamente distantes da periferia, mas ao mesmo tempo tão próximos da universidade e de seus teóricos conservadores e estadolátricos.

[6] ver artigo no site do otal: http://www.otal.ifcs.ufrj.br/o-papel-dos-think-tanks-na-politica-brasileira-desde-2013/

[7] A única exceção é a dos bombeiros que levaram a cabo uma insurgência em 2012 e ganhou a simpatia da sociedade.

[8] Como resultado vários militantes valorosos abandonaram esses movimentos e o próprio PT e ao mesmo tempo outros novos embarcaram na barca petista como novos militantes.

 

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